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Thomas Piketty: a formação de um socialista

Livro do economista é coletânea de artigos que criticam má distribuição da riqueza no Ocidente

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Robert Kuttner
Washington | The New York Times

O economista francês Thomas Piketty se destacou em 2014 com seu livro "O Capital no Século 21". O título foi um eco proposital de "O Capital" de Marx, embora Piketty estivesse longe de ser um marxista. Baseando-se em seu conhecimento virtuoso de estatísticas econômicas históricas, ele demonstrou algo próximo de uma lei de ferro do capitalismo.

A riqueza se concentra porque o retorno sobre o capital tende a superar o ritmo geral do crescimento econômico. Como a renda geralmente fica atrás da riqueza, as economias se tornam constantemente mais desiguais com o passar do tempo.

Piketty demonstrou esse padrão em todos os maiores países e em todos os períodos históricos durante pelo menos 200 anos, com uma notável exceção —os meados do século 20, quando a renda e a riqueza na Europa e nos Estados Unidos se tornaram mais equivalentes.

O economista francês Thomas Piketty posa durante sessão de fotos em Paris - Joel Saget - 10.set.2019/AFP

Ao explicar essa anomalia, Piketty apontou para as grandes guerras do século passado. As guerras tenderam a eliminar as riquezas. Como a riqueza estava desproporcionalmente nas mãos dos ricos, o resultado foi um nivelamento.

O problema é que as guerras tiveram diferentes impactos sobre países diferentes. Tanto a Primeira Guerra Mundial como a Segunda de fato destruíram a riqueza na Europa, que Piketty conhece melhor. Mas foram bonanças para os Estados Unidos. Nenhum dos conflitos foi lutado em território americano, onde a produção bélica criou vastas novas riquezas.

No entanto, no pós-guerra a Europa e a América tiveram uma coisa em comum. Os governos ocidentais modificaram a dinâmica do poder político. A grande recessão e o legado do New Deal deixaram os capitalistas americanos com menos riqueza e poder que de costume.

Na Europa, a desgraça da direita fascista e dos conservadores do livre mercado levou ao poder coalizões comprometidas com o pleno emprego e amplos benefícios sociais, assim como deu um papel legítimo para os sindicatos e o uso do capital público.

O resultado: durante uma geração, as economias dos dois lados do Atlântico se tornaram mais igualitárias. Mas então, conforme o comércio, as finanças particulares e a política voltaram ao normal, os capitalistas recuperaram seu poder tradicional de ditar as regras. Depois de 1973, o padrão de Piketty de aprofundamento da desigualdade retornou, e vem piorando desde então.

Sejam quais forem as deficiências de sua análise política, a pesquisa prodigiosa de Piketty acertou no título e nos detalhes, e seu timing foi perfeito. "O Capital no Século 21" foi publicado exatamente quando a desigualdade tinha se tornado uma questão política de primeira linha. Seu livro se tornou um best-seller internacional e Piketty, uma celebridade. Ele também começou a colaborar regularmente com colunas no jornal francês "Le Monde".

Agora Piketty reuniu várias dezenas dessas colunas em uma antologia (traduzida nos EUA por Kristin Couper), começando com um ensaio original de 26 páginas ousadamente intitulado "Vida longa ao socialismo!" Depois de explorar profundamente a intensificação da desigualdade, Piketty concluiu que as políticas redistributivas do capitalismo assistencial —impostos de progressão moderada e benefícios sociais— são inadequadas.

Ninguém ficou tão surpreso com essa conclusão quanto o próprio Piketty. "Se alguém tivesse me dito em 1990 que eu publicaria uma coletânea de artigos em 2020 intitulada "Vivement le socialisme!" em francês", escreve ele, "eu teria pensado que era uma piada de mau gosto."

Capa do livro "Time for Socialism", do economista Thomas Piketty - Reprodução

Examinando os limites da taxação e dos gastos, Piketty conclui que "a igualdade educacional e o estado do bem-estar social não são suficientes" e que as relações de poder precisam se transformar, começando pela maior representação dos trabalhadores no governo e a divisão da riqueza das corporações.

Reconhecendo que a globalização foi um instrumento para o ressurgimento do "laissez-faire" e a extrema desigualdade resultante, Piketty propõe uma globalização muito diferente. "Precisamos dar as costas para a ideologia do livre comércio absoluto", escreve, em favor de "um modelo de desenvolvimento baseado em princípios explícitos e verificáveis de justiça econômica, fiscal e ambiental."

Em todo o Ocidente, especialmente nos Estados Unidos, instrumentos de geração de riqueza para a classe média, como educação superior gratuita, habitação acessível ocupada pelos proprietários e aposentadorias para os trabalhadores foram enfraquecidos desde os anos do grande boom igualitário no pós-guerra. Como uma estratégia mais direta de distribuição de riqueza, Piketty pede uma "dotação universal de capital" para todos os cidadãos a partir dos 25 anos, financiada por impostos sobre a riqueza e heranças.

Embora provocantes, nenhuma dessas ideias é notável ou original. O que torna esse manifesto digno de nota é que ele vem de Piketty, um economista que adquiriu sua reputação como pesquisador com sensibilidades ligeiramente à esquerda do centro, mas que estava longe de ser um radical. Mas os tempos são tais, e as desigualdades tão extremas, que até moderados honestos são atraídos por remédios radicais. Piketty está em boa companhia com o presidente Joe Biden.

O restante de sua coletânea contém algumas pérolas, mas as colunas de jornal ficam datadas rapidamente. Piketty escreve: "Algumas das colunas envelheceram menos bem que outras, e peço desculpas antecipadamente por qualquer repetição". É verdade. O próprio Piketty personifica sua tese sobre a riqueza se traduzir em poder. Tal é o valor comercial do intelectual-celebridade que Piketty aparentemente não foi solicitado por seus editores a remover as colunas desatualizadas, e em vez disso se safou com uma frase de ressalva.

Nas colunas reunidas, Piketty é convincente sobre a necessidade de a União Europeia ser governada mais democraticamente e desprezar a austeridade econômica em favor de algo como um New Deal financiado por dívida. Ele também é bom sobre questões climáticas, o desenvolvimento do terceiro mundo e os direitos das mulheres. Esse material poderia ter sido integrado em um volume original mais substancial.

Podemos perdoar Piketty pela autoindulgência de embrulhar um ensaio de 26 páginas e algumas colunas antigas como um novo livro. Ele capta a dinâmica da desigualdade grotesca tão bem quanto qualquer economista vivo, e sua conversão à causa da redistribuição radical e propriedade social da riqueza deve ser levada a sério.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves


TIME FOR SOCIALISM
Dispatches From a World on Fire, 2016-2021
[É tempo de socialismo - Despachos de um mundo em chamas]

Traduzido para o inglês por Kristin Couper

Preço - US$ 25 (R$ 142)

Autor - Thomas Piketty

Editora - Yale University Press, 360 pp.

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