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Minha viagem ao metaverso com o defensor-chefe do Facebook, Nick Clegg

Político do Reino Unido transformado em executivo da Meta fala sobre Zuckerberg, vazamentos de Haugen e expulsão de Trump

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Henry Mance
Londres | Financial Times

Nick Clegg pode estar disponível em Berlim. Ele tem um horário livre em Paris. Vai arranjar tempo para almoçar em Bruxelas. Então vem a ômicron, e o vice-presidente de assuntos globais da Meta, antes conhecida como Facebook, não virá para a Europa, afinal. Em vez disso, Clegg propõe um encontro no metaverso, o mundo digital imersivo apregoado como o sucessor da internet. No metaverso, ninguém pode lhe passar Covid. Então, coloco um desajeitado fone de ouvido de realidade virtual, aceito entregar meus dados e me conecto numa sala de reuniões simulada.

Lá, descubro que o ex-vice-primeiro-ministro do Reino Unido agora é um avatar sem rugas, com a palavra "Nick" pairando acima dele. "Podemos tirar o escárnio e a zombaria do caminho?", diz o avatar. Infelizmente não, porque ele não está usando calças. Nem eu. Também não temos pernas. Para citar o cientista da computação Jaron Lanier, da Microsoft, a visão do metaverso da Meta até agora não resolveu "problemas básicos de geometria".

Clegg não se intimida. É assim que ele realiza reuniões de equipe todas as segundas-feiras de manhã. "Eu realmente sinto que estou sentado ao seu lado", diz ele. Isso é verossímil? A expressão facial de Clegg é gerada por computador, então tenho uma visão limitada. Mas uma coisa é certa: se você pensava que o antigo ídolo da Grã-Bretanha liberal lamentou sua mudança para o Vale do Silício, seu avatar sem pernas sugere o contrário. Se você viu seu vídeo recente com o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, comemorando a mudança de nome da empresa e se perguntou se ele foi feito refém, não foi.

Nick Clegg, vice-presidente de assuntos e comunicações globais da Meta - Picture Alliance - 20.jan.2020

Clegg está inscrito na Meta da mesma forma que se inscreveu, como líder dos liberais-democratas de centro da Grã-Bretanha em 2010, numa coalizão polêmica com o Partido Conservador. Sua visita ao metaverso é o equivalente à sua famosa conferência de imprensa no jardim de rosas com David Cameron. É um sinal de que ele está totalmente comprometido.

Nenhuma empresa —nem mesmo as que produzem carvão, tabaco ou a Fox News— recebe mais publicidade negativa hoje do que a Meta. A mudança de nome da empresa, em outubro, confirmou os danos causados à marca Facebook.

Desde que ingressou no grupo, no final de 2018, Clegg tem sido seu diplomata-chefe, seu amortecedor corporativo. Ele liderou a decisão de suspender Donald Trump por elogiar manifestantes violentos após a eleição nos Estados Unidos. Quando a ex-funcionária do Facebook Frances Haugen vazou documentos mostrando alarme interno pelo impacto da empresa na saúde mental e na democracia, Clegg foi à TV para contra-atacar. Zuckerberg e a diretora de operações, Sheryl Sandberg, sumiram de vista. "Eles queriam um líder em potencial para levar todas as surras", disse um ex-funcionário sênior da Meta.

As surras foram abundantes. "Se ele foi para lá pensando que poderia ser uma força de mudança, não sei como pode pensar que teve sucesso", disse Damian Collins, parlamentar conservador britânico e crítico das empresas big tech. "Pensei que a história seria gentil com Nick Clegg", diz Chris Bowers, ativista dos liberais-democratas (Lib-Dems) e autor de uma simpática biografia de 2012. "Mudei de ideia. Aceitar o emprego no Facebook, empresa que foi tão importante para a derrota dos Lib-Dems em 2015... Sua reputação nos Lib-Dems é aproximadamente a mesma de Tony Blair nos Trabalhistas."

Clegg se autodenomina "o europeu mais graduado em um cargo executivo no Vale do Silício". Ele está no topo de uma gigante que deseja dominar não apenas as redes sociais e as mensagens, mas também o entretenimento, a realidade virtual e a moeda digital. Ele passou de um governo que tentava limitar sua dívida pública de 1 trilhão de libras para uma empresa que tenta aumentar sua avaliação de US$ 1 trilhão no mercado de ações.

