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Bolsonaro ignora cálculo político básico em novela de reajuste de servidor

Ameaça de paralisação no funcionalismo reflete limitações do governo e custo de aposta em base fiel

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Brasília

Jair Bolsonaro se notabilizou por ignorar cálculos políticos básicos na hora de tomar decisões. Ao se opor à vacinação ou organizar investidas contra as instituições, o presidente se agarrou a princípios de fidelidade e instintos de sobrevivência, desprezando os prejuízos que poderia colher com o fracasso dessas manobras.

A mesma lógica desenha o enrosco em que Bolsonaro se meteu ao prometer um reajuste salarial apenas para policiais em 2022. Com pouco dinheiro em caixa, o presidente resolveu fazer um agrado a um pilar importante (ainda que limitado) de sua base política, ao custo de uma insatisfação que se espalha por fatias maiores do funcionalismo federal.

Diversas categorias de servidores aproveitaram o movimento atrapalhado do governo para manifestar desconforto e cobrar aumentos semelhantes. Com previsão de paralisação nesta terça-feira (18), esses grupos pretendem emparedar Bolsonaro e ameaçam produzir embaraços em serviços de grande visibilidade, como as atividades da Receita em portos e aeroportos.

O presidente Jair Bolsonaro em lançamento programa Rodovida 2022, da Polícia Rodoviária Federal, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

É cedo para medir os possíveis danos que a mobilização pode causar ao governo —o que dependerá da adesão dos funcionários e das dores de cabeça que a interrupção pode causar à população. Os atos, no entanto, já mostram que os impulsos políticos de Bolsonaro criam mais dificuldades do que benefícios diretos no ano eleitoral.

O presidente opera com uma balança desregulada nesta reta final de mandato. Com um portfólio tímido de realizações e um Orçamento limitado, Bolsonaro prefere investir seus poucos recursos financeiros e políticos na fidelização de uma fatia de sua base. O objetivo é preservar alguma chance na campanha deste ano, mesmo que esses movimentos sejam insuficientes para construir uma maioria a prazo curto.

Há um denso simbolismo na promessa feita aos policiais. Ao priorizar essas categorias, Bolsonaro pretende repisar a ideia de que valoriza a lei e a ordem –uma imagem que explorou na campanha de 2018. Além disso, tenta amenizar o peso de seus evidentes esforços para fragilizar o trabalho da Polícia Federal.

Outras possíveis motivações são mais nebulosas, embora verossímeis. Se Bolsonaro levar adiante as insinuações de que vai contestar o resultado da eleição em caso de derrota, a boa vontade das forças de segurança será determinante.

A generosidade do governo federal também pode provocar uma pressão de polícias militares sobre governadores, a favor de reajustes semelhantes. Um cenário assim tem potencial de criar atritos nos estados, o que reforçaria os laços desses agentes com o bolsonarismo.

A opção política do presidente foi clara. Há apenas dois meses, Bolsonaro disse que daria um reajuste salarial em 2022 para "todos os servidores federais, sem exceção". Em dezembro, as coisas mudaram de figura. Com o Orçamento apertado, o governo percebeu que só poderia dar um aumento residual para todo o funcionalismo ou um percentual mais expressivo para uma fatia específica.

A escolha partiu do presidente, mas houve uma operação completa para viabilizar o negócio. O ministro Paulo Guedes (Economia) avalizou a reserva de R$ 1,7 bilhão para o aumento das categorias apontadas por Bolsonaro, e a base governista no Congresso aprovou a proposta.

Agora, Bolsonaro pode ceder à pressão e estender o benefício a outras categorias, mas faltaria dinheiro para isso. Também pode seguir adiante com o aumento aos policiais, contratando a oposição dos demais servidores. O botão vermelho seria o cancelamento do reajuste, mas nem assim o presidente se livraria do mal-estar que ele mesmo criou. Será difícil sair ileso desse episódio.

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