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Novo presidente da Disney irrita Hollywood e Wall Street na guerra do streaming

Com ações agressivas, Bob Chapek eleva público e resultado do canal na pandemia, mas setor já não sabe quão sustentável é modelo de negócio

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Christopher Grimes Anna Nicolaou
Financial Times

Bob Chapek está em seu próprio elemento. É uma noite fria de novembro, e o executivo-chefe da Walt Disney se acomoda para assistir aos fogos de artifício noturnos acima do Castelo da Bela Adormecida. Como ex-diretor dos parques temáticos da companhia, ele viu o show inúmeras vezes aqui na Disneyland, mas ainda não consegue resistir à vontade de tirar fotos.

Quando a fumaça se dissipa, Chapek mostra as imagens, que parecem ter captado os melhores momentos. "Depois de um tempo você aprende quando o final está chegando", diz, rindo.

Ele conhece este lugar intimamente e, apesar de anos lidando com crises e dores de cabeça que acompanham a administração de algumas das atrações mais criticadas do planeta, fica claro que Chapek ainda sente a magia da Disney. Ele solta gritos em um passeio em Cars Land, devora um enorme cachorro-quente em um espeto e recita junto com o narrador as instruções de segurança de Soarin', um passeio multissensorial que é um de seus favoritos.

"Devo ter visto isso 60 vezes", diz Chapek sobre o vídeo, "mas ainda me pega, sempre."

Bob Chapek, presidente-executivo da Disney, em Massachusetts, EUA - Katherine Taylor - 15.nov.2021/Reuters

A noite no parque parece ser uma grande diversão para Chapek, cujos primeiros 22 meses como executivo-chefe foram duros. Poucos dias depois de assumir o cargo, em 25 de fevereiro de 2020, a pandemia de Covid-19 fechou cinemas, parques temáticos, cruzeiros e produção de filmes e TV, quase levando ao colapso as receitas da Disney.

A Walt Disney Company sobreviveu à Grande Depressão, à Segunda Guerra Mundial e a crises periódicas de gestão, mas talvez não tenha havido um golpe tão repentino ou ameaçador quanto o coronavírus.

"Ele assume o cargo e, 20 minutos depois, surge a Covid", diz Alan Horn, lendário produtor de cinema que se aposentará no final deste mês, após nove anos no Walt Disney Studios, a unidade de cinema e entretenimento da empresa. "Ele teve um ano e meio difícil."

Com o público preso em casa durante os bloqueios da Covid, Chapek agiu agressivamente para promover o Disney+, a principal arma da empresa nas guerras de streaming contra Netflix, Amazon e outros estúdios da velha guarda. As assinaturas dispararam. Mas na busca pelo crescimento digital, ele irritou proprietários de cinemas, estrelas de Hollywood —principalmente Scarlett Johansson e a CAA, agência de talentos que a representa— e até mesmo alguns de seus próprios funcionários.

A experiência de Chapek na administração de parques temáticos o diferencia de seus antecessores Bob Iger e Michael Eisner, que começaram na base da televisão americana e se esforçaram para chegar ao topo. Eles se consideravam fundamentalmente pessoas criativas.

Mas Chapek assumiu o papel de presidente-executivo como um quase desconhecido em Hollywood e em Wall Street, apesar de uma carreira de quase 30 anos na Disney, que incluiu períodos de sucesso administrando a distribuição do Walt Disney Studios e como presidente da divisão de entretenimento doméstico.

Segundo sua própria descrição, ele passou sua carreira "de cabeça baixa", concentrado no trabalho que tinha em mãos. "Chapek não é uma pessoa visível", diz Rich Greenfield, analista da LightShed Partners.

Talvez seja por isso que os agentes de artistas, advogados, analistas financeiros e jornalistas que povoam o ecossistema do entretenimento americano tendem a vê-lo como um "cara de parques" —um estranho, um analista de números, um cortador de custos. Um ex-executivo de entretenimento da Disney acrescenta que a reputação de Chapek dentro da empresa é "muito operacional".

A ideia de que ele é apenas um contador de feijão irrita Chapek. "Tenho visto a criatividade nesta empresa por todas as lentes possíveis", diz ele em entrevista exclusiva. Ele compara a gestão dos parques temáticos com observar "um grupo focal todos os dias", o que lhe deu uma perspectiva única sobre "o que torna a Walt Disney Company tão diferente de qualquer outra empresa de mídia". "Isso nos liga ao nosso componente final, que é o consumidor", acrescenta.