No entanto, seu cálculo básico é conhecido. Entrando em coalizão com os conservadores de Cameron, Clegg julgou que seria melhor unir-se aos que estão no poder do que gritar com eles. Achava que o público o elogiaria pelo que ele mudou, e não o culparia pelo que não conseguiu. Uma personalidade competitiva, muitas vezes dominadora, ele pensou que seria visto como um negociador duro, não um covarde. Tudo isso se aplica à Meta. Clegg não procura empregos impossíveis; ele apenas subestima a dificuldade, diz Vince Cable, um de seus sucessores como líder dos Lib-Dems.

Embora Clegg defenda seu histórico com a coalizão, seu princípio central —de cortes brutais nos gastos públicos após a crise financeira global— tem cada vez menos adeptos. Para a maioria dos observadores, o esforço terminou em lágrimas. Por que sua etapa na Meta seria diferente?

Antes de Clegg e eu nos encontrarmos como avatares, falamos pelo Zoom. Ele está sentado no escritório forrado de livros em sua casa no bairro de Lindenwood, no Vale do Silício. "É uma mistura de Donas de Casa Desesperadas com um subúrbio de Kent", diz ele.

A primeira coisa que Clegg e o Facebook têm em comum é uma rápida ascensão e queda política. Boris Johnson levou 18 anos para ir de deputado a primeiro-ministro. Clegg foi de novo deputado a vice-primeiro-ministro em cinco anos. Ele foi a estrela da campanha eleitoral de 2010 na Grã-Bretanha. Na época, o Facebook tinha apenas seis anos e foi creditado por ajudar a eleger Barack Obama e mobilizar a Primavera Árabe.

Seis anos depois, a sorte de ambos seria virada do avesso. Depois de tentar fazer a ponte entre a direita e a esquerda, Clegg acabou não satisfazendo a nenhuma. Colocaram excrementos em sua caixa de correio. Os Lib-Dems perderam 49 de seus 57 assentos na eleição de 2015, derrotados por seus ex-parceiros de coalizão. Em 2016 veio o Brexit --quase uma crítica pessoal a Clegg, um ex-deputado no Parlamento Europeu e falante de cinco línguas. ("Há ALGUMA COISA de britânico em Nick Clegg?", perguntou certa vez o jornal Mail on Sunday.) Pouco depois, o Facebook foi responsabilizado por seu suposto papel na eleição de Trump.

Ao contrário de seus parceiros de coalizão, Cameron e George Osborne, Clegg não deixou o Parlamento após a votação do Brexit. Ele perdeu seu assento em 2017. "Meu coração ainda está na política, mas houve uma quantidade considerável de rejeição de órgãos", diz o avatar conhecido como Nick. "Eu teria adorado ser primeiro-ministro britânico. Mas atingi os limites."

Ele tinha 50 anos. "Eu não conseguia entender a ideia de que passaria os próximos 20, 30 anos, possivelmente pontificando sem nenhum impacto, participando de alguns painéis, fazendo observações pesadas, talvez dando palestras aqui e ali, aparecendo no programa Today como um fantasma do passado. Pensei: 'Tenho energia demais para isso'." Ele agora tem 54 anos, é mais jovem do que os atuais líderes dos três principais partidos políticos da Grã-Bretanha: Johnson, Sir Keir Starmer e Sir Ed Davey.

Em 2018, a diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, abordou Clegg, um internacionalista com experiência pessoal na navegação do sistema regulatório da União Europeia. "No início, pensei: 'Não, isso é um salto muito grande'." Ele tinha dúvidas sobre mudar-se com a família para a costa oeste dos Estados Unidos. Sua mulher, Miriam González Durántez, trabalhava como advogada em Londres; o casal tem três filhos. Clegg diz que também queria ter certeza de que teria poder "dentro da empresa para fazer as mudanças que considero necessárias". Em um jantar na casa de Zuckerberg, Clegg contou que o CEO lhe disse: "Preciso de gente de fora".

