Receita tem debandada de mais de 500 chefes após aprovação de reajuste para policiais

São 324 exonerações confirmadas, diz sindicato; funcionários do Ipea e BC, além de peritos e auditores agropecuários, se queixam

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Brasília

Auditores fiscais da Receita Federal intensificaram nesta quarta-feira (22) movimento articulado de entrega de cargos de chefia após o Congresso aprovar o Orçamento de 2022 com previsão de reajuste para policiais federais.

O Sindifisco (sindicato dos auditores) estima que mais de 500 servidores já abriram mão de cargos comissionados em protesto. A Receita tem 7.950 auditores, 6.071 analistas e 2.938 funções comissionadas.

Com a debandada, eles deixam os postos, mas seguem na carreira, uma vez que são concursados.

A entidade recebeu a confirmação de que 324 auditores abriram mão de cargos comissionados. No entanto, de acordo com sindicato, o número é maior pois até a tarde desta quarta ainda não havia sido consolidado todos os arquivos que já chegavam das unidades regionais com os pedidos de exoneração.

Bolsonaro pediu reajuste para policiais federais e policiais rodoviários federais em ano que disputará a reeleição
Bolsonaro pediu reajuste para policiais federais e policiais rodoviários federais em ano que disputará a reeleição - Pedro Ladeira - 14.dez.21/Folhapress

Outras carreiras do Executivo federal começaram a se queixar do aumento previsto para policiais. Entre elas estão os funcionários do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e do BC (Banco Central), além de peritos médicos e auditores agropecuários.

Nesta terça-feira (21), o Congresso reservou R$ 1,7 bilhão para reajustar salários de policiais. Deputados e senadores atenderam a um pedido do presidente Jair Bolsonaro (PL), que pretende agradar sua base no ano em que tentará a reeleição.

Com a medida, auditores reagiram à benesse para PF, PRF (Polícia Rodoviária Federal) e Depen (Departamento Penitenciário Nacional). Os auditores demissionários atuam em pelo menos cinco regiões fiscais do país.

Essas áreas englobam São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Paraíba.

O Sindifisco afirmou que a entrega dos cargos em comissão deverá afetar mais diretamente os trabalhos nas aduanas, uma vez que liberações de produtos exigem a assinatura de superiores.

Apenas a 8ª Região, do estado de São Paulo, por exemplo, é responsável por 40% da arrecadação do país, além de concentrar os maiores aeroportos e o Porto de Santos, principal porta de entrada para produtos importados.

"A receita para [com a entrega dos cargos de chefia], ela fica acéfala, entra em espiral de caos administrativo", afirmou o presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral.

Procurada, a Receita não quis comentar as saídas nas unidades nem o impacto do movimento na atuação do órgão. O Ministério da Economia, por sua vez, disse que não iria se manifestar.

Funcionários da Receita afirmaram que o governo Bolsonaro conseguiu um grande feito, ao unir contra si adversários históricos dentro do órgão —os auditores fiscais e os analistas tributários.

Ambas as carreiras também reivindicam ganhos financeiros. As duas categorias divulgaram uma nota na noite de terça, na qual disseram que havia um acordo de 2016 que previa a instituição de bônus por desempenho e produtividade. No entanto, esse benefício, afirmaram, está congelado desde então.

"Chegamos à votação da lei orçamentária de 2022 humilhados pelo descaso, aviltados ao constatar que até recursos ordinários da Receita Federal, necessários à continuidade das atividades da máquina arrecadadora, são carreados para o reajuste de categorias de outros órgãos, a despeito de haver, dentro do Ministério da Economia, um acordo pregresso a ser honrado", afirmou a nota conjunta do Sindifisco e do Sindireceita (sindicato dos analistas tributários).

Além do montante para os policiais, a peça orçamentária destinou R$ 4,9 bilhões para o chamado fundão, após grande articulação de partidos da oposição e da base de Bolsonaro, como o próprio partido do mandatário, o PL, para inflar as campanhas eleitorais em 2022.

A reserva do dinheiro para os agentes de segurança foi feita ainda após pressão do Palácio do Planalto e contrariando a orientação da equipe econômica.

Agora o imbróglio que se espalha pelo Executivo federal se dá enquanto o ministro Paulo Guedes (Economia) está em férias.

Nesta quarta, a associação dos funcionários do Ipea também divulgou uma nota se queixando da falta de reajuste salarial, mesmo após enviarem ofícios à Economia com pedido de reposição de perda inflacionária. O documento foi publicado após reunião com o presidente do órgão, Carlos Von Doellinger.

"Diante dos encaminhamentos da reunião e sem mesa de negociação para a questão salarial, a postura do governo tem mostrado que será necessário um engajamento mais amplo do conjunto de servidores civis federais para reverter esse quadro", disse a entidade, na nota.

A ANMP (Associação Nacional de Médicos Peritos) chamou de humilhação e "uma das maiores atrocidades" do governo federal contra a carreira a ausência de recomposição salarial em 2022, diante do aumento da inflação. Não há ameaça de paralisação, porém, em nota, faltam em "medidas mais gravosas".

A categoria reclamou ainda do que chama de sucateamento, visto que há uma década não há concurso para a carreira. Lembrou ainda da atuação que tiveram durante a pandemia, mesmo quando nem sequer havia vacina.

"A ANMP e os peritos médicos federais não aceitarão tamanha truculência e estão dispostos a adotar todas as medidas necessárias, inclusive as mais gravosas, para se fazerem respeitados e valorizados", disse a entidade, em nota.

Já nesta terça, a insatisfação com o aumento dos policiais havia alcançado servidores do BC. Fábio Faiad, presidente do Sinal (Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central), disse que a medida traria uma assimetria injusta porque os salários iniciais de policial federal seriam maiores que os valores de final de carreira dos servidores do BC.

Ainda que o Ministério da Economia relutasse em conceder o reajuste aos policiais, o governo trabalhava havia meses com essa possibilidade, como mostrou a Folha em novembro.

Inicialmente, foi considerado um aumento salarial para todos os servidores, mas o entendimento é que séria inócuo, diante do pouco orçamento disponível.

Privilegiar as carreiras policiais, que fazem parte da base eleitoral, foi escolha de Bolsonaro, mesmo sabendo que isso poderia trazer repercussões negativas em outras categorias, como ocorre agora.

O cálculo político do Planalto é que o presidente precisava fazer gesto às categorias ao entrar no ano eleitoral. As carreiras estavam descontentes com o governo, por acreditarem que os militares foram mais privilegiados.

Ainda que fosse um pedido seu, Bolsonaro pediu que Guedes atendesse ao reajuste.

A votação do Orçamento com a previsão de reajuste para policiais só destravou no Congresso, após o ministro Anderson Torres (Justiça) acionar Bolsonaro. De recesso no Guarujá (SP), o presidente ligou para o relator Hugo Leal (PSD-RJ) e pediu que incluísse o aumento para as carreiras de segurança no Orçamento.

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