Um presidente-executivo americano dizendo que o cliente tem sempre razão não parece polêmico, mas esse foco no consumidor está no cerne do que preocupa alguns atores, diretores e agentes em Hollywood.

Os consumidores adoram assistir filmes por streaming em casa, e Chapek quer dobrar o número de assinantes do Disney+ nos próximos dois anos. Mas o streaming não é bom para as bilheterias. E durante décadas o sucesso nas bilheterias foi uma fonte de prestígio em Hollywood e permitiu que os maiores talentos ganhassem milhões por meio do chamado "back-end", um bônus por atingir as metas de venda de ingressos.

Essa tensão se transformou em um conflito sobre as duas coisas mais importantes para as pessoas em Hollywood: a magia dos filmes e a cor do dinheiro. Essas preocupações também se espalham por outros estúdios, e difíceis negociações de contrato estão sempre em andamento, refletindo as mudanças econômicas causadas pela era do streaming.

"Estamos passando por tudo isso", explica Ari Emanuel, cujo grupo Endeavor é dono da agência de talentos William Morris. "Todos nós vamos chegar ao número certo. É um ambiente muito competitivo, o que é bom. E Bob Chapek é muito competitivo."

Durante o turbilhão, alguns se tranquilizaram ao saber que Iger, o antecessor de Chapek, de grande projeção, ainda servia como presidente e supervisionava o trabalho criativo da empresa. Durante sua gestão de 15 anos como executivo-chefe, Iger transformou a Disney por meio de uma série de aquisições que a deixaram com uma coleção das franquias mais valiosas do setor de entretenimento.

Agora com 70 anos, Iger está programado para se aposentar em 31 de dezembro e Chapek finalmente terá as chaves do Reino Mágico só para ele.

Quando isso acontecer, Chapek assumirá o controle total da empresa de entretenimento mais conhecida dos Estados Unidos durante um período de mudanças tão profundas quanto a chegada da televisão nos anos 1950.

Ele terá que convencer Wall Street de que está disposto a ir aonde for preciso para vencer as guerras do streaming e, ao mesmo tempo, cortejar as pessoas em Hollywood que não o conhecem muito bem ou não confiam nele. Além de acabar com as críticas internas. Iger levantou dúvidas sobre a estratégia de Chapek nos primeiros meses da pandemia, de acordo com pessoas que falaram com ele na época.

Nada disso é grande surpresa para Chapek em nosso percurso até a Disneyland. Seu ponto de partida é que os tempos mudaram e os estúdios também devem mudar, inclusive os da Disney. Ele tem uma visão inabalável de que seu trabalho é fornecer entretenimento da maneira que as pessoas querem, e não como os cineastas de Hollywood acreditam que deve ser.

"Amamos a exibição teatral. Amamos a televisão linear", diz ele. "Mas não é sobre o que amamos, é sobre o que o consumidor ama. Eles serão o nosso guia."

Nascido em 1960, Chapek cresceu em uma casa modesta na cidade industrial de Hammond, em Indiana, próxima do lado sul de Chicago. "As pessoas sonhavam com um emprego sindicalizado e trabalhar na siderúrgica, na refinaria de petróleo ou na fábrica de sabão", lembra. "A ambição não era mais capaz de sustentar a família."

Seus pais trabalhavam, e a renda de sua mãe ajudava a pagar alguns extras, incluindo uma viagem no Chevrolet da família até a Flórida todo mês de dezembro. A primeira parada era sempre em Orlando, cerca de 1.800 km ao sul, onde fica o Walt Disney World.

"Foi um dos dois lugares onde meu amor pela marca Disney foi semeado", diz. A trilha sonora de Mary Poppins foi a primeira. Essas viagens deixaram uma marca forte, diz Chapek. "Mas isso não quer dizer que eu tivesse qualquer ambição ou pensasse que poderia trabalhar lá, porque era algo que não estava ao alcance de um garoto da região. Não estava nas cartas."