Ao mesmo tempo, Clegg sentia-se desvinculado da Grã-Bretanha. Ele tinha escrito um livro, "How to Stop Brexit (And Make Britain Great Again)" [Como deter o brexit (e fazer a Grã-Bretanha grande de novo)], de cujo título agora se "envergonha um pouco". No final das contas, percebeu "que, para o bem ou para o mal, de modo algum eu conseguiria me reinventar no Reino Unido".

Lá, a decisão de Clegg foi saudada como sua segunda grande liquidação. Na coalizão, ele renegou a promessa do Lib Dem de eliminar as mensalidades de universidades. No Facebook, estaria contradizendo sua visão anterior de que achava "a cultura californiana messiânica do Facebook um pouco irritante". Mas também se encaixa. Apesar de uma criação confortável —seu pai era banqueiro, ele próprio estudou em Westminster, uma importante escola particular, depois estudou antropologia em Cambridge—, Clegg se considera antissistema. "Eu certamente me tornei cada vez mais anti-establishment quanto mais tempo eu vivia no establishment."

Esse meio inclui os veículos de imprensa Murdoch, com os quais ele lutou no governo e agora na Meta. A versão de liberalismo de Clegg é pró-empresas e pró-liberdade de expressão. Ele justificou a suspensão de Trump invocando o argumento de J.S. Mill de que a liberdade de expressão não permite que você instigue uma turba diante da casa de um negociante de milho.

A função de Clegg envolve a supervisão das políticas de lobby, comunicação e conteúdo da Meta. São atividades para as quais Zuckerberg detesta ser arrastado e, durante muitos anos, delegou a Sandberg. Este canto do Vale do Silício é um mundo burocratizado de siglas, reuniões consecutivas e pedidos intermináveis de decisões. "Há muitos ecos do serviço público", diz Richard Allan, que precedeu Clegg como deputado de Sheffield Hallam e mais tarde, como executivo do Facebook, ajudou a recrutar Clegg.

Em 2018, o Facebook tinha abandonado seu mantra "Mova-se rápido e quebre as coisas", e a regulamentação aceita estava chegando. Havia uma proposta interna de um conselho independente para revisar as decisões de moderação de conteúdo. Clegg a fez acontecer e convenceu o ex-primeiro-ministro dinamarquês Helle Thorning-Schmidt a entrar. Ele pressionou por uma proibição temporária de anúncios políticos lucrativos durante as eleições de 2020 nos Estados Unidos.

"Clegg estava disposto a ir mais longe para restringir coisas do que outros poderiam estar", diz o antigo funcionário graduado da Meta. Ele tentou abrir a empresa de outras maneiras. Nate Persily, professor de direito em Stanford, diz que Clegg "é muito favorável ao acesso para pesquisadores. Ele está lutando o bom combate lá dentro. Mas também caiu sobre sua espada tantas vezes que está bastante perfurado neste momento".

A decisão mais difícil de Clegg foi a expulsão de Trump, "que Mark me pediu para liderar. Eu realmente lutei contra isso", ele me diz. Em postagens em janeiro de 2021, Trump "transgrediu alguns princípios básicos", mas também foi presidente da "maior democracia do planeta". Clegg relembra: "Passei muito tempo, horas e horas em chamadas do Zoom, com minha equipe, olhando todas as diferentes permutações, falando com Mark com frequência". Depois que o Facebook e o Twitter baniram Trump, Angela Merkel e Emmanuel Macron criticaram a influência das empresas. (Trump poderá retornar ao Facebook em janeiro de 2023.)

O problema é que, durante a época de Clegg, a reputação da Meta não melhorou. Uma ideia que a equipe de Clegg considerou foi verificar os fatos sobre políticos em autocracias, mas não em democracias. Mas ele diz que nenhuma definição viável de democracia foi encontrada. Ele quer apresentar esse e outros dilemas como problemas que a sociedade enfrenta, não apenas a Meta: "Se você, ou qualquer leitor do FT, conseguir uma resposta clara sobre como diabos devemos lidar com o discurso político em geral, por favor escreva num cartão-postal. Temos plena consciência de que, como empresa privada, não temos legitimidade para atuar como árbitros. No entanto, é exatamente isso que acabamos fazendo, porque os próprios políticos não criam regras de trânsito".

