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Zebras não querem ser unicórnios; entenda as startups que preferem crescer devagar

Animal da vida real simboliza empreendimentos participativos e sustentáveis, diz Mara Zepeda, cofundadora de cooperativa do gênero

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São Paulo

"Zebras consertam o que os unicórnios quebram", escreveram quatro empreendedoras em um ​blog, em março de 2017. O novo animal do universo de startups nomeia empresas que não buscam o monopólio ou o investimento de risco, mas crescimento sustentável, lucro compartilhado com funcionários e diversidade.

O animal também batizou a cooperativa fundada pelas autoras: a Zebras Unite. "Zebras, ao contrário de unicórnios, são reais", explica Mara Zepeda, entrevistada pela Folha, referindo-se ao apelido de empresas que ultrapassam o valor de US$ 1 bilhão. Quando estão em perigo, elas se unem e suas listras confundem o predador. "O que faz as zebras fortes é o fato de estarem juntas."

Para participar da cooperativa, empresas, organizações ou entusiastas devem comprar uma parte dela e contribuir anualmente. Os membros acessam, então, eventos fechados, descontos em produtos, eventuais dividendos e "o capital certo para o seu negócio".

Mara Zepeda, uma das fundadoras da cooperativa Zebras Unite - Divulgação

Para Zepeda, os atuais escândalos das big techs, como o protagonizado pelo Facebook nas eleições de 2016 dos EUA, estão "absolutamente" relacionados ao modelo de investimento das companhias. "Há empresas de tecnologia de grande porte que foram financiadas com capital de risco e orientadas a modelos de negócios que fundamentalmente afetam a democracia", critica.

O que o Zebras Unite faz e defende? Somos uma cooperativa fundada nos Estados Unidos que atualmente tem mais de 20 seções internacionais. Nós estamos criando a cultura e o capital para a nova economia apoiando fundadores com um perfil diferente e que estejam construindo negócios bons para o mundo.

E qual é a nova economia? A nova economia pode ser definida de muitas formas. Eu diria que alguns princípios giram em torno da economia solidária.

Ela prioriza empreendimentos participativos e democráticos em seus processos de tomada de decisão. Trata-se de reimaginar a estrutura corporativa para que ela possa servir ao ganho social ao invés de puramente aos lucros financeiros, enriquecendo um grupo pequeno de investidores e acionistas.

Vocês falam muito sobre diversidade e questionam o modelo de investimento de risco. Essas duas questões estão relacionadas? O movimento começou com um artigo que escrevemos em um blog, chamado "Zebras consertam o que os unicórnios quebram". Esse texto foi em resposta a uma tendência que estávamos observando: apenas alguns tipos de companhias estavam sendo remuneradas e reconhecidas. Do Vale do Silício, focadas em crescimentos exponenciais e competições por monopólio.

Nós víamos companhias muito diferentes nascendo. Elas priorizavam o crescimento sustentável, a cooperação e a governança participativa. Muitas dessas companhias são fundadas por mulheres, sub-representadas entre os presidentes-executivos, ou por pessoas que simplesmente não se sentem motivadas a criar um unicórnio.

E por que zebras? Zebras, ao contrário de unicórnios, são reais. Elas são pretas e brancas —para o lucro e para o propósito— e têm uma vantagem competitiva quando estão tentando escapar de predadores como leões. Elas se juntam em um rebanho e esse rebanho tem tantas listras diferentes, que acaba confundindo o predador, ele não sabe onde atacar. O que faz as zebras fortes é o fato de estarem juntas.

Zebras, ao contrário de unicórnios, são reais, diz Mara Zepeda - Divulgação

As empresas não vão desacelerar juntas. Alguém que decida não aceitar o modelo que a senhora critica pode ser derrotado por uma empresa mais agressiva. Como a sua ideia pode funcionar? Bom, nós não estamos interessados em jogar esse jogo. Se você tem uma companhia que busca construir um modelo em que "o vencedor leva tudo", então está interessado em um unicórnio que domina o mercado por meio do monopólio.

Os fundadores que nós apoiamos reconhecem que são mais fortes juntos. Criamos as condições para mais pessoas prosperarem. Ao invés do unicórnio do Vale do Silício, que concentra poder de decisão e propriedade na mão de poucos, criamos corporações mais fortes e resilientes na forma de uma cooperativa, distribuindo direitos de propriedade e governança para as pessoas que criam valor naquela empresa. Os funcionários, por exemplo. No caso das plataformas, poderia ser os usuários.

A senhora acredita que esse modelo é antiético em algum nível? Eu acho que ética é algo muito pessoal. Eu diria que a minha ética não está interessada em concentração de renda, então o capital de risco não está alinhado a mim. Ele também não está de acordo com a economia solidária, que valoriza igualdade, sustentabilidade ambiental e cooperação. Esse tipo de crescimento tem um impacto enorme no meio ambiente, e a desigualdade econômica tem um impacto enorme na nossa sociedade.

Mas certamente há muitas pessoas que veem o investimento de risco como uma ferramenta para gerar riqueza a pessoas que foram excluídas do setor financeiro. A crença é que essa prosperidade vai respingar nas comunidades locais, em outros fundadores.

A senhora pode falar sobre as consequências desse modelo para a economia? Nós estamos vendo as consequências com o Facebook. Há empresas de tecnologia de grande porte que foram financiadas com capital de risco e orientadas a modelos de negócios que fundamentalmente afetam a democracia.

Dizemos que o modelo de negócios é a mensagem. Se o seu modelo de negócio é publicidade e extração de dados, e você levantou capital naquela trajetória de crescimento, então é um trem em alta velocidade. As consequências só vão aumentar. E isso obviamente leva a uma enorme desigualdade de riqueza, à destruição de democracias, a um estado de vigilância de dados, ao vício, a incríveis desafios de saúde mental e ao esgotamento da rede de seguridade social —porque essas empresas não estão sendo tributadas. As ramificações são tão difusas que, ao olhar para esses modelos em escala, começamos a ver as enormes consequências sociais de priorizar esse tipo de empresa e investimento.

Os escândalos que vemos hoje em empresas de tecnologia estão relacionados ao seu modelo de investimento? Absolutamente. Esse tipo de investimento gerou essas empresas. E agora há tão pouca supervisão, transparência e responsabilidade, que é obviamente um enorme problema.

Estamos falando sobre aceleração da empresa, mas a saúde mental desses empreendedores muitas vezes também é afetada. A que atribui isso? Acho que posso falar apenas da minha experiência. Eu levantei US$ 1 milhão de capital de risco e o estresse é enorme para corresponder à expectativa e entregar o retorno daquele dinheiro. Se você recebeu US$ 1 milhão, os investidores buscam US$ 10 milhões de volta. Esse tipo de pressão é realmente debilitante e especialmente difícil para fundadores sub-representados.

Raio-x

Mara Zepeda, 41
Cofundadora e diretora da cooperativa Zebras Unite, é presidente-executiva da Switchboard, uma plataforma para escolas e universidades conectarem seus alunos

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