Jovens anunciam com orgulho pedidos de demissão em redes sociais

Americanos comemoram saída do trabalho em 'QuitToks', posts no Instagram e fóruns online

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Emma Goldberg
Nova York | The New York Times

Para Gabby Ianniello, foram as bolhas por calçar salto alto todas as manhãs para trabalhar numa imobiliária que convocou os empregados a voltarem ao escritório no outono. Para Giovanna Gonzalez, foram aquelas três letrinhas, RTO (Objetivo do Tempo de Recuperação), vindas de seu chefe na gestão de investimentos. Para Tiffany Knighten, foi descobrir que o salário anual de uma colega de equipe era mais de US$ 10.000 superior ao seu, por uma função semelhante.

Elas estavam aborrecidas, prontas para se demitir. E queriam que seus seguidores no TikTok soubessem disso.

"Minha saúde mental me deu as boas-vindas depois que deixei a América corporativa", dizia a legenda do vídeo que Knighten postou em setembro, onde ela era vista com um chapéu que dizia "Odeio isto aqui" e dançando à música de Ariana Grande "Thank U, Next" (Obrigado, próximo).

A taxa de abandono de trabalho nos Estados Unidos —a porcentagem de trabalhadores que deixam os empregos voluntariamente— está historicamente alta, chegando a 3% neste outono. Também é excepcionalmente visível. As pessoas estão comemorando suas demissões em vídeos no Instagram ou "QuitToks". Estão usando o fórum R/antiwork do Reddit, cujas inscrições inflaram este ano, para se gabar de estarem livres de seus empregos das 9h às 17h.

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Tiffany Knighten em sua casa em Ridgewood, Nova York - Amy Lombard - 2.dez.2021/The New York Times

"As pessoas me diziam: 'Mana, larguei meu emprego. Vamos beber umas'", disse Knighten, uma mulher negra de 28 anos. Ela contou que enfrentava pequenas agressões constantemente no local de trabalho anterior, e saiu para dirigir sua própria agência de comunicações, chamada Brand Curators. "Todo mundo gosta de dizer com orgulho que deixou o que não lhe servia."

Até CEOs estão aderindo às demonstrações públicas de demissão. O chefe do Twitter, Jack Dorsey, compartilhou em sua própria plataforma que estava deixando o cargo. "Não tenho certeza se todo mundo soube, mas me demiti do Twitter", escreveu Dorsey, postando um print de tela de um email que terminava com "PS, estou tuitando este email. Meu único desejo é que a Twitter Inc. seja a companhia mais transparente do mundo. Oi, mamãe!"

Houve um tempo em que divulgar a decisão de deixar um emprego podia parecer desaconselhável, ou pelo menos deselegante. Assessores profissionais tradicionalmente aconselhavam seus clientes a não criticar ex-empregadores online. Sempre houve um grupo de trabalhadores que se demitiam ruidosamente, mas os recrutadores muitas vezes evitavam candidatos que divulgaram publicamente experiências negativas em suas funções anteriores. Depois de mais de um ano de dificuldades na pandemia, dos protestos sobre justiça racial e o tumulto pessoal e social que se seguiu, alguns trabalhadores estão prontos para rejeitar normas profissionais antiquadas e se manifestarem.

"As pessoas estão frustradas, exaustas, de pavio curto", disse J.T. O'Donnell, fundador da plataforma de colocação profissional Work It Daily. "Quando as pessoas estão assim, você vê reações radicais. Essa é uma reação de combate."

Se os demissionários pensam que podem revidar contra seus ex-patrões sem medo de afastar possíveis futuros empregadores, talvez estejam certos. A curva de oferta e demanda no mercado de trabalho atua a seu favor, e os empregadores estão ficando menos exigentes. A porcentagem de posts no ZipRecruiter que não exigem experiência anterior saltou para 22,9% este ano, contra 12,8% em 2020. A porcentagem que exige diploma secundário caiu de 11,4% para 8,3%.

Algumas partes dos Estados Unidos estão vendo brechas significativas entre a oferta de empregos e os interessados —Nebraska, por exemplo, tem 69 mil cargos não preenchidos e 19.300 pessoas desempregadas. Experiências que antes poderiam prejudicar as perspectivas de um candidato a emprego, como ter tirado licença para cuidar de um filho, estão sendo perdoadas.

"Faço isto há 25 anos, e é o mercado de trabalho mais apertado que já vi", disse Tom Gimbel, diretor da firma nacional de colocações LaSalle Network. "Tenho clientes que estão tão carentes de trabalhadores que hoje aceitam pessoas que tinham lacunas no currículo."

Alguns gerentes de pessoal passaram a sentir que o que antes consideravam uma contratação arriscada —por exemplo, alguém que acusou um ex-chefe online— pode ser mais seguro do que deixar a falta de pessoal persistir por muito tempo, resultando em burnout.

"Antes, talvez as pessoas parassem para pensar o que significaria para suas organizações se um relacionamento de trabalho não terminasse em termos maravilhosos", disse Melissa Nightingale, cofundadora da firma de gestão Raw Signal Group. "Agora o grande foco das organizações está menos no risco individual daquele cargo e mais no risco mais amplo de uma força de trabalho com escassez de pessoal."

Os executivos também estão mais simpáticos com os demissionários em suas próprias fileiras. Os chefes costumavam ver as partidas como traições, como "ser rejeitado no colégio", segundo Anthony Klotz, um psicólogo organizacional da Universidade A&M do Texas. Hoje eles compreendem que os funcionários estão inquietos. Klotz notou um aumento de empregadores que oferecem licença de um ano aos funcionários que se demitem, o que significa que eles podem decidir voltar a qualquer momento, com os antigos benefícios adquiridos.

Mas algumas pessoas não estão preocupadas com bater a porta ao sair.

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Gabrielle Ianniello, que deixou seu emprego e começou o Corporate Quitter, um podcast sobre demissão - Amy Lombard - 2.dez.2021/The New York Times

Ianniello, 28, tem uma longa lista de reclamações sobre seu antigo estilo de vida corporativo. Quando trabalhava como coordenadora de marketing em Manhattan, costumava acordar às 4h45 com o despertador do celular, depois escovava o cabelo e fazia um percurso de 45 minutos de trem. Seus dias eram compostos de almoços tristes no escritório e enviar emails padronizados.

Ela saiu em fevereiro, com economias de US$ 10.000, e postou um TikTok durante o verão dizendo a seus seguidores que tinha encontrado um novo sentido de felicidade. "Neste momento, demitir-se é a melhor coisa a fazer", disse Ianniello, que começou um podcast chamado "Demissionária Corporativa". "É quase como a bolha das ponto.com, quando você criava seu nome de email e era um dos primeiros adeptos. Vocês precisam fazer parte da Grande Demissão."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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