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Economistas culpam mais a tecnologia pelo aumento da desigualdade

'Automação excessiva' é alvo de críticas e gera dúvidas sobre recompensa do investimento em máquinas e softwares

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Steve Lohr
Nova York | The New York Times

Daron Acemoglu, influente economista do MIT (Massachusetts Institute of Technology), defende uma tese contra o que ele chama de "automação excessiva".

A recompensa para a economia em geral do investimento em máquinas e software tem sido teimosamente ilusiva. Mas ele diz que a crescente desigualdade que resulta desses investimentos, e das políticas públicas que os estimulam, é muito clara.

A metade ou mais da diferença cada vez maior entre salários de trabalhadores americanos nos últimos 40 anos pode ser atribuída à automação de tarefas antes realizadas por seres humanos, especialmente homens com diploma de faculdade, segundo parte de sua pesquisa recente.

Daron Acemoglu, economista do MIT
Daron Acemoglu, economista do MIT - Cody O'Loughlin - 21.dez.2021/The New York Times

A globalização e o enfraquecimento dos sindicatos influíram. "Mas o fator mais importante é a automação", disse Acemoglu. E a desigualdade alimentada por ela "não é um ato de Deus ou da natureza", acrescentou. "É o resultado de opções que as corporações e nós como sociedade fizemos sobre como usar a tecnologia."

Acemoglu, um acadêmico de amplo espectro cuja pesquisa faz dele um dos economistas mais citados em publicações acadêmicas, dificilmente é o único economista proeminente a afirmar que as máquinas computadorizadas e o software, com a ajuda dos formuladores de políticas, contribuíram significativamente para as crescentes diferenças de renda nos Estados Unidos. Seus números estão crescendo, e suas vozes se somam ao coro de críticas em torno das gigantes do Vale do Silício e o avanço irrestrito da tecnologia.

Paul Romer, que ganhou um prêmio Nobel de ciência econômica por seu trabalho sobre inovação tecnológica e crescimento econômico, manifestou alarme diante do poder disparado de mercado e de influência das grandes empresas tecnológicas. "Os economistas ensinaram: 'É o mercado. Não há nada que possamos fazer'", disse ele numa entrevista no ano passado. "Isso é realmente muito errado."

Anton Korinek, economista da Universidade da Virgínia, e Joseph Stiglitz, Nobel de economia da Universidade Columbia, escreveram um trabalho, "Conduzindo o progresso tecnológico", que recomenda medidas, de dicas para empresários a mudanças fiscais, para se buscar "inovações amigas dos trabalhadores".

Erik Brynjolfsson, economista em Stanford, é um otimista sobre tecnologia em geral. Mas num ensaio a ser publicado nesta primavera em Daedalus, a revista da Academia Americana de Artes e Ciências, ele adverte sobre "a armadilha de Turing". A frase se refere ao teste de Turing, que leva o nome de Alan Turing, pioneiro inglês em inteligência artificial, em que o objetivo é que um programa de computador participe de um diálogo de modo tão convincente que seja indistinguível de um ser humano.

Durante décadas, disse Brynjolfsson, o teste de Turing —equiparar-se ao desempenho humano— foi a metáfora-guia para tecnólogos, empresários e formuladores de políticas ao pensarem sobre IA. Isso leva a sistemas de IA que são projetados para substituir os trabalhadores, em vez de melhorar seu desempenho. "Acho isso um erro", disse ele.

As preocupações levantadas por esses economistas estão recebendo mais atenção em Washington num momento em que as companhias tecnológicas gigantes já estão sendo atacadas em diversas frentes. As autoridades habitualmente criticam as empresas por não fazerem o suficiente para proteger a privacidade dos usuários e dizem que elas amplificam a desinformação. Processos legais estaduais e federais acusam o Google e o Facebook de violarem leis antitruste, e políticos democratas estão tentando conter o poder de mercado das maiores companhias do setor por meio de novas leis.

Acemoglu depôs em novembro diante da comissão da Câmara sobre Disparidade Econômica e Justiça no Crescimento em uma audiência sobre inovação tecnológica, automação e o futuro do trabalho. A comissão, que foi criada em junho, terá audiências e reunirá informação durante um ano e relatará suas conclusões e recomendações.

Apesar do impasse partidário no Congresso, o deputado democrata Jim Himes, de Connecticut, presidente da comissão, está confiante em que ela poderá encontrar terreno comum sobre algumas medidas para ajudar os trabalhadores, como maior apoio a programas comprovados de treinamento para empregos.