Chapek adorava ciências e esperava estudar biologia na faculdade, ideia que sua orientadora escolar desdenhou. "Ela me disse: 'Por que você quer fazer isso? Arranje um emprego sindicalizado, escolha uma das fábricas e se aposente aos 50 anos'."

Ele não escapou completamente das fábricas. Chapek passou três verões trabalhando para a American Maize, primeiro na fábrica de dextrina, que produzia cola para selos e envelopes. No calor do meio-oeste, a dextrina se transformava em cola em contato com o ar, grudando em seu rosto.

"Era horrível me ver quando saía da fábrica, porque tudo que se via era o branco dos meus olhos, e o restante do rosto literalmente coberto de cola", lembra Chapek. "Tinha que ir ao banheiro a cada 15 minutos para jogar água no rosto."

Ele frequentou a Universidade de Indiana em Bloomington, onde se formou em microbiologia. Foi lá que conheceu sua mulher, Cynthia Ford, com quem está casado há 41 anos. Depois de se formar, Chapek foi para a escola de administração e conseguiu trabalho na J. Walter Thompson em Chicago, na época a maior agência de publicidade dos Estados Unidos. Uma das contas em que trabalhou foi a do queijo Kraft Singles.

"Foi assim que comecei meu fascínio pelo comportamento do consumidor", afirma. "Mergulhei de cabeça no lado criativo e descobri que realmente gostava."

O trabalho de Chapek com produtos embalados acabou levando-o à Disney em 1993, a um canto nada glamouroso da empresa: vídeos domésticos. Como chefe de marketing da Buena Vista Home Entertainment, seu trabalho era convencer os fãs a colecionar filmes da Disney em fita ou disco, em vez de alugá-los na Blockbuster.

Chapek vendia os filmes da mesma forma que vendeu queijo processado, trabalhando com empresas como Walmart e Target para oferecer cópias de "Nós Somos os Campeões" ou "20 Mil Léguas Submarinas".

Depois de ser promovido a presidente da divisão de entretenimento doméstico em 2000, Chapek defendeu a estratégia de "cofre", que significava lançar um clássico animado da Disney em vídeo e depois retirá-lo do mercado —ou colocá-lo "de volta no cofre"— durante muitos anos. Isso criava uma sensação de escassez e estimulava a demanda.

Chapek também desenvolveu o negócio "direto para vídeo" com títulos como "O Rei Leão 3". Foi um grande sucesso, apesar de os produtores de cinema considerarem os filmes de segunda categoria.

Entre os investidores, o público e alguns em Hollywood, a reação geral à nomeação de Chapek como presidente-executivo no ano passado foi: Quem é Bob Chapek? Uma agenda lotada nas semanas seguintes deveria consertar isso, começando com reuniões com analistas de Wall Street em Nova York. A seguir foi uma viagem para Raleigh, na Carolina do Norte, para dirigir sua primeira assembleia anual de acionistas da Disney.

Os primeiros sinais de que o mandato de Chapek poderia ter um início difícil surgiram nos céus da Carolina do Norte em 10 de março. Quando o jato corporativo estava prestes a pousar, o piloto anunciou que o governador tinha fechado o estado devido ao aumento de casos de Covid-19.

"Fechou o estado?", Chapek se lembra de ter perguntado a si mesmo. "Ainda não sabíamos com o que estávamos lidando."

As habituais sessões de pré-lançamento e outros entretenimentos foram rapidamente retirados do programa, negócios oficiais desmarcados e a reunião cancelada. No dia seguinte, a equipe voou para Orlando, o que tinha sido planejado como um retorno triunfal de Chapek, com Iger apresentando-o como presidente-executivo para seus ex-colegas "membros do elenco" do Walt Disney World. Mas não era hora para diversão. "Fizemos a reunião e saímos", conta. "E no dia seguinte fechamos a empresa."

Foi uma grande empreitada. A Disney fechou três parques: Disneyland Paris, Disney World na Flórida e Disneyland na Califórnia (os parques em Xangai, Hong Kong e Tóquio já estavam fechados).

Os quatro navios de cruzeiro da Disney foram atracados. A produção de novos filmes e programas de televisão foi interrompida, deixando as redes de TV ABC e ESPN como as únicas unidades de negócios importantes ainda operando na América do Norte.

Em seguida, Chapek voltou sua atenção para garantir a sobrevivência do Reino Mágico, que de repente tinha receitas muito pequenas.