Clegg acrescenta que o Facebook "fará mais algumas mudanças aqui. Não é sustentável que nos peçam para criarmos regras sobre como a democracia e o discurso político se manifestam na plataforma". Enquanto isso, ele diz que sua equipe recebe regularmente pedidos "do governo comunista vietnamita, da administração Putin, da administração Erdogan, das autoridades tailandesas que lidam com antimonarquistas, dizendo 'o Facebook deve remover isso e aquilo'. Todas essas jurisdições estão gravitando na direção do modelo chinês de internet".

Em setembro, Frances Haugen, uma ex-gerente de produto do Facebook, acusou a empresa de dar mais valor aos lucros que à segurança dos usuários. Os documentos que ela divulgou mostraram que as mudanças no algoritmo do Facebook em 2018 aumentaram o conteúdo extremista e que a empresa não foi capaz de conter os comentários antivacinas, principalmente os que não eram em inglês. A Meta tentou evitar a reportagem do Wall Street Journal sobre os vazamentos, publicando uma refutação antes que os artigos do jornal fossem publicados. Clegg então acusou a imprensa de fazer escolhas seletivas e de ter "um interesse escuso em promover a regulamentação agressiva".

A ex-funcionária do Facebook, Frances Haugen, durante depoimento no Senado dos Estados Unidos - Matt McClain - 2.out.2021/Pool via REUTERS

Agora, Clegg diz que o impacto das revelações de Haugen pode "ser bom e mau": bom se levar a regulamentações bem elaboradas e ruim se levar a regulamentações mal orientadas: "Por exemplo, me dizem que a solução é desligar o algoritmo".

Para seus críticos, essa é uma clássica falsa opção. Como fazia na política, Clegg muitas vezes se apresenta como ocupando a posição mediana razoável entre dois extremos. "Esses extremos não são reais", diz o deputado conservador Damian Collins. "Ninguém está dizendo que ele deveria desligar o algoritmo." No governo, ele justificou a coalizão como sendo melhor que o colapso financeiro ou a austeridade conservadora desenfreada; agora Clegg diz que o papel da Meta na moderação de conteúdo é uma "situação impossível". Talvez prevendo essa postura, Haugen alertou uma comissão do Senado dos Estados Unidos de que "o Facebook quer que vocês acreditem que os problemas de que estamos falando são insolúveis".

Clegg tem uma confiança intelectual que pode soar contundente ou hipócrita. "Acho que a chave para Nick é sua mãe holandesa. Ele é muito holandês. Ele assume uma posição e diz: 'Para o inferno com isso'", diz um colega Lib-Dem. "Ele costumava vir às reuniões e nos dizer que éramos inúteis —todos já eram."

Clegg recusou convites para representar a Meta nas comissões de Westminster; como chefe global, a função não recai naturalmente sobre ele. No entanto, Collins diz que as opiniões dos parlamentares sobre a Meta endureceram desde que ele entrou. O projeto de Lei de Segurança Online do Reino Unido, uma das principais regulamentações sobre tecnologia, imporá certa responsabilidade legal às plataformas pelo conteúdo que hospedam. A Meta enfureceu parlamentares britânicos no início deste ano ao enviar para depor sobre o projeto de lei um executivo que admitiu não tê-lo lido em detalhes.

Clegg critica a lei por criar sanções para conteúdo que não é ilegal, mas abusivo, enquanto cria isenções para jornalistas. "O que faremos com as pessoas que se declaram jornalistas cidadãos? O [ativista de extrema direita] Tommy Robinson afirmou ser um jornalista cidadão antes de o expulsarmos do Facebook." Até agora, essas discussões não se resolveram. O apelo de Clegg por um acordo internacional sobre tecnologia ao estilo de Bretton Woods também levantou dúvidas entre os céticos, que argumentam que o impasse entre as grandes potências beneficiaria as empresas que desejam o mínimo de regulamentação possível.

