Dívidas de contribuintes abateriam só 10% dos precatórios em 2022

Encontro de contas é aposta da Economia para evitar bola de neve, mas só R$ 7 bi poderão ser usados

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Brasília

A equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) mapeou cerca de R$ 7 bilhões em precatórios (valores a serem pagos pelo Estado por decisão judicial) de 2022 que poderão ser usados pelos credores para abater suas dívidas com a União.​

O chamado encontro de contas é uma das apostas do governo Jair Bolsonaro (PL) para tentar evitar uma bola de neve de precatórios após a promulgação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que permite o adiamento de parte desses compromissos.

A estimativa representa pouco mais de 10% dos R$ 62,2 bilhões em precatórios apresentados para o ano que vem, sem incluir as chamadas RPVs (Requisições de Pequeno Valor), que dão as dívidas de até 60 salários mínimos, devidas a pequenos credores e que precisarão ser pagas sem flexibilização.

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Governo aposta no pagamento de débitos com precatórios para não atrasar o que deve a credores após limitar o pagamento dessas dívidas - Gabriel Cabral/Folhapress

O valor também é menor que os R$ 43,8 bilhões em precatórios que devem ter o pagamento adiado para os anos seguintes, graças à nova regra promulgada pelo Congresso.

O levantamento mostra que, inicialmente, o alcance dessa modalidade de encontro de contas é mais limitado do que o potencial sinalizado pelo Ministério da Economia. A pasta apontava, até duas semanas atrás, R$ 918 bilhões em débitos inscritos em dívida ativa que poderiam servir de moeda de troca pelos precatórios. O montante inclui dívidas cuja cobrança é avaliada como factível.

No entanto, nem todos os devedores da União são também credores dos precatórios, o que torna a possibilidade do encontro de contas mais restrita. Outras medidas previstas na emenda constitucional, porém, podem ajudar no abatimento dos passivos.

A partir de agora, o governo tem autorização para aceitar os precatórios como moeda de pagamento na venda de imóveis públicos e na quitação da outorga em concessões de infraestrutura. Os créditos também poderão ser usados na aquisição de ações de estatais e na compra de direitos sobre a parte da União nos excedentes de petróleo extraídos do pré-sal.

A estratégia de Guedes é usar a PEC como um atalho para diminuir o tamanho do Estado, fazendo com que bancos e até escritórios de advocacia trabalhem para otimizar o uso de ativos federais que, em sua visão, estão parados.

O ministro trata a proposta como alternativa para a transformação do Estado e entende ser melhor usar esses ativos como moeda de troca do que emitir dívida e fazer o país pagar juros para conseguir honrar os pagamentos exigidos pela Justiça.

Desde o início da tramitação da PEC dos Precatórios, economistas, advogados e integrantes do mercado financeiro criticam as mudanças, classificando-as como um calote nas dívidas judiciais. Cálculo da Consultoria de Orçamento da Câmara aponta o risco de o novo limite para precatórios acabar gerando um passivo de R$ 121,3 bilhões até 2026, último ano de vigência dessa regra.

Na tentativa de vencer as resistências, o Ministério da Economia argumenta que boa parte desse passivo vai desaparecer justamente pelas negociações envolvendo os ativos. Um levantamento interno usado para sustentar esse argumento mostra um potencial de R$ 235,6 bilhões em imóveis que poderiam ser vendidos em troca dos precatórios.

As estimativas do governo também indicam a possibilidade de as outorgas de concessões chegarem a R$ 31,79 bilhões em 2022. Já a venda de direitos futuros sobre o excedente de petróleo do pré-sal que hoje pertence à União é avaliada em R$ 192 bilhões.

Para a equipe econômica, a oferta desses ativos seria suficiente para afastar o risco da bola de neve, porque as ações judiciais que representam risco provável —quando a probabilidade de perda é alta— têm um impacto menor, de R$ 277 bilhões.

O valor não inclui ações ligadas a temas tributários, cujo pagamento se dá por meio de compensação —a empresa abate o valor dos tributos a serem pagos daqui para frente. Desse montante, R$ 140 bilhões estão ligados a ações sobre o Fundef, o fundo de educação básica que abastecia Estados e municípios até 2006.

O governo argumenta que Estados das regiões Norte e Nordeste —que estão entre os credores dos precatórios do Fundef— detêm uma dívida de R$ 143 bilhões com a União. No entanto, o próprio Congresso permitiu o pagamento de precatórios do Fundef fora do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à variação da inflação. Isso deve desincentivar as negociações nessa frente.

Com os demais credores da União, a expectativa da Economia é que o uso desses instrumentos ganhe tração com o passar dos anos, uma vez que a fila de precatórios fomentará o mercado de compra e venda desses créditos. Mesmo que o credor não tenha dívidas com a União nem interesse em adquirir ativos, ele poderá ceder seu crédito para empresas ou investidores interessados nas modalidades propostas pelo governo.

Dessa forma, o credor sai da fila e recebe antes, embora com deságio que, na prática, reduz o valor embolsado. Já o comprador paga menos por um crédito que depois será usado para abater dívida ou adquirir ativos.

O presidente da Comissão de Precatórios da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Eduardo Gouvêa, afirma que o incentivo às negociações é positivo, mas poderia ser feito sem o adiamento de precatórios, medida que ele considera inconstitucional.

A entidade deve protocolar uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal) para questionar o teto para sentenças. "O governo está criando dificuldade para obrigar o credor a aderir a um programa em que vai receber menos. Ele perdeu tempo [com a tramitação judicial], agora vai perder dinheiro também", afirma.

O representante da OAB defende a criação de um programa de negociação que concentre esforços nas ações já transitadas em julgado, mas cujo pagamento ainda não foi feito.

Segundo ele, um precatório leva, em média, de três a cinco anos para ser expedido. Mas há casos em que a demora dura mais de uma década. "Quem precisa esperar um ano e meio [para receber] é menos propenso a aceitar desconto do que quem vai ter que esperar quatro anos", afirma Gouvêa.

Leonardo Ribeiro, consultor do Senado, também defende que o governo crie um programa de compensação de débitos com precatórios. Ele sugere seguir a experiência de estados e municípios, com regulamentação clara sobre o tema. "A redução do estoque de precatórios vai depender do resultado dessas transações", diz.

Mesmo assim, Ribeiro defende uma maior rigidez no acompanhamento da evolução das dívidas judiciais. "Há risco de bola neve se a taxa de crescimento dos precatórios se mantiver elevada como nos últimos anos", afirma.

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