Apenas um ano antes, a Disney tinha fechado a aquisição por US$ 71 bilhões (R$ 394 bilhões) da 21st Century Fox, o enorme tesouro de ativos de filmes e TV de Rupert Murdoch que inclui tudo, de "Os Simpsons" a "Aliens" e "Duro de Matar". A empresa financiou o negócio com ações e dinheiro, ao mesmo tempo que assumiu dívidas de US$ 14 bilhões (R$ 77,7 bilhões) da Fox.

Agora precisava arrecadar bilhões a mais apenas para cobrir a folha de pagamento. Em 20 de março, as ações da Disney tinham caído 39% em relação ao mês anterior.

A Disney levantou mais de US$ 20 bilhões (R$ 111 bilhões) por meio de ofertas de dívidas para resistir à tempestade, enquanto dispensava 100 mil trabalhadores. "Todo mundo tem um plano de cem dias" quando começa como presidente-executivo, diz Chapek. "Mas meu plano de cem dias descarrilou basicamente no décimo dia."

Tanto Iger quanto Chapek viam o streaming como uma oportunidade que definiria uma era. Executivos dizem que esta é a maior explosão de inovação desde a corrida do ouro dos estúdios nos anos 1930. Mas perceber a oportunidade exige que os grupos de mídia antigos desmontem os modelos de negócios com os quais contavam para ter lucros e, ao mesmo tempo, produzam mais conteúdo que nunca.

O início do Disney+ foi uma espécie de acaso.

Em 2016, depois de perceber que a Disney estava vendendo grande parte de sua programação para provedores de streaming, Iger pediu a um de seus principais assessores, Kevin Mayer, para descobrir se intermediar um grande negócio global com a Netflix ou a Amazon geraria mais receita de licenciamento do que leilões individuais, segundo pessoas familiarizadas com as discussões. Mayer voltou com uma mensagem para Iger:

"Sim, podemos ganhar mais fechando um acordo global com a Amazon". Mas, tendo visto como os serviços de streaming estavam crescendo rapidamente, ele aconselhou que a Disney considerasse criar o seu próprio. Iger respondeu: "Kevin, faça isso". Em outras palavras, ordens para se envolver em uma batalha cara com as ricas empresas de tecnologia que revolucionaram Hollywood.

Três anos depois, o Disney+ estreou publicamente. Foi a jogada final de Iger antes de deixar o cargo de executivo-chefe.

Ele disse repetidamente aos investidores que o serviço era a "maior prioridade" da empresa, elaborando uma narrativa de que estava dando uma grande tacada que poderia dar prejuízo durante cinco anos, mas garantir sua sobrevivência nas próximas décadas. Ele posicionou a estratégia como revolucionária: refazer a Disney ou enfrentar a extinção.

O Disney+ foi um sucesso inegável. Ao encher o serviço com programação derivada das franquias populares da empresa —"O Mandaloriano" no cânone de "Star Wars", "WandaVision" da Marvel— e cobrando US$ 6 (R$ 33,3) por mês, Iger e Mayer criaram um produto fácil de vender para as famílias americanas. Em menos de um ano e meio, 100 milhões de americanos se inscreveram no Disney+, feito que a Netflix levou mais de uma década para conseguir.

O canto do cisne de Iger também valeria a pena para Chapek. Iger havia de tal forma convencido Wall Street sobre a promessa do streaming que o preço das ações da Disney subiu, recuperando-se das baixas pandêmicas para uma alta recorde, mesmo depois que outras fontes de receita evaporaram.
Nos dois anos após sua estreia, observou recentemente um banqueiro de mídia, o Disney+ gerou mais valor no mercado de ações do que todas as capitalizações de mercado da General Motors ou da Ford.

O aumento de novos assinantes foi ajudado pela decisão de Chapek de lançar alguns dos maiores filmes da Disney em streaming no mesmo dia em que estreavam nos cinemas. Essa estratégia, conhecida como lançamento de "dia e data", oferece um benefício óbvio para os serviços de streaming. Mas é extremamente impopular entre os chefes de estúdio e atores, fato que ficou claro após o lançamento de "Viúva Negra" em julho.

