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Brooke Masters

Veredicto da Theranos é história de advertência para empresários fracassados

Elizabeth Holmes mentiu e fraudou documentos quando sua tecnologia falhou

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Brooke Masters

Comentarista-chefe de negócios do jornal Financial Times

Financial Times

"Falsifique até conseguir" pode funcionar no Vale do Silício, mas o slogan não pega na Justiça federal.

Um júri na Califórnia considerou na segunda-feira (3) a fundadora da Theranos, Elizabeth Holmes, culpada por fraude numa conspiração para enganar investidores em sua startup de testes de sangue, e em três acusações de fraude eletrônica. A ex-aluna da Universidade Stanford atraiu investidores com promessas de revolucionar o atendimento de saúde fazendo diversos exames com uma única gota de sangue. Mas a avaliação de US$ 9 bilhões (R$ 51,1 bilhões) da companhia desmoronou depois que foram levantadas dúvidas sobre sua tecnologia em 2015.

Esse veredicto vai repercutir nas comunidades de tecnologia e de investimentos, como deveria. Novas listagens levantaram um recorde de US$ 316 bilhões (R$ 1,8 trilhão, na cotação atual) no ano passado nos Estados Unidos, mas muitas das companhias já lutam para realizar as expectativas estratosféricas. O julgamento de Holmes oferece uma dura lição sobre o que não se deve fazer.

Elizabeth Holmes com seu parceiro e seus pais do lado de fora de um tribunal, após ser considerada culpada por 4 de 11 acusações que enfrenta em julgamento em San Jose, na Califórnia - Nick Otto - 3.jan.2022/AFP

Enquanto os empresários habitualmente prometem aos investidores a lua e não cumprem, Theranos praticou uma enganação total. Holmes admitiu no banco dos réus que havia manipulado documentos para colocar logotipos de farmacêuticas e que sua máquina "Edison" só podia realizar 12 tipos de testes, apesar de ela afirmar publicamente que fazia mais de 200.

Os julgamentos de fraudes de executivos americanos foram poucos e esparsos nos últimos anos. Alguns atribuem isso à reforma de contabilidade empresarial Sarbanes-Oxley, adotada após uma série de escândalos no início dos anos 2000, por melhorar a precisão de relatórios de empresas de capital aberto. Outros afirmam que o Departamento de Justiça parou de dar atenção aos crimes de colarinho branco, o que o presidente Joe Biden prometeu reverter.

De qualquer modo, as companhias tecnológicas, especialmente as que ainda não venderam ações ao público, gozaram historicamente de mais espaço de manobra em suas promessas, mesmo quando suas avaliações chegavam a bilhões. Agora algumas dessas superestrelas caíram na terra e o juízo final está chegando. O ex-executivo-chefe da Nikola Trevor Milton deverá ser julgado por fraude criminal e se declarou inocente sobre afirmações de que ele mentiu para investidores sobre a tecnologia de caminhões elétricos da companhia.

Como rara fundadora mulher, e alguém que deliberadamente cortejou comparações com Steve Jobs, da Apple, Holmes venceu um conselho cheio de estrelas e atraiu enorme cobertura da imprensa por sua ascensão meteórica e queda dramática.

Mas esse resultado não foi o produto de um julgamento apressado: os veredictos de culpa vieram depois de um julgamento de 15 semanas e mais de 50 horas de deliberação. Empregados da Theranos depuseram sobre a lacuna entre suas afirmações e a realidade, enquanto investidores descreveram os pedidos de verbas hipnóticos feitos por ela.

O júri não se deixou convencer pelos esforços de Holmes para desviar a culpa para outros na empresa, incluindo o ex-presidente Ramesh Balwani, que ela acusou no tribunal de abuso mental e físico.
Holmes deverá apelar, processo que poderá levar anos. Mas o veredicto dividido tornará mais difícil para ela afirmar que foi acusada injustamente, como bode expiatório. Os jurados de modo geral recusaram tentativas de responsabilizá-la por pacientes que receberam resultados errados de exames de sangue.

Eles parecem ter levado a sério a instrução do juiz de que acusações de pacientes exigiriam que eles concluíssem que Holmes tinha convencido os clientes a usar seus testes em vez de um laboratório tradicional. Os jurados também não chegaram a um veredicto sobre três acusações envolvendo investidores que colocaram dinheiro mesmo depois que Holmes recusou seus pedidos de informação adicional.

Alguns já estão dizendo que Holmes deve ser poupada da prisão porque já foi punida o suficiente. Isso é ridículo. Pessoas privilegiadas que usam suas conexões e credenciais para roubar causam tanto dano a nossa sociedade quanto as que empregam métodos mais crus.

Também há uma escola de pensamento de que sentenças duras para fraude empresