'Neoliberalismo fracassado' e 'amnésia petista': veja reações à série pensamento econômico de pré-candidatos

Textos de Marconi, Meirelles, Mantega e Pastore receberam apoio e críticas nas redes ao longo da semana

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Curitiba

Com classificações que vão de "receituário neoliberal fracassado" a "amnésia seletiva petista", analistas comentaram a série de artigos publicada pela Folha nesta semana, na qual economistas detalham o pensamento econômico de pré-candidatos à Presidência da República.

A série contou com o professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Nelson Marconi, que coordenou o programa de governo de Ciro Gomes (PDT) em 2018; em seguida, o ex-ministro da Fazenda e atual secretário da Fazenda e Planejamento do governador paulista João Doria (PSDB), Henrique Meirelles, discutiu os temas econômicos caros ao tucano.

Depois deles, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega destacou legados dos governos petistas e planos para um novo mandato do ex-presidente Lula (PT). Já o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore falou sobre o pensamento econômico que sustenta a pré-campanha do ex-ministro da Justiça Sergio Moro (Podemos).

Ilustrações de Ciro Gomes, João Doria, Luiz Inácio Lula da Silva e Sergio Moro, de terno e gravata
Caricatura de quatro de candidatos à Presidência em 2022 - Luciano Veronezi

As críticas dos economistas aos artigos vão desde a suposta volta ao passado proposta por Mantega, caso o favoritismo do ex-presidente Lula nas pesquisas se confirme nas urnas, até a continuidade de um receituário de reformas que não mostrou resultado e estaria presente nas análises de Meirelles e Pastore.

No caso de Guido Mantega, o professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Pedro Paulo Zahluth Bastos argumenta que o ex-ministro reafirma as características básicas do programa de Lula e vai no sentido de privilegiar o investimento público.

"Isso é essencial e é o que estão fazendo os países da OCDE. Sem expandir o gasto público não é possível tirar a economia do patamar atual de baixo crescimento, como mostram os últimos seis anos no Brasil."

​Ele pondera que o ex-ministro Mantega é vago sobre o futuro do teto de gastos e das reformas feitas por Michel Temer e Jair Bolsonaro. Bastos pontua ainda que o artigo também não toca em questões ambientais, tema que será importante para quem ganhar a Presidência.

Sobre o texto de Marconi, ele avalia que existe uma ênfase excessiva no setor industrial, e critica o peso dado a políticas locais. "No caso de uma economia fortemente internacionalizada como a do Brasil, é preciso ter políticas setoriais combinadas", afirma.

"Meirelles é o mais vago de todos e faz uma reafirmação da Ponte para o Futuro, programa do governo Temer que se mostrou um fracasso. Ele propõe o avanço de novas reformas, mas a reforma trabalhista de Temer não reduziu a desigualdade e nem trouxe crescimento, por exemplo."

Bastos também considera que o artigo de Pastore mostra um preconceito com políticas industriais e setoriais que são largamente utilizadas pelos países desenvolvidos. "Ele deixa o gasto com infraestrutura somente para concessões privadas, sem dizer como elas poderiam ocorrer."

Para o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, o artigo de Mantega demonstra que a estratégia é "cancelar" o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016), como uma espécie de "amnésia seletiva".

"É o que chamo de 'o curioso caso da amnésia petista'. De alguma forma, tudo o que ocorreu em 2015 e 2016 jamais existiu. No máximo, tentam arrumar alguma desculpa para explicar os números."

Ele chegou a rebater, por meio de um fio (sequência de postagens relacionadas) em seu perfil no Twitter, uma série de informações que constavam no texto escrito pelo ex-ministro.

Schwartsman destacou, por exemplo, que Mantega cita que a inflação vai recuar da casa dos 10% no passado, para cerca de 6%, "às custas de uma feroz política monetária contracionista, que vai paralisar a economia brasileira."

"O que o ex-ministro omite é que entre 2014 e 2015 a inflação subiu de 6,4% para 10,7% e só caiu para 6,3% às custas de uma política monetária ainda mais contracionista que a atual, que levou a Selic para 14,25% ao ano", diz o ex-diretor do BC.

Ele também destaca que o Brasil perdeu o grau de investimento dado pelas agências de classificação de risco ainda em 2015, antes dos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

O professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro, que foi próximo da campanha de Ciro Gomes em 2018 e agora deve votar em Lula, avalia que o artigo de Marconi é o que tem o diagnóstico mais correto das causas da longa estagnação da economia.

Para o professor, o problema do baixo crescimento do país está relacionado com a baixa industrialização. "Não é desequilíbrio fiscal, como diz Pastore, ou ineficiência, como diz Meirelles, e nem resultado da receita neoliberal fracassada."

Oreiro complementa que a política econômica dos governos Temer e Bolsonaro —com o teto de gastos e as reformas trabalhista e da Previdência—, além de não ter atacado o problema central da economia, ainda aumentou a estagnação.

"Só que Mantega não pode dizer que a desindustrialização se deu depois da saída da presidente Dilma, ela também é fruto das administrações do PT."

Ele também afirma que os textos de Pastore e Meirelles partem equivocadamente do princípio de que existem ganhos de eficiência a serem explorados no setor público. "O que eles não apontaram é que em 2021 as emendas parlamentares foram o custo de permanência de Bolsonaro no governo."

Já o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, vê nos artigos de Meirelles e de Pastore as propostas mais modernas para que o país tenha um crescimento sustentável nos próximos anos. "De um lado, buscando uma estabilidade econômica consistente e com uma certa flexibilidade, como ambos colocaram, e trazendo um cenário de inflação mais baixa e estabilidade fiscal."

Para Vale, as visões de Marconi e Mantega vão no sentido oposto, entregando facilidades que não conseguem gerar uma estabilidade macroeconômica. "Especialmente no texto de Mantega, o que se vê é uma economia velha e que repete erros do passado. Há uma visão mais coerente quanto às questões sociais e ambientais nos artigos de Meirelles e Pastore."

O consultor econômico e especialista em finanças públicas Raul Velloso, por sua vez, também destacou que Mantega vai na direção certa ao apontar a necessidade de recuperar o investimento público. "Só faltou ele dizer onde investir e como conseguir espaço no Orçamento para isso. Mas ficou clara que essa será uma bandeira do ex-presidente Lula."

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