Scarlett Johansson estrela o filme como a super-heroína espiã Natasha Romanoff, membro dos Vingadores, que é o centro do chamado universo cinematográfico da Marvel. Johansson recebeu US$ 20 milhões (R$ 111 milhões) pelo papel e esperava ganhar até US$ 50 milhões (R$ 277 milhões) a mais por meio de um bônus de "back-end", uma moeda de troca usada pelos atores mais lucrativos ao negociar o cachê. Mas esse contrato foi cancelado anos antes que a Disney tivesse um serviço de streaming.

Meses antes, o chefe da WarnerMedia, Jason Kilar, sofreu uma reação adversa após anunciar que todos os filmes de 2021 da Warner seriam lançados gratuitamente em seu serviço de streaming, HBO Max.

O diretor de "Dune", Denis Villeneuve, descreveu a ação como um "sequestro", enquanto o diretor de "Tenet", Christopher Nolan, chamou a HBO Max de "o pior serviço de streaming".

A Disney adotou uma abordagem diferente, cobrando US$ 30 (R$ 166) para transmitir a "Viúva Negra" e outros filmes novos. A sobretaxa contaria para a fórmula tradicional de bilheteria para pagar bônus de back-end a Johansson e outras estrelas.

Johansson processou a Disney, acusando a empresa de violar seu contrato e aumentar o preço das ações às suas custas. Seguiu-se uma dura batalha de relações públicas, que a Disney perdeu depois de lançar um comunicado acusando a estrela de "impiedosa indiferença" pelos efeitos da pandemia.

Ao fazer isso, a saudável marca do Mickey Mouse se viu confrontada com ativistas da igualdade de gênero, sem mencionar o meio criativo de Hollywood, que vinha observando com interesse próprio dos bastidores.

Executivos de talentos e dos estúdios têm lutado por salários desde antes de Louis B. Mayer. Mas é raro um desacordo se tornar tão público. Mesmo depois que a Disney e Johansson se entenderam em setembro, os críticos de Chapek citam o episódio como um exemplo de inexperiência. Certamente ilustrou uma diferença de estilo em relação a Iger. Chapek tem "cotovelos mais afiados do que você consideraria [típico no] lado de entretenimento da Disney", disse um ex-funcionário. "Provavelmente mais sincero. Iger vai lhe dizer o que você quer ouvir, quer ele vá fazê-lo ou não. Chapek será muito mais franco."

O veredicto de Chapek é que a estratégia funcionou: "Acabou sendo ótimo para nós e nossos filmes, ótimo para os artistas de nossos filmes e bom para a Disney+."

Ainda assim, o halo em torno do negócio de streaming começou a perder um pouco do brilho desde então, até mesmo para a Netflix, a mais querida do setor. Os investidores estão começando a reavaliar o custo da corrida do streaming, à medida que os gigantes da mídia dos Estados Unidos gastam dezenas de bilhões cada um para garantir um lugar no futuro do show business.

O Disney+ chegou no mesmo período de seis meses que produtos semelhantes da AT&T e da Comcast, ambas possuindo estúdios de cinema e televisão. Embora a grande onda da mídia já esteja atingindo os consumidores, há mais a caminho: só a Disney disse que gastará US$ 33 bilhões (R$ 183,15 bilhões) em conteúdo (incluindo direitos esportivos) em 2022, enquanto a Netflix deve gastar US$ 22 bilhões (R$ 122,1 bilhões) e a WarnerMedia, US$ 18 bilhões (R$ 99,9 bilhões).

Como diz o antigo analista de mídia Michael Nathanson, o streaming "não é um negócio para os fracos de coração, os que gostam de curto prazo ou aqueles limitados por preocupações não etéreas como fluxo de caixa livre ou dívida líquida".

Poucos esperam que todos os atuais jogadores continuem de pé. "O fato é que as pessoas do mundo todo, daqui a cinco ou dez anos, não vão pagar por sete serviços de assinatura", diz John Sloss, advogado de entretenimento da Sloss Eckhouse Dasti Haynes e chefe da Cinetic Media, agência de consultoria e gestão de talentos.

"Todos estão aplicando todos os seus recursos para serem os sobreviventes. Eventualmente haverá consolidação, e alguns irão à falência."

Apesar dessas preocupações, Chapek ainda está prometendo aos investidores que o Disney+ atingirá sua meta de 260 milhões de assinantes até 2024, conforme uma nova programação começa a sair do gargalo de produção da pandemia.