A vitória eleitoral de Joe Biden no ano passado gerou alguma esperança dentro da Meta de que Clegg pudesse se tornar o confidente do presidente na empresa. Apesar de algumas manifestações progressistas em 2020, Biden passou a maior parte de sua carreira no centro, defendendo a formação de consenso. Mas na Casa Branca ele delegou amplamente a política tecnológica, e a Meta tem lutado para encontrar um democrata conhecido para supervisionar suas operações de lobby em Washington. "O Facebook é simplesmente impopular demais entre a maioria dos democratas para que sua mensagem seja ouvida", disse um lobista de tecnologia em Washington. "Nick Clegg não será capaz de mudar isso."

Em Bruxelas, onde Clegg ajudou a conceber a regulamentação das telecomunicações como deputado europeu, a Meta teve um desempenho melhor. Realizou campanhas publicitárias e patrocinou grupos de debates, ajudando a diluir a proposta do Parlamento Europeu de proibir a publicidade direcionada. "Eles fizeram as pessoas acreditarem que direcionar a publicidade é bom [para pequenas e médias empresas]", diz Alexandra Geese, uma deputada europeia (alemã) do Partido Verde e crítica da tecnologia. "Acho que eles tiveram muito sucesso."

Para alguns, a Meta é maligna. É a empresa que violou ordens de reguladores do Reino Unido e dos Estados Unidos e não fez tudo o que podia para conter a violência em Mianmar e na Etiópia. (Este mês, refugiados rohingya entraram com uma ação judicial pedindo US$ 150 bilhões em indenizações.) Uma crítica mais branda é que a Meta é confusa, extensa demais e de visão limitada. Como no governo, Clegg pode ter suavizado algumas arestas, mas não contestou o núcleo. Sua crença liberal na escolha individual se choca com a realidade de que a maioria dos usuários não altera suas configurações, e a Meta limita o controle daqueles que o fazem. (Você pode clicar para que seu feed de notícias no Facebook seja classificado cronologicamente, em vez de pelo algoritmo, mas ele será revertido na próxima vez que você fizer login.)

Os críticos da Meta dizem que o domínio de Zuckerberg como fundador, executivo-chefe e presidente do conselho impede mudanças significativas. Clegg insiste que existe "uma cultura muito aberta e intelectualmente combativa. Não é uma corte real. No final, todas as grandes decisões serão tomadas [por Zuckerberg]. Sei que há uma caricatura de que de alguma forma ele está sentado lá em seu trono bordado em seda, instruindo seus asseclas a fazerem X, Y e Z. Não é assim que funciona." As pessoas levantam suas vozes? "Eu não levanto minha voz, de maneira alguma, mas pode apostar que podemos ter desentendimentos."

No vídeo promocional sobre o metaverso, Clegg foi filmado ligando para Zuckerberg. "Espero não estar interrompendo", disse ele ao fundador. "Sempre tenho tempo para você", respondeu Zuckerberg. Era muito roteirizado, provavelmente para dar a impressão de que Clegg tinha influência sobre o chefe. Muitos espectadores se encolheram. "Como diabos [Clegg] concordou com isso?", disse um executivo de comunicações de uma empresa tecnológica. Em vez de argumentar veementemente e anunciar pequenas mudanças, "a melhor coisa que [a Meta] pode fazer é calar a boca por um longo período".

O Conselho de Supervisão que Clegg defendeu pode examinar alguns casos de perfil destacado. Mas ainda não examinou como a plataforma funciona na prática, incluindo qual conteúdo se torna viral. (Pode funcionar, diz uma pessoa familiarizada com as discussões do conselho.) A Meta ainda acredita que conectar pessoas —via internet ou metaverso— será bom, quando a experiência anterior sugere que haverá problemas significativos. Se as redes sociais criam bolhas e distorções, o que acontecerá no metaverso, que pretende ser não apenas uma tela, mas uma imersão de corpo inteiro?

Alex Stamos, ex-chefe de segurança do Facebook, diz que a empresa não tem tecnologia para detectar abusos no metaverso. Sherry Turkle, professora do MIT, vê o metaverso como mais uma forma de as pessoas perderem a conexão com o meio ambiente e as comunidades. Ela pergunta: "Não é hora de parar de alardear as coisas que a tecnologia pode fazer e começar a perguntar o que seria bom para nós como seres humanos?"