"Não há nada partidário na disparidade econômica", disse Himes, referindo-se ao prejuízo para milhões de famílias americanas, independentemente de suas opiniões políticas.

O deputado Jim Himes no Comitê de Inteligência da Câmara, em Washington, nos Estados Unidos
O deputado Jim Himes no Comitê de Inteligência da Câmara, em Washington, nos Estados Unidos - Samuel Corum - 20.nov.2019/The New York Times

Economistas indicam os anos do pós-guerra, de 1950 a 1980, como uma era de ouro quando a tecnologia avançou e os trabalhadores gozaram de rendas crescentes.

No entanto, mais tarde muitos trabalhadores começaram a ficar para trás. Houve um avanço constante das tecnologias automatizantes cruciais —robôs e máquinas computadorizadas nas fábricas e software especializado nos escritórios. Para se manterem à frente, os trabalhadores precisavam de novas técnicas.

Mas a mudança tecnológica evoluiu enquanto o crescimento da educação pós-secundária desacelerou e as companhias começaram a gastar menos em treinamento de funcionários. "Quando a tecnologia, a educação e o treinamento andam juntos, você tem prosperidade compartilhada", disse Lawrence Katz, economista do trabalho em Harvard. "De outro modo, não tem."

O comércio internacional crescente tendeu a encorajar as companhias a adotarem estratégias de automação. Por exemplo, empresas preocupadas com a concorrência de baixo custo do Japão, e mais tarde da China, investiram em máquinas para substituir trabalhadores.

Hoje, a próxima onda da tecnologia é a inteligência artificial. E Acemoglu e outros dizem que ela pode ser usada principalmente para ajudar os trabalhadores, tornando-os mais produtivos, ou para suplantá-los.
Acemoglu, assim como alguns outros economistas, mudou de opinião sobre a tecnologia com o tempo.

Na teoria econômica, a tecnologia é quase um ingrediente mágico que tanto aumenta o tamanho da torta econômica como enriquece os países. Ele lembrou que há mais de uma década trabalhou em um livro de texto que incluía a teoria padrão. Pouco depois, ao fazer mais pesquisa, pensou melhor.

"É um modo de pensar restritivo demais", disse. "Eu deveria ter tido a mente mais aberta."

Acemoglu não é um inimigo da tecnologia. Suas inovações, comenta ele, são necessárias para abordar os maiores desafios da sociedade, como a mudança climática, e para entregar crescimento econômico e melhores padrões de vida. Sua mulher, Asuman Ozdaglar, é a diretora do departamento de engenharia elétrica e ciência da computação no MIT.

Conforme Acemoglu mergulhava profundamente em dados econômicos e demográficos, porém, os efeitos de deslocamento da tecnologia se tornaram cada vez mais aparentes. "Eles eram maiores do que eu supunha", disse ele. "Isso me deixou menos otimista sobre o futuro."

A estimativa de Acemoglu de que a metade ou mais da crescente diferença de salários nas últimas décadas derivou da tecnologia foi publicada no ano passado com seu frequente colaborador, Pascual Restrepo, economista na Universidade de Boston. A conclusão se baseou em uma análise de dados demográficos e empresariais que detalham a parcela cada vez menor da produção econômica que vai para os trabalhadores em forma de salários e os gastos crescentes em maquinário e software.

Acemoglu e Restrepo publicaram trabalhos sobre o impacto dos robôs e a adoção de "tecnologias mais ou menos", assim como a recente análise de tecnologia e desigualdade.

As tecnologias mais ou menos substituem os trabalhadores, mas não geram grandes ganhos em produtividade. Como exemplos, Acemoglu cita os caixas para pagamento automático nos supermercados e o serviço automatizado ao cliente ao telefone.

Hoje ele vê excesso de investimento nessas tecnologias mais ou menos, o que ajuda a explicar o lento aumento da produtividade na economia. Em contraste, as tecnologias realmente importantes criam novos empregos em outros lugares, levantando o emprego e os salários.

A ascensão da indústria de automóveis, por exemplo, gerou empregos em revendas de carros, publicidade, contabilidade e serviços financeiros.

Programas bem elaborados de educação e treinamento para os empregos do futuro são essenciais, disse Acemoglu. Mas ele também acredita que o desenvolvimento tecnológico deve ser conduzido numa "direção mais amiga dos humanos". Ele tira inspiração do desenvolvimento da energia renovável nas últimas duas décadas, que foi ajudado por pesquisa do governo, subsídios à produção e pressão social sobre as corporações para reduzirem as emissões de carbono.

"Precisamos redirecionar a tecnologia para que trabalhe para as pessoas, e não contra elas", disse Acemoglu.​

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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