Juíza manda reduzir jornada de mãe de criança com deficiência

Decisão provisória cita perspectiva de gênero e protocolo do CNJ para reduzir desigualdade no trabalho

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São Paulo

Uma servidora da saúde pública de São José do Cerrito, no interior de Santa Catarina, conseguiu decisão provisória na Justiça do Trabalho para reduzir sua carga horária, de modo que ela possa acompanhar o tratamento médico do filho.

Na decisão, a juíza Andrea Cristina de Souza Haus Waldrigues, da 3ª Vara de Trabalho de Lajes (SC), usou um protocolo lançado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em 2021 que prevê uma série de parâmetros para que as decisões judiciais sejam também instrumentos de redução das desigualdades entre homens e mulheres.

Especial Inclusão
Mãe de criança com deficiência conseguiu reduzir jornada de trabalho na Justiça; decisão considerou perspectivas de gênero - Catarina Pignato

A servidora pediu administrativamente para ter a jornada reduzida de 40 horas para 30 horas semanais, encerrando a o dia de trabalho às 13h. Segundo laudo apresentado no mandado de segurança, o filho dela tem um tipo de paralisia cerebral que o faz dependente de auxílio para todas as atividades diárias.

O município negou o pedido por entender que a legislação trabalhista não prevê esse tipo direito, tampouco a lei que protege pessoas com deficiência. Além disso, a prefeitura afirmou que não poderia assumir nova despesa, uma vez que a redução do horário da servidora deixaria um espaço na escala -ela trabalha em um posto de saúde.

O impedimento, disse a gestão municipal, vem da lei complementar 173, do pacto federativo, por meio do qual o governo federal enviou recursos aos governos mediante compromisso de não aumentarem as despesas com pessoal.

Para a juíza, os vetos previstos no pacto federativo não dispensam o município do cumprimento da determinação, que poderá substituir a servidora com o remanejamento de pessoal ou a readequação do horário de atendimento.

"Trabalhadoras gestantes e lactantes (...) por estarem inseridas num modelo de regras e rotinas de trabalho estabelecidos a partir do paradigma masculino, pensado para os padrões do ‘homem médio’, [as mulheres] acabam sendo vítimas de discriminações decorrentes deste modelo que não as acolhe", diz trecho do documento, destacado pela juíza na decisão.

Haus Waldrigues afirma que a análise do caso "sob a perspectiva de gênero, eis que se trata de mulher, empregada, mãe, e cujo filho demanda cuidados constantes devido a sério problema de saúde" é mais do que atual. Em outro excerto incluído pela juíza, o arranjo das relações de trabalho é considerado sexista e projetado a partir de necessidades masculinas.

"A busca das mulheres e de outras minorias, consideradas as diversas interseccionalidades, para se manter num mercado de trabalho que não as acolhe, propicia práticas discriminatórias não menos perversas e excludentes. Reproduz-se na execução da relação empregatícia os mesmos preconceitos, os mesmos mitos e as mesmas crenças arraigadas no imaginário social, intensificando as desigualdades que, de tão repetidas, tornam-se invisíveis e imperceptíveis, reforçando o lugar de inferioridade destes grupos na pirâmide", escreveu a magistrada, reproduzindo trecho do protocolo do CNJ.

O documento citado por ela para conceder a redução da jornada é um extenso protocolo –ele tem 132 páginas– produzido em um grupo de trabalho criado para colaborar com políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e também de incentivo à participação feminina no Judiciário.

Na liminar, a magistrada também considerou o direito à melhoria contínua nas condições de vida das pessoas com deficiência -a garantia é prevista na convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência.

A Prefeitura de São José do Cerrito e o advogado que a representou no processo foram procurados, mas não responderam até a publicação deste texto. O município pode recorrer da liminar.

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