Ausência de sistema na Previdência gera gasto indevido de R$ 5 bi no auxílio emergencial, diz TCU

Cadastro com dados de União, Estados e municípios, exigido na reforma da Previdência, não saiu do papel

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Brasília

Ao menos R$ 4,9 bilhões em parcelas do auxílio emergencial pagas indevidamente em 2020 poderiam ter sido evitadas, caso o governo Jair Bolsonaro (PL) tivesse implementado um sistema com dados de aposentadorias, pensões e remunerações concedidas por União, estados e municípios.

A criação da base integrada é uma exigência da emenda constitucional 103, que trata da reforma da Previdência, promulgada em novembro de 2019. Até hoje, a plataforma não saiu do papel.

O prejuízo foi apontado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em julgamento de dezembro de 2021 e, na prática, pode ser ainda maior.

Fila de beneficiários do Auxílio Emergencial em agencia da Caixa na zona leste de São Paulo - Rivaldo Gomes-16.abr.2021/Folhapress

O pente-fino mirou apenas R$ 9,8 bilhões em pagamentos indevidos efetivamente identificados e cancelados pelo Ministério da Cidadania.

No entanto, a corte estima que o governo gastou R$ 21,5 bilhões a mais do que seria necessário, considerando as regras de elegibilidade ao programa, entre elas não ser beneficiário da Previdência nem servidor público.

Além disso, os auditores chegaram ao número observando o motivo das suspensões analisadas: se o beneficiário era aposentado do INSS, ou servidor público, entre outros impedimentos que seriam identificáveis no sistema integrado.

Nem todos os cancelamentos traziam esse nível de detalhe e, por isso, não foram contabilizados pelo TCU como evitáveis. O gasto total com o auxílio foi de R$ 295,1 bilhões em 2020.

A reforma da Previdência estabeleceu que a União deveria criar um sistema integrado de dados contendo informações de remunerações de servidores civis e militares, aposentadorias e pensões de todos os regimes previdenciários, além de benefícios assistenciais como o BPC (Benefício de Prestação Continuada).

O texto dizia ainda que todos os Poderes de União, estados e municípios deveriam fornecer as informações necessárias para a estruturação do sistema.

A partir dessa plataforma, seria mais fácil cruzar dados e descobrir, por exemplo, se um candidato a receber assistência do governo federal era servidor em algum estado ou município, entre outras possibilidades. Hoje, esse trabalho é feito de maneira pontual.

Desde a criação do auxílio emergencial, órgãos de controle se dividiram em diversas frentes para ajudar o governo a identificar pagamentos indevidos. Foram notórios casos de servidores públicos e militares das Forças Armadas recebendo a ajuda que deveria ser paga a vulneráveis.

No âmbito da apuração do TCU, o governo federal alegou que ainda precisa regulamentar a criação do sistema, que permitirá o cruzamento instantâneo das bases de dados do INSS, da administração federal, entre outras. Mas a corte de contas afirmou, na instrução do processo, que já existem normas legais que possibilitam a implementação do sistema.

"Registra-se também que outras políticas públicas são impactadas pela falta de integração de dados prevista no normativo constitucional, não se restringindo ao auxílio emergencial", disse em seu voto o relator do processo, ministro Bruno Dantas.

No julgamento, a corte emitiu determinação para que o Ministério do Trabalho e Previdência apresente, em até 60 dias, um plano de ação para a instituição do sistema integrado de dados. A pasta também terá dois anos para colocar a plataforma em funcionamento.

O descumprimento de uma determinação pode gerar multas ou outras penalidades, como afastamento do gestor.

Procurado pela Folha, o Ministério do Trabalho e Previdência disse que trabalha para lançar o sistema integrado "o mais rápido possível", mas não estipulou nenhum prazo.

Segundo a pasta, há uma série de etapas a serem cumpridas para tirar a medida do papel. Elas incluem a garantia de que os dados de todos os órgãos envolvidos se comuniquem entre si e a definição de onde, quando e como as informações serão guardadas.

Também é preciso estipular quem será o responsável pela gestão dos dados e como eles poderão ser consultados. Só então o governo estará apto a desenvolver o sistema propriamente dito.

O ministério disse que as etapas relativas à guarda da informação já foram executadas e envolvem a própria pasta e o INSS. A base que receberá os dados será o Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais).

"O ministério prepara para os próximos meses a definição sobre a gestão e de demais pontos necessários de regulamentação", disse, sem especificar um cronograma.

"Como existem diversas informações em formatos diferentes, ter o regramento legal não é suficiente para colocar o sistema em funcionamento. É necessário desenvolver uma base de informação e evoluí-la ao longo das integrações que estão sendo realizadas", afirmou a pasta.

Em um segundo momento, o governo estima que os ministérios da Cidadania e da Mulher, Família e Direitos Humanos também venham a alimentar o sistema. No entanto, o ministério não citou quando os demais órgãos se integrarão à base de dados.

A procuradora regional da República Zélia Pierdoná, que coordena o GTI (grupo de trabalho interinstitucional) da Previdência e Assistência Social vinculado ao MPF (Ministério Público Federal), afirma que o sistema integrado representará um grande avanço em termos de controle.

Ela avalia, porém, que sua implementação ainda esbarra nas corporações. "Envolve muita resistência. Não só de diferentes poderes dentro da administração federal, estadual e municipal, mas entre os próprios entes federativos", afirma Pierdoná.

A procuradora lembra que os militares já resistiram a abrir dados em outras ocasiões —o TCU precisou entrar em campo para as Forças Armadas abrirem a caixa-preta das remunerações de inativos. Mas ela avalia que a divulgação de militares recebendo o auxílio emergencial pode acabar sendo um argumento a favor da iniciativa de compartilhamento.

"Essas resistências vão ter que ser quebradas. É uma determinação para a União fazer isso", diz.

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