Alguns que conhecem bem a empresa são céticos. "A Netflix tem um apelo mais amplo do que o Disney+. As marcas da Disney são poderosas, mas um tanto limitadas", explica um ex-executivo que trabalhou no lançamento de streaming da Disney. "Vai ser muito difícil cumprir a meta deles."

Alguns em Wall Street querem que Chapek se comprometa ainda mais com o streaming, cortando os laços da Disney com suas tradicionais empresas de TV ABC e ESPN. Chapek rebate que a ESPN pode prosperar na era do streaming e encontrará novas maneiras de crescer à medida que as apostas esportivas se tornem mais comuns nos Estados Unidos.

"Achamos que a marca Disney é ampla o suficiente para ter uma empresa ESPN sob nosso teto", diz ele.

Chapek lançou no ano passado uma grande reorganização do negócio de entretenimento da Disney, colocando o streaming no centro. Formou um novo grupo para determinar a melhor forma de distribuir seus programas de televisão e filmes, efetivamente tirando dos chefes do estúdio a autoridade para decidir se seu trabalho deveria estrear em um serviço de streaming ou numa plataforma tradicional, como TV ou cinemas.

"Se eu deixasse para os grupos criativos individuais da empresa, tudo iria para as plataformas tradicionais", diz Chapek. "Como você aumenta [o streaming] se tudo vai para as plataformas tradicionais? Eu tive que fazer essa mudança."

Então ele separou a unidade de produção da Disney de sua equipe de distribuição, que seria consolidada sob Kareem Daniel, um veterano da Disney que havia trabalhado no negócio de produtos de consumo da companhia.

O plano foi aplaudido por Wall Street, mas as opções de contratação de Chapek foram questionadas internamente. "Kareem não tinha conhecimento de streaming", observa um executivo sênior que deixou a empresa no ano passado.

Outro ex-executivo afirma que a Disney sob Chapek "se tornou um clube onde os antigos membros se reafirmaram. A única qualificação deles era que tinham de estar há 30 anos na Disney e em nenhum outro lugar".

Chapek defende a reorganização, chamando-a de "uma das melhores coisas que já fiz", e descarta as críticas de Daniel, dizendo que valoriza "mais o talento que a experiência".

Mas o próprio Iger levantou preocupações com colegas meses depois de entregar o bastão a Chapek, de acordo com três pessoas familiarizadas com as discussões. "Ele disse que a empresa estava mudando e que estava preocupado com a falta de inovação, a falta de estratégia", disse um executivo sênior que conversou com Iger na primavera de 2020. Quando questionado por que não interferiu, Iger teria respondido: "É complicado".

A Disney não quis comentar sobre a relação Iger-Chapek. Mas algumas fontes observaram que os dois se comunicam com frequência e apareceram juntos em reuniões recentes. Iger também desejou sorte a Chapek em sua nota de despedida à equipe.

Foi difícil para Iger dizer adeus. Ele adiou sua aposentadoria quatro vezes, recebendo um pacote de pagamento maior a cada prorrogação. Mesmo quando Iger anunciou que Chapek iria substituí-lo, ele estendeu seu mandato na empresa por quase dois anos, criando um cargo de supervisão da produção criativa da Disney, que não será preenchido depois que ele sair.

Na época em que Iger estava pensando em se aposentar pela primeira vez, por volta de 2011, ele decidiu fazer uma visita a Chapek, que então dirigia o negócio de produtos de consumo da Disney. Foi nesse momento que Chapek pensou que um dia teria uma chance de dirigir a empresa. "Vá ver o Bob", explica Chapek.

"Vá vê-lo. Essa foi a primeira vez que ele pulou em um carro e dirigiu 15 quilômetros até nosso campus em Glendale e veio me ver. Não foi nada do que foi dito. Foi só: esta é uma dinâmica diferente."

Iger promoveu Chapek várias vezes, e os dois parecem ter-se unido durante o planejamento e a inauguração do Shanghai Disney Resort em 2016, empreendimento extremamente complexo que envolvia lidar com os mais altos escalões do Partido Comunista Chinês. Em suas memórias, Iger relata o trabalho próximo a Chapek em Xangai, quando irromperam duas crises nos EUA: uma ameaça à segurança em Orlando e um ataque mortal de crocodilo no Disney World.

