Descrição de chapéu tecnologia

Disputa de mercado entre bancos e fintechs seguirá aquecida em 2022

Colchão de liquidez para fazer frente aos riscos e taxa de intercâmbio estão em pauta no setor

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A disputa entre os grandes bancos e as fintechs (empresas financeiras digitais) tem tudo para seguir bastante aquecida em 2022.

O aumento da competição entre os diversos agentes do setor para conseguir abocanhar o maior número possível de clientes ganhou força ao longo do ano passado e chegou até as redes sociais, com trocas de provocações mútuas entre associações de classe.

Além de estarem incomodados com o avanço recente das fintechs, em especial com o aumento da digitalização por conta da pandemia, há, no entendimento dos grandes bancos, assimetrias regulatórias que acabam favorecendo as concorrentes digitais, e que, portanto, deveriam ser endereçadas pelo órgão regulador, o BC (Banco Central).

Pedro Eroles, sócio do escritório Mattos Filho, afirma que existem hoje dois EDPs (Editais de Consulta Pública) propostos pela autoridade monetária que tratam da regulação no universo das instituições de meios de pagamento, os EDPs 78 e 89.

Enquanto o primeiro visa harmonizar regras relativas ao nível mínimo de requerimento de capital que uma fintech precisa ter para assegurar suas operações em comparação ao adotado pelos bancos, o segunda, diz Eroles, trata da taxa de intercâmbio cobrada pelas fintechs dos lojistas nas transações financeiras por meio dos cartões pré-pagos.

"Podemos imaginar o caso de fintechs de pequeno porte, que estejam ingressando no mercado e ainda de baixa representatividade, com um tipo de regulação mais frágil. Mas tem empresas que já alcançaram um tamanho relevante, algumas até já de capital aberto, com poder financeiro, e que estão submetidas a regras menos rigorosas do ponto de vista da regulação do que os bancos", diz Rubens Sardenberg, diretor de regulação prudencial, riscos e assuntos econômicos da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).

Já do lado das fintechs, o argumento é que o SFN (Sistema Financeiro Nacional) segue ainda bastante concentrado na mão de poucos, e que um aumento do sarrafo em termos de gerenciamento de risco pode vir a desacelerar o desenvolvimento de novos negócios na área.

Sardenberg afirma que, embora os cinco grandes bancos (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Santander Brasil e Caixa) ainda detenham algo como 80% de participação de mercado, isso não quer dizer que não haja competição no setor bancário brasileiro. "Só acha que não tem competição quem não vê como é a disputa entre os bancos no mercado."

As novas empresas digitais questionam ainda o fato de, por serem consideradas, sob o olhar do regulador, como instituições de pagamentos, com restrições em relação à atuação das instituições financeiras, é natural que os controles também não sejam os mesmos.

"Não existem assimetrias. Existem regulações diferentes para serviços diferentes e exigências proporcionais ao tamanho de cada instituição o que, na nossa visão, é o correto" assinala a empresa de meios de pagamentos PagSeguro PagBank, pertencente ao Grupo UOL —que tem participação minoritária e indireta do Grupo Folha, que edita a Folha.

Segundo Leonardo Cruz, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, entre as alegações apontadas pelos bancos está o fato de que as fintechs não precisam seguir as mesmas exigências em termos de requerimento mínimo de capital, uma espécie de colchão de liquidez para servir como para-choque em caso de qualquer tipo de contratempo que possa afetar o negócio e os clientes.

Para os bancos, essa exigência é de 10,5% sobre o total de ativos, alcançando 11,5% para os grandes. Para as fintechs instituições de pagamento, esse percentual fica ao redor de 2%, sobre o total de volume transacionado no intervalo dos últimos 12 meses.

Segundo o sócio do escritório Pinheiro Neto, o EDP 78, de novembro de 2020, traz o conceito do patrimônio de referência para o universo das fintechs e prevê que o requerimento mínimo de capital para as instituições de pagamento caminhe gradualmente em direção aos patamares que são hoje praticados para as instituições financeiras.

Cruz acrescenta que o edital trata também da figura do conglomerado prudencial, que considera todas aquelas empresas que ficam debaixo do guarda-chuva de um mesmo grupo financeiro, sob a ótica do controle de riscos perante o regulador. Ele explica que a novidade prevista no edital é que as fintechs também passam a poder estar à frente desses conglomerados, e não mais apenas as instituições financeiras, como no modelo atual.

"Uma instituição (seja esta fintech ou não) cuja carteira de crédito é de R$ 500 milhões não pode ter exigências similares a um banco cuja carteira de crédito está próxima de R$ 1 trilhão. Foi justamente esta regulação diferente para diferentes serviços e proporcional ao risco sistêmico, que criou ambiente para o surgimento de novas empresas para gerar um pouco mais de competitividade no mercado financeiro brasileiro", aponta a PagSeguro.

Dados compilados pelo BC indicam que o segmento das fintechs representado pelas instituições de pagamento correspondia a cerca de 3,3% do total de aproximadamente R$ 4 trilhões em ativos do SFN no final de 2020.

"A proporcionalidade é base essencial para o desenvolvimento de um mercado mais competitivo em benefício dos consumidores, pois favorece a oferta de tarifas menores e serviços mais inclusivos. Apoiamos a proporcionalidade nas normas prudenciais, considerando o porte dos conglomerados", diz a Zetta, associação que reúne fintechs como Nubank, Mercado Pago, Creditas e Mercado Bitcoin.

Pedro Eroles, do Mattos Filho, diz que, além da discussão em torno do requerimento de capital, outro ponto de destaque na discussão entre bancos e fintechs diz respeito à taxa de intercâmbio –taxa de desconto cobrada do lojista pela empresa responsável pela bandeira do cartão a cada transação realizada.

Para os cartões de débito, existe um limite imposto pela autoridade monetária desde outubro de 2018, que estabelece que essa taxa não pode ultrapassar 0,8% por transação. "Já para os cartões pré-pagos, serviço usualmente oferecido pelas fintechs, hoje não há um limite pré-estabelecido, o que acaba gerando uma assimetria de mercado", afirma o sócio do Mattos Filho.

A proposta, que consta no EDP 89, de outubro de 2021, prevê que a taxa para os cartões pré-pagos seja limitada a 0,5%, aponta Cruz, do Pinheiro Neto.

"A taxa de intercâmbio é um tema caro às fintechs, por se tratar de uma das principais fontes de receita para o negócio. À medida que se coloca um limite nessa taxa, automaticamente está se limitando o potencial de crescimento dessas empresas", afirma Cruz.

De acordo com dados compilados pelo BC, o número de cartões pré-pagos ativos emitidos por fintechs atingiu a marca de 16,4 milhões (dois terços de todos os cartões pré-pagos ativos do SFN) e movimentou R$ 42,7 bilhões em 2020, o que representou aproximadamente 80% do volume transacionado na categoria.

Além disso, o número de clientes de instituições de pagamento informados ao BC cresceu 65% de 2019 para 2020, chegando a 59,4 milhões de clientes pessoa física, o que corresponde a aproximadamente 28% da população brasileira, e cerca de 2,5 milhões de clientes pessoa jurídica.

Segundo a autoridade monetária, não há previsão para que as propostas apontadas nos dois editais sejam implementadas nos próximos meses.

"De modo geral, as instituições de pagamento estão submetidas às mesmas regras e procedimentos aplicáveis às instituições financeiras, seguindo o mesmo critério de direcionamento dos esforços de supervisão com base no risco de cada ente regulado", diz o BC, em nota.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.