Descrição de chapéu mercado de trabalho inflação

Crise alcança renda média-alta após castigar pobres nas metrópoles

Grupo teve queda de 8% no rendimento do trabalho em um ano, diz estudo

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Rio de Janeiro

Após castigar o bolso dos mais pobres, a crise econômica começa a afetar com maior força a renda do trabalho da classe média-alta nas regiões metropolitanas do Brasil. É o que indica a sexta edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles.

Conforme o estudo, a renda domiciliar per capita do trabalho dos 10% mais ricos caiu para R$ 6.411, em média, no terceiro trimestre de 2021. O valor é 8% menor do que o verificado em igual trimestre de 2020 (R$ 6.967) nas regiões metropolitanas.

Imagem de mulher é vista em tela de computador em frente a um fundo ocre
A professora Sandra Maria de Oliveira, 44, de Goiânia, cancelou TV por assinatura, cortou serviços de diarista, optou por um plano de saúde mais barato e usa o carro apenas para trabalhar - Ronny Santos/Folhapress

Na visão dos responsáveis pelo boletim, a queda reflete a combinação entre fraqueza da atividade econômica e escalada da inflação —os dados levam em conta o avanço dos preços no país.

A pesquisa é produzida em parceria entre PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Observatório das Metrópoles e RedODSAL (Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina).

Esses 10% mais ricos não são apenas super-ricos; incluem também trabalhadores considerados de classe média-alta, ressalta André Salata, professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS e um dos coordenadores do boletim.

A classe média-alta contempla famílias com rendimento domiciliar per capita acima de R$ 3.100 nas metrópoles, de acordo com o professor. Profissionais liberais e empresários de menor porte são exemplos de possíveis integrantes do grupo.

O que acaba jogando a renda média dos 10% mais ricos para um patamar superior —acima de R$ 6.000— é a presença de uma camada minoritária de supersalários.

O indicador de renda domiciliar per capita analisado pelo boletim corresponde ao rendimento bruto do trabalho dividido pela quantidade de pessoas em cada residência.

Se comparados com os mais pobres, os 10% mais ricos sofreram um baque menor logo após a chegada da pandemia às metrópoles, sinaliza o estudo. Mas a maré começou a mudar nos últimos meses, com a crise prolongada e a escalada inflacionária.

"Esses efeitos vão se espalhando pela sociedade. A crise bateu antes nos mais pobres e, agora, com a inflação, também atinge as outras camadas da população", explica Salata.

No terceiro trimestre de 2021, a renda dos 10% mais ricos era 10,2% menor do que no primeiro trimestre de 2020, antes dos reflexos mais agudos da pandemia.

Casal é visto em tela de computador, em frente a fundo bordô
Tiago Rinaldi (à esq.) e Vander Monteiro Anacleto cortaram viagens a lazer de carro e vêm pesquisando mais os preços antes de fazer compras - Ronny Santos/Folhapress

Os responsáveis pelo boletim ponderam que, mesmo com as perdas, as famílias com rendimentos maiores atravessam a crise em uma situação bem menos dramática, já que possuem mais condições financeiras do que a população considerada pobre.

A moradora de Goiânia (GO) Sandra Maria de Oliveira, 44, teve de reduzir despesas nos últimos anos, especialmente durante a pandemia, por causa da inflação.

Ela conta que cancelou TV por assinatura, cortou serviços de diarista, optou por um plano de saúde mais barato e usa o carro apenas para trabalhar.

Formada em história e pedagogia, Sandra é professora da rede estadual de ensino e também dá aulas em uma universidade privada. Ela vive com uma filha adolescente.

"A gente fica constrangida porque vê pessoas passando fome. Não nos falta o alimento, mas é preciso cortar algumas coisas", relata.

"É uma perda de qualidade de vida e lazer mesmo, porque o salário não acompanha a alta dos preços", completa.

Os companheiros Tiago Rinaldi, 42, e Vander Monteiro Anacleto, 38, também buscam cortar despesas consideradas desnecessárias. Durante a pandemia, o casal de Porto Alegre (RS) passou a pesquisar mais preços e reduziu deslocamentos de carro devido à carestia dos combustíveis.

Rinaldi trabalha como produtor multimídia, e Anacleto é analista de negócios no setor financeiro. Eles têm dois filhos adolescentes.

"A gente sente esse avanço dos preços, principalmente em itens como combustível, energia e gás", conta Rinaldi.

Situação dos mais pobres

Na contramão da parcela com salários maiores, a renda domiciliar per capita do trabalho dos 40% mais pobres subiu 23,4% no terceiro trimestre de 2021, ante igual intervalo de 2020, nas regiões metropolitanas. O valor médio avançou de R$ 173 para R$ 213, diz o boletim.

Contudo, a marca ainda ficou 16,1% abaixo do patamar do primeiro trimestre de 2020 (R$ 254). Ou seja, os mais pobres estão mais distantes do pré-crise do que os mais ricos.

O pesquisador do Observatório das Metrópoles Marcelo Ribeiro, que também coordena o estudo, afirma que, na fase inicial da Covid-19, muitos trabalhadores com salários mais baixos perderam suas ocupações e saíram do mercado. O reflexo foi o tombo da renda profissional. Os informais ilustram essa situação.

Em 2021, com a reabertura da economia, houve um retorno ao mercado. Assim, a renda média subiu, apesar da pressão inflacionária.

"Em 2020, parte das pessoas com renda menor e mais desprotegidas havia deixado o mercado. Isso levou a uma redução mais forte no rendimento do trabalho entre os mais pobres", lembra Ribeiro, que também é professor do Ippur-UFRJ (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

O boletim utiliza microdados da Pnad Contínua, pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). São avaliados números de 22 metrópoles. Benefícios sociais concedidos por governos não entram nos cálculos.

Além dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres, o boletim também traz informações sobre o grupo classificado como o dos 50% intermediários.

No terceiro trimestre de 2021, a renda domiciliar per capita dessa faixa foi estimada em R$ 1.282 nas metrópoles. A cifra ficou 1,2% acima da registrada em igual intervalo do ano anterior (R$ 1.266).

Mesmo com o leve avanço, o rendimento dos intermediários está 6,1% abaixo do verificado no começo de 2020 (R$ 1.365).

Os pesquisadores responsáveis pelo boletim evitam cravar qual será o comportamento da renda dos três grupos em 2022. Segundo eles, o indicador vai seguir na dependência da atividade econômica e da inflação.

O que preocupa são os sinais de baixo desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) e a perspectiva de preços ainda elevados no ano eleitoral.

"Sem um processo de recuperação econômica capaz de dinamizar o mercado de trabalho, a retomada do rendimento vai ser difícil", analisa Ribeiro.

Em termos gerais, a renda média no conjunto das regiões metropolitanas seguiu a tendência de baixa no terceiro trimestre de 2021, atingindo o menor nível de toda a série histórica, iniciada em 2012: R$ 1.353.

"O rendimento dos mais pobres teve uma retomada, mas o dos mais ricos caiu. Isso puxou a média para baixo no último trimestre da pesquisa. Levou o indicador para o menor nível da série histórica", avalia Salata.

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