Após a reunião em Glendale, Chapek diz que houve sinais ocasionais de que poderia estar concorrendo, mas nada declarado. Ele certamente aumentou os números: Chapek mais que dobrou a receita operacional enquanto dirigia a divisão de produtos de consumo e gerou um crescimento médio de 13% nos lucros em parques e resorts.

Em 2019, havia uma lista de candidatos que incluía Chapek, Mayer, o assessor de Iger, e Peter Rice, um executivo de televisão que ingressou na empresa por meio da aquisição da Fox. Naquele outono, Iger disse ao conselho da Disney que finalmente estava pronto para partir.

"Ele é o tipo de pessoa que queria fazer o roteiro de sua própria saída e fazê-lo grandioso", diz um colega que avalia que o sucesso inicial do Disney+ proporcionou o momento perfeito. Iger também disse a amigos que queria um cargo no novo governo Biden.

O páreo se reduziu a dois candidatos —Mayer e Chapek— e o conselho, repleto de partidários de Iger, efetivamente deu a ele a palavra final. Iger e Mayer eram vistos como uma equipe, tendo feito juntos a engenharia de uma série de aquisições transformadoras.

Mayer, apelidado de Buzz Lightyear por sua energia, era considerado o melhor colocado, tendo projetado a estratégia de streaming que era, nas próprias palavras de Iger, o futuro da empresa.

Portanto, foi uma surpresa para os investidores, a imprensa e o próprio Mayer quando a Disney anunciou em fevereiro de 2020 que Bob Iger estava deixando o cargo e que Bob Chapek o substituiria. (Desde então, os dois são chamados dentro da empresa de "Bob I" e "Bob C".) Mayer não sabia o que fazer. Ele diz a amigos que não tem inimizade por Chapek e que permanece próximo de Iger; os dois conversam algumas vezes por semana.

"Bob Chapek foi a opção de Bob Iger. Ele é seu sucessor escolhido a dedo", diz Horn, o produtor e chefe de saída dos Studios. "Bob Iger trabalha com ele há décadas e acho que escolheu sabiamente. Acho que o critério mais importante na seleção de um líder da Walt Disney Company é o caráter, e acho que esse cara tem bom caráter." Horn então acrescenta: "Ele não é Bob Iger. Bob Iger é um número extremamente difícil de acompanhar".

Um ex-executivo da Disney especula que Iger escolheu Chapek porque Mayer era muito parecido com ele. "De certa forma, Iger queria alguém diferente, então nunca houve confusão entre a Era Iger e a Próxima Era."

Iger deixou uma empresa muito mais forte do que herdou, graças a uma série de aquisições: US$ 7,4 bilhões (R$ 41 bilhões) pela Pixar em 2006, US$ 4 bilhões (R$ 22,2 bilhões) cada pela Marvel Entertainment e a Lucasfilm nos próximos seis anos. Seu acordo de 2019 para comprar a Fox selou sua reputação de grande negociador.

O resultado tem sido sucessos de bilheteria como "Star Wars: O Despertar da Força" e "Vingadores: Ultimato", mas também críticas de que as franquias de super-heróis da Disney deixaram menos espaço para o cinema sério.

Iger também incutiu uma cultura de cima para baixo. Todas as principais decisões fluíram através dele. Seus principais assessores, vários dos quais seguirão Iger porta afora este ano, abordaram seu trabalho com uma prioridade singular: "Certifique-se de que nenhuma merda caia no colo de Bob", como disse um colega graduado.

A questão é se Chapek preservará essa dinâmica. "É assim que [Chapek] vai fazer também, ou haverá mais independência operacional? Inicialmente as pessoas pensaram que seria a última opção, mas ele parece ter dado continuidade ao processo da primeira", diz o mesmo colega.

Se o sucesso de Iger foi construído sobre grandes aquisições, Chapek o vê como algo baseado na convergência de entretenimento e tecnologia. Isso inclui, por meio do metaverso, um espaço de realidade virtual onde os usuários podem interagir que tem sido muito discutido desde que o Facebook anunciou que está se reorientando em torno do conceito e mudando sua marca para Meta. "O PC foi a primeira onda da revolução digital, o celular foi a segunda e o metaverso é a terceira", explica Chapek.