Teams, a plataforma de videochamadas da Microsoft, terá elementos do metaverso em 2022; após Facebook mudar o nome para Meta, mercado se mobiliza para ações de marketing
Teams, a plataforma de videochamadas da Microsoft, terá elementos do metaverso em 2022; após Facebook mudar o nome para Meta, mercado se mobiliza para ações de marketing - Divulgação/Microsoft

Clegg diz que está "extremamente aliviado" com o fato de que não existiam as redes sociais para registrar "minhas inúmeras, muito, muito ruins contravenções na adolescência e início dos 20 anos. Não acho que teria dado um passo na vida pública se o tivesse feito". Mas ele cita o impacto positivo das redes em seus filhos, hoje com 19, 17 e 12 anos. "Particularmente durante a pandemia, vejo que meus filhos mantiveram amizades e, de forma imperfeita, sua educação, e geralmente eles estão muito envolvidos com o mundo exterior. Como qualquer coisa, você deve usar as [redes sociais] com moderação. Como qualquer coisa, tem um lado escuro."

Menciono o filho adolescente do meu amigo que acorda todas as manhãs com mil mensagens no WhatsApp. "Caramba. Uau." Clegg diz que falou com Cass Sunstein e David Halpern, proponentes da economia "nudge" [da sugestão], sobre como tornar os aplicativos menos pegajosos. "As redes sociais em geral foram pioneiras na comunicação sem atrito. Acho que é um debate legítimo, especialmente quando se está lidando com danos, sobre como você pode introduzir atrito."

No Vale do Silício, Clegg ainda é um recém-chegado. Não usa muito o Instagram ou o Feed de Notícias do Facebook, embora use o WhatsApp. Seu salário não é divulgado. Uma função menos importante em sua equipe está sendo recrutada por mais de US$ 2,5 milhões (cerca de R$ 14 milhões anuais). Sua chefe, Sandberg, ganhou US$ 24 milhões (R$ 133 milhões) no ano passado; seu equivalente mais próximo na Alphabet ganhou US$ 51 milhões (R$ 283 milhões), principalmente em prêmios de ações. "Eu sou bem pago. Geralmente não sou um cara muito extravagante. Vivemos uma vida confortável, mas não uma vida de Beverly Hills —pelo menos acho que não." Ele dirige um Volvo de segunda-mão, não um Tesla.

Ficaria mais cinco anos na Califórnia? "Não, não... sou um europeu de coração. Gosto do trabalho imensamente —não tenho absolutamente nenhum prazo de validade em relação ao trabalho", diz ele. Mas seu "coração está totalmente a 5.000 milhas de distância".

Ele insiste que o governo foi "o trabalho mais significativo que já fiz na vida, e não posso esperar que algum dia farei um trabalho tão significativo quanto esse". Na Meta, Clegg ainda recebe abusos constantes, mas "é menos injurioso" do que ser líder partidário. Seus antigos aliados o apoiam. "Ainda digo que pisaria em cacos de vidro por ele", diz um deputado britânico. "Ele é muito engraçado sobre o Facebook: diz que todo mundo odeia o Facebook, exceto os 3 bilhões de pessoas que o usam." Mas um retorno político é impensável.

Talvez seja irônico que Clegg, que ainda parece mais à vontade para se expressar em 280 páginas do que 280 personagens, tenha acabado como defensor das redes sociais. No entanto, seu liberalismo se baseia na ideia de que os indivíduos devem ser amplamente livres para tomar suas próprias decisões. Sua crença de que é melhor trabalhar internamente do que criticar externamente é o cerne de toda a sua visão.

Aqueles que se surpreenderam com suas decisões de ingressar na coalizão ou na Meta não o conhecem de verdade. Admitir a derrota na Meta seria, com efeito, admitir a derrota também na coalizão. "O problema é que as pessoas que odeiam Nick Clegg e odeiam a coalizão vão dizer isso de qualquer maneira, então o que posso dizer? Sou um ser humano moralmente fraco?" Seu avatar parece se encher de exasperação e, em seguida, acrescenta: "Simplesmente não vivo minha vida de acordo com o que as pessoas que mais discordam de mim pensam".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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