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Alexandre Manoel e Mirella Hirakawa

Choques de oferta e política fiscal, os culpados pelo estouro da meta de inflação

Ultrapassagem do teto obriga presidente do BC a divulgar razões do descumprimento

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Alexandre Manoel e Mirella Hirakawa

Economista-chefe e economista sênior da AZ Quest

O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), utilizado pelo BC (Banco Central) para medir a inflação oficial ao consumidor, subiu 0,73% no mês de dezembro e acumulou alta de 10,06 % em 2021, 4,81 pontos percentuais acima do limite superior da meta de inflação (5,25%), estabelecida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Essa ultrapassagem do teto da meta obriga o presidente do BC a divulgar publicamente as razões do descumprimento, por meio de carta aberta ao ministro da Economia.

Se esse comprovado desempenho insuficiente se tornar recorrente, o presidente e os diretores do BC poderão ser exonerados pelo presidente da República, a pedido do CMN e confirmação prévia do Senado Federal, segundo a lei que deu autonomia formal ao BC. Mas há motivos para solicitar essa exoneração? Entendemos que não, por ao menos dois motivos.

Primeiro, como o próprio presidente do BC já comentou, a política monetária é passageira da política fiscal. A dinâmica do câmbio de 2021 foi marcada pela manutenção de patamar elevado (afastado de seus fundamentos), em parte explicada pelas expectativas do mercado sobre a direção da política fiscal.

Loja no centro de São Paulo - Nelson Almeida - 30.dez.2021/Reuters

Segundo, houve choques adversos de oferta provenientes dos efeitos da pandemia e da matriz energética brasileira. Em termos globais, a pandemia mudou os hábitos de consumo das famílias, especialmente pelo fato de as medidas sanitárias mais restritivas direcionarem parte do consumo de serviços para bens, pois ao ficarem em casa as famílias deixam de consumir serviços relacionados a lazer e passaram a direcionar a renda disponível para consumo de móveis e eletroeletrônicos, por exemplo.

No Brasil, por sua vez, por dois anos consecutivos, houve o impacto na geração de energia dos efeitos da La Niña, que reduziram as precipitações na região com maior capacidade de armazenamento dos reservatórios.

Se considerarmos que os gargalos de bens (a oferta global não alcançou o aumento da demanda global), o aumento de combustíveis e a crise hídrica (por aumento da bandeira tarifária de energia elétrica), elementos que foram responsáveis por 10%, 50% e 3% do total do IPCA, respectivamente, observaremos que 6,3 pontos percentuais dos 10,6% de IPCA em 2021 se devem a choques.

Uma outra inferência de que essa inflação acima da meta é consequência de choques pode ser vista a partir de comparação entre a inflação brasileira e a americana nos anos de 2019 (antes da pandemia) e 2021 (subsequente ao auge da pandemia). Em 2019, a inflação americana ao consumidor —medida pelo CPI (Índice de Preços ao Consumidor) dos EUA— foi de 2,3%, enquanto o IPCA, 4,3%. Uma diferença de dois pontos percentuais. Em 2021, a inflação americana deverá fechar em 7,1%, o que significará três pontos percentuais de diferença do IPCA para o CPI americano, bem próxima à de 2019, especialmente se considerarmos que a crise hídrica ocorreu somente no Brasil.

Essas surpresas e o ruído na comunicação contribuíram para a diminuição da credibilidade da política econômica, que levou o BC a acelerar o ritmo de normalização da política monetária e aumentou a percepção do mercado de que a política fiscal retornaria ao nível de expansão real de gastos que existia anteriormente a 2015. Assim, dado o conjunto de "vilões" da inflação de 2021, restou ao BC menor escopo para sua atuação.

Por fim, é notório o desafio de melhorar a coordenação entre os ministérios da Economia e o BC. Contribuição essencial para tal melhoria é a recuperação da percepção que a última palavra sobre política fiscal é dos técnicos da Economia, assim como de haver comprometimento do Planalto com a consolidação fiscal. Se isso ocorrer, a tarefa do BC de levar a inflação para o centro da meta será menos complicada.

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