Oposição critica sigilo e voto irregular na votação da PEC do Calote

'A Câmara é a casa de leis e deveria dar o exemplo de cumprir as leis', diz Alessandro Molon

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Parlamentares da oposição disseram nesta terça-feira (14) que a revelação de que a aprovação em primeiro turno da PEC dos Precatórios contou com sigilo de informações e pelo menos um voto sem amparo regimental reforça a tese de que a tramitação da medida foi contaminada por manobras irregulares.

Depois de reter por mais de 30 dias informações sobre a votação pública, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), autorizou nesta segunda (13) a divulgação da lista de parlamentares que só votaram a proposta graças a uma manobra que ele patrocinou para elevar as chances de aprovação da PEC.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante entrevista após a votação da PEC dos Precatórios em primeiro turno - Zeca Ribeiro-4.nov.2021/Câmara dos Deputados

"É um fato muito grave. Pau que nasce torto continua torto. Primeiro, a resistência da Casa em fornecer os dados. Essa é uma Casa de leis e deveria dar o exemplo de cumprir as leis. E não dar mau exemplo", afirmou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).

De acordo com o parlamentar, a revelação do voto irregular de ao menos um deputado deve reforçar os argumentos dos que pedem na Justiça a anulação da aprovação da medida.

"Há uma série de questões que devem levar à anulação da votação, não só pelo mérito, mas pela tramitação também. Nas ações que já existem e, tenho convicção, em novas ações que virão."

Com receio de derrota, Lira patrocinou a edição de um Ato da Mesa da Câmara permitindo que parlamentares que estavam fora de Brasília, em missão oficial, pudessem votar de forma remota, sem registrar a presença de forma física, no plenário.

A Folha pediu os nomes dos parlamentares desde o dia da votação, 4 de novembro, o que incluiu uma solicitação via Lei de Acesso à Informação, que foi negada mais de 30 dias depois.

Ao liberar a lista após a publicação da reportagem que relatava o injustificado sigilo, a Câmara enviou o nome de oito parlamentares —quatro que votaram a favor da PEC, e quatro, contra.

Ou seja, sem esses votos a PEC teria exatamente os 308 votos mínimos para a aprovação —​ressaltando que presidentes da Casa não costumam votar e essa conta inclui o voto de Lira. O texto, prioridade do governo Jair Bolsonaro (PL), aliado de Lira, passou em primeiro turno pela Câmara com uma folga de apenas quatro votos —312.

A lista enviada, porém, contém ao menos um possível erro, além da indicação de ao menos um voto irregular.

Nela está o deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), cuja missão oficial, segundo os dados oficiais da Câmara e o próprio relatório apresentado pelo deputado, começou três dias depois, em 6 de novembro.

Zé Silva confirmou à Folha que estava em Minas Gerais, seu estado, em compromisso ao lado do governador Romeu Zema (Novo), no dia da análise da proposta.

O ato patrocinado por Lira é claro ao liberar o registro da presença em Brasília apenas ao parlamentar que estiver "no desempenho" de missão autorizada pela Câmara dos Deputados.

"Eu estava em Minas, eu viajei [para fora do país] dia 7 ou dia 8. Eu estava autorizado a fazer a missão. Não era quem tinha viajado ou não, mas quem tinha missão autorizada. Inclusive a minha agenda era pública, eu estava com o governador [Romeu Zema], em Minas Gerais [Uberaba], não fiz nada que desautorizasse qualquer coisa", disse Zé Silva.

A votação remota, nos termos definidos por Lira, é clara ao permitir que apenas deputados "no desempenho" de viagem de missão oficial pudessem votar sem registrar presença no sistema de identificação biométrica do plenário.

Outro deputado da lista divulgada pela Câmara, Paulo Bengston (PTB-PA), afirmou à Folha que estava em Brasília e votou de forma presencial a PEC, iniciando sua viagem em missão oficial somente dois dias depois.

"Votei presencial. Estava em Brasília. Sim [registrei presença]", disse Bengston, afirmando que acredita ter sido incluído na lista da Câmara por ter missão oficial já autorizada.

Marco Feliciano (PL-SP) havia dito que votou remotamente de São Paulo por estar voltando de missão oficial ao exterior. À Folha, Abílio Santana (PL-BA) disse que estava em viagem a Angola.

Todos esses quatro deputados votaram a favor da PEC. Os deputados que votaram contra foram Alceu Moreira (MDB-RS​), Carlos Veras (PT-PE), Rodrigo Agostinho (PSB-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP)

"Lira jogou o processo legislativo para o espaço. A novidade é o voto biônico: só pode votar quem está em missão internacional, mas se for votar a favor das vontades do presidente, até Minas Gerais vira território internacional", ironizou o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).

"A falta de transparência virou regra", escreveu o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) em suas redes sociais.

"Para conseguir a aprovação da PEC dos Precatórios, nosso regimento e resoluções internos foram torcidos e distorcidos com o objetivo de permitir que quem estava fora da Câmara pudesse votar. Isso não estava previsto e foi alterado de última hora. Trata-se de uma manobra absurda e totalmente antirregimental", afirmou o deputado Paulo Ganime (RJ), líder do Novo na Câmara.

"A não divulgação dos nomes dos parlamentares ausentes comprova que há algo a esconder. Afinal, se fosse uma medida legítima e correta, não haveria resistência no atendimento à Lei de Acesso à Informação."

Em resposta enviada na manhã desta terça-feira (14), a assessoria do presidente da Câmara afirmou que "os dados consolidados, que resultaram na lista divulgada, foram feitos com base nos ofícios de missão oficial assinados pelos dois deputados", se referindo a Zé Silva e Bengston. ​

A recusa do presidente da Câmara de fornecer essas informações por mais de um mês afronta a Lei de Acesso à Informação (12.527/11). Em seu artigo 32, ela classifica esse tipo de negativa como "condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público (...) recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa".

A atitude também se choca contra o princípio constitucional da transparência na administração pública.

O episódio soma-se a outro exemplo de falta de transparência na gestão Lira. O presidente da Câmara e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), resistiram a liberar os nomes dos parlamentares contemplados com as verbas de Orçamento federal distribuídas pelas chamadas emendas de relator.

Após liminar do Supremo Tribunal Federal determinando a publicidade desses atos, e em meio a idas e vindas, o Congresso prometeu tornar públicas as informações em até seis meses. Relatora do caso no STF, a ministra Rosa Weber estabeleceu prazo de 90 dias para que isso ocorra.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.