Campos Neto diz em carta a Guedes que inflação de 2 dígitos é culpa de fenômeno global

Presidente do BC cita ainda pressão cambial, risco fiscal e crise hídrica para justificar estouro do teto da meta

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Brasília

Em carta aberta divulgada nesta terça-feira (11), o presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, atribuiu o estouro da meta de inflação em 2021, que acumulou alta de 10,06%, aos sucessivos choques de custos e enfatizou que trata-se de movimento observado também em outros países.

"De fato, a aceleração significativa da inflação em 2021 para níveis superiores às metas foi um fenômeno global, atingindo a maioria dos países avançados e emergentes", disse o texto, endereçado ao ministro da Economia, Paulo Guedes.

Na decomposição do índice de 2021, segundo o BC, a chamada "inflação importada" foi a que mais contribuiu para que o indicador ficasse fora da meta, com peso de 4,38 pontos percentuais. Depois, veio a inércia do ano anterior (1,21 ponto) e 1,02 de demais fatores.

A bandeira de escassez hídrica, que encareceu a conta de luz do brasileiro, representou 0,67 ponto.

"O principal fator para o desvio de 6,31 p.p. da inflação em relação à meta adveio da inflação importada, com contribuição de 4,38 p.p., cerca de 69% do desvio. Abrindo esse termo, destacam-se as contribuições de 2,95 p.p. do preço do petróleo, 0,71 p.p. das commodities em geral e 0,44 p.p. da taxa de câmbio", destacou a carta.

Por outro lado, o hiato do produto (quando a economia gira abaixo do seu potencial) segurou a inflação, com contribuição negativa de 1,21 ponto.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, em cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Adriano Machado - 9.dez.2021/Reuters

A inflação do período, que foi divulgada nesta manhã pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), fechou em dois dígitos e ficou bem acima da meta definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), de 3,75%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. O indicador poderia chegar até o máximo de 5,25%.

A alta é a maior para o período de janeiro a dezembro desde 2015, quando os preços aceleraram 10,67%. À época, a economia nacional atravessava período de recessão no governo Dilma Rousseff (PT).

Sempre que a inflação termina o ano fora do intervalo determinado, o presidente do BC precisa justificar os motivos em carta aberta e detalhar como o problema deve ser resolvido. Esta é a sexta desde a criação do sistema de metas para a inflação, em 1999.

Segundo o documento, a disparada do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), inflação oficial do país, foi impulsionada por diversos choques, como elevação do preço das commodities junto com depreciação do real, bandeira de escassez hídrica na energia elétrica e desequilíbrio entre demanda e oferta de insumos, além de gargalos nas cadeias produtivas globais gerados pela pandemia de Covid-19.

"As pressões sobre os preços de commodities e nas cadeias produtivas globais refletem as mudanças no padrão de consumo causadas pela pandemia, com parcela proporcionalmente maior da demanda direcionada para bens e impulsionada por políticas expansionistas [juros mais baixos]", afirmou o BC.

"Esses desenvolvimentos, que ocorreram em nível global, geraram excesso de demanda em relação à oferta de curto prazo de diversos bens, causando um desequilíbrio que, em diversos países e setores, foi exacerbado por falta de mão de obra, problemas logísticos e gargalos de produção", continuou.

Segundo o BC, o câmbio teve menor contribuição na inflação de 2021 em relação ao ano anterior, mas o dólar atingiu, em dezembro do ano passado, uma média 9,83% maior que a observado no mesmo período de 2020.

Campos Neto atribuiu a depreciação da moeda brasileira ao aumento do risco fiscal, quando os agentes econômicos entendem que pode haver desajuste nas contas públicas.

"A tendência de depreciação [cambial] na segunda metade de 2021 refletiu principalmente questionamentos em relação ao futuro do arcabouço fiscal vigente e o aumento dos prêmios de risco associados aos ativos brasileiros, diante da maior incerteza em torno da trajetória futura do endividamento soberano", explicou.

O presidente do BC enfatizou ainda que historicamente o Brasil se beneficia em ciclos de alta de commodities porque é exportador dos insumos, então a moeda local é valorizada nesses períodos.

Desta vez, contudo, os preços desses produtos subiram ao mesmo tempo em que o real se depreciou, o que puxou ainda mais os valores para cima dentro do país.

"Embora a contribuição da taxa de câmbio para a inflação tenha sido menor que em 2020, cabe destacar a quebra no padrão histórico de apreciação da moeda nacional durante ciclos de elevação nos preços das commodities, como o ocorrido nos últimos dezoito meses. Como resultado, o crescimento do IC-Br [índice de commodities] e do preço do petróleo medidos em moeda local foi amplificado, atingindo 50,3% e 82,9% no ano, respectivamente, na comparação da média do último trimestre de 2021 com o mesmo período de 2020, ambas as maiores variações desde o início de suas séries históricas", salientou o texto.

O titular da autoridade monetária ressaltou ainda que os serviços foram afetados pela pandemia e pelo distanciamento social, o que segurou a inflação do setor em 2020. Depois da reabertura da economia, entretanto, a demanda cresceu e os preços subiram.

"O expressivo aumento do distanciamento social com a eclosão da pandemia significou redução acentuada da demanda por serviços em 2020, levando a cinco deflações mensais em período de seis meses (entre março e agosto de 2020) e ao mínimo histórico de variação de 0,95% no acumulado em doze meses em agosto de 2020, fechando o ano em 1,73%", disse a carta.

"Entretanto, à medida que o distanciamento social se reduziu, impulsionado pelo significativo progresso na vacinação contra a Covid-19, a reativação do setor de serviços levou a um realinhamento dos preços, implicando aceleração da inflação de serviços para 4,75% em 2021. Em outras palavras, uma parcela da inflação de serviços em 2021 está relacionada à normalização, em nível, de preços que estavam deprimidos em decorrência dos impactos específicos da crise sanitária", justificou.

O BC disse ainda que com a "extensão de alguns programas fiscais de auxílio implantados em 2020, a demanda –principalmente por bens– seguiu sustentada durante 2021, reforçando as pressões de preços em segmentos com limitações de oferta ou gargalos logísticos".

No documento, Campos Neto reiterou que, para levar a inflação de volta à meta no horizonte relevante (2022 e 2023), para quando a autarquia entende que a política monetária faz efeito, o BC tem calibrado a taxa básica de juros (Selic) "e continuará a fazê-lo".

A carta anterior foi escrita pelo antecessor de Campos Neto, Ilan Goldfajn, em janeiro de 2018. O texto era relativo à inflação de 2017, mas, na ocasião, o então presidente do BC se justificava por resultado ligeiramente inferior ao mínimo estabelecido.

As outras foram escritas em 2015, 2003, 2002 e 2001, todas em razão de ter excedido o limite superior da meta de inflação. Desde a implementação do regime, todos os presidentes do BC já tiveram que justificar o descumprimento da meta.

No mês passado, o Copom (Comitê de Política Monetária) do BC elevou a taxa básica novamente em 1,5 ponto percentual, a 9,25% ao ano. No comunicado, o BC indicou nova alta de mesma magnitude para próxima reunião, em fevereiro, para 10,75% ao ano.

Em 2020, o BC levou a taxa básica de juros ao menor nível da história, a 2% ao ano em agosto, e manteve o patamar até março de 2021. O nível "extraordinariamente estimulativo", como classificou o Copom na época, veio acompanhado da comunicação do BC de que a inflação era temporária, o que levou as expectativas a subirem ao longo do ano passado.

Campos Neto alegou que a eclosão da pandemia e "seus fortes efeitos desinflacionários" levaram o BC a reduzir a taxa Selic para o mínimo histórico.

"Em paralelo, foram tomadas diversas medidas envolvendo liquidez, capital e crédito para se contraporem aos efeitos da pandemia. O Copom ressaltou que, naquele momento, a conjuntura econômica prescrevia estímulo monetário extraordinariamente elevado, justificado tanto pelas projeções do Copom como pelas expectativas de mercado", argumentou.

O nível de estímulo, segundo o BC, foi além da redução da taxa Selic para 2% ao ano. "Adotou-se também o forward guidance [compromisso de não subir juros] a partir de agosto de 2020, com sinalização de que a política monetária seria extraordinariamente estimulativa enquanto as projeções do BC e expectativas de inflação seguissem significativamente abaixo da meta", disse a carta.

O documento destacou que as surpresas inflacionárias surgiram já no fim de 2020.

"Entre as surpresas está a elevação da bandeira tarifária de energia elétrica de verde em novembro para vermelha patamar 2 em dezembro, patamar incomum nos finais de ano, com impacto em torno de 0,42 p.p. na inflação de 2020", frisou.

"Vale notar que o cenário econômico de recuperação posterior à pandemia de Covid-19 tem sido marcado por incerteza e volatilidade acima das usuais, o que tem se refletido nas surpresas inflacionárias de todo o mundo", alegou o BC.

A autoridade monetária reiterou que o Copom adotou postura contracionista, que resultou no aumento de juros reais (descontando a inflação) de -1,3% ao no último trimestre de 2020 para 4,4% ao ano no último trimestre de 2021.

"Nessa trajetória, a taxa real aumenta para 6,3% e 6,4% nos primeiro e segundo trimestres de 2022, respectivamente. O aumento da taxa real neste ciclo é o maior ocorrido durante o regime de metas para a inflação", afirmou.

Mais uma vez, o BC vinculou o aumento das expectativas de inflação ao risco fiscal.

"Questionamentos em relação ao futuro do arcabouço fiscal resultam em aumento dos prêmios de risco e elevam o risco de desancoragem das expectativas de inflação. Isso implica atribuir maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas", disse.

A carta ressalta que as projeções do BC são de que a inflação inicie em trajetória de queda já no início de 2022, terminando o ano em patamar significativamente inferior ao de 2021.

As expectativas da autarquia são de inflação de 4,7% em 2022, 3,2% em 2023 e 2,6% em 2024, ante metas para a inflação de 3,50%, 3,25% e 3,00%, respectivamente.

"Nesse cenário, em 2022, a inflação ainda se mantêm superior à meta, embora dentro do intervalo de tolerância, em virtude dos efeitos inerciais da inflação de 2021", pontuou.

O texto reafirmou ainda o tom mais duro adotado na última reunião, sinalizando que Copom subirá juros "até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas".

Campos Neto trabalha agora com o risco de descumprir a meta pelo segundo ano seguido em 2022, fixada em 3,5% com tolerância de 1,5 ponto percentual. Para o período, o mercado já espera que o indicador fique acima do máximo permitido no intervalo de tolerância, que é de até 5%.

De acordo com o relatório Focus desta semana, em que o BC divulga expectativas de economistas de instituições financeiras e casas de análise, os preços devem subir 5,03% este ano.

Mandatário mais longevo até agora, Henrique Meirelles foi o único presidente do BC a ter que escrever duas cartas ao longo de seu mandato, que durou de janeiro de 2003 a dezembro de 2010, oito anos ao todo.

Campos Neto iniciou seu mandato em fevereiro de 2019 e vai para o terceiro ano no comando da autarquia.

Esta é a primeira carta escrita após a aprovação da autonomia do BC, que definiu objetivos secundários à autarquia. Além da inflação, que continua sendo a principal atribuição, a autoridade precisa olhar para a atividade econômica e para o mercado de trabalho.

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