Para transmitir essa mensagem, Chapek reuniu cerca de 25 líderes de toda a empresa —incluindo "contadores de histórias, criadores, tecnólogos, imaginadores e comerciantes"— em 16 de novembro para discutir a possibilidade de um metaverso da Disney. "Este é um ponto de inflexão na história da narrativa da empresa", diz ele.

A reunião foi realizada em uma realidade à moda antiga, com alguns participantes conectados por chat de vídeo.

Chapek se vê como um desregulador e quer que as reuniões do metaverso criem um "tecido conectivo" entre os vários microrreinos da Disney. Ele quer que eles sejam soltos e abertos. "Dada a amplitude do metaverso, queremos que as pessoas vão à loucura e sonhem", afirma. "Estamos na fase de sonho."

Chapek nunca foi uma criatura de Hollywood, deixando as mansões de Beverly Hills, Bel Air e Brentwood para o pessoal das rodas sociais enquanto preferiu criar sua família fora de Los Angeles. Ele manteve sua reserva do meio-oeste, preservando a vida pessoal e evitando —ou pelo menos não buscando ativamente— os holofotes. Os associados dizem que ele teve pouco tempo para agradar a Hollywood.

Seu perfil discreto contrasta não só com o de Iger, mas também com o do presidente-executivo do Discovery, David Zaslav, que assumirá a WarnerMedia em meados de 2022, assim que fechar seu negócio de US$ 43 bilhões (R$ 238,65 bilhões) com a AT&T. Com suas ofertas amplas e séries originais, a HBO Max da Warner é uma séria concorrente do Disney+. Zaslav convive com Bono, Oprah Winfrey e David Geffen, e tem cortejado assiduamente talentos em Los Angeles, onde comprou a casa em Beverly Hills do consagrado produtor de Hollywood Robert Evans.

Mas quando se trata de relações com talentos, os agentes dizem que Chapek ainda é uma incógnita. "Até que ponto ele vai considerar as necessidades dos artistas?", pergunta um insider. "Acho que ele reconheceria a importância do talento para [o Disney+]. Então, até onde ele poderá considerar as prioridades dos artistas? É uma grande incógnita."

Chapek está ciente dessas preocupações. Diz que começou a fazer reuniões, participar de encontros sociais e sair para jantar duas ou três noites por semana, desde que as restrições da Covid-19 diminuíram. "Ele não era muito conhecido na indústria do cinema ou da TV, mas acho que está claramente se colocando à disposição para conversar com as pessoas", acrescenta a fonte.

Emanuel, da Endeavour, diz que a preocupação sobre o relacionamento de Chapek com Hollywood é exagerada. "Nossas interações até agora têm sido ótimas", afirma. "No minuto em que ele chegou, ele nos ligou. Tem cuidado financeiramente de nosso pessoal, tem sido generoso em seus elogios."

Chapek pode ter mais chances de construir laços com a comunidade criativa assim que Iger sair. Depois que Chapek se tornou presidente-executivo, Iger começou a aconselhá-lo sobre como administrar o lado criativo da empresa, inclusive convidando-o para sessões de "comentários ao roteiro" com diretores.

Chapek diz que está "mais do que preparado agora para assumir as rédeas no sentido criativo", graças à orientação de Iger. Mas acrescenta: "A maioria das pessoas esquece que passei quase duas décadas trabalhando no estúdio de cinema. Os atores não são estranhos para mim".

A era pós-Iger já está começando a se delinear. Vários membros importantes de sua equipe de liderança o estão seguindo, incluindo Horn, o advogado geral de longa data Alan Braverman e a formidável chefe de comunicações veterana Zenia Mucha, que será substituída pelo ex-chefe de comunicações e advocacia da BP, Geoff Morrell.

A sucessora de Iger como presidente é Susan Arnold, uma veterana de 14 anos no conselho da Disney e ex-executiva do Carlyle Group e da Procter & Gamble. Como Chapek, ela tem experiência em produtos de consumo.

Chapek diz que os executivos que estão saindo deixam uma "marca indelével" na empresa, mas suas principais prioridades —Disney+, criar o metaverso da Disney— exigem um novo enfoque. "A evolução da nossa visão vai ser habilitada e catalisada por novas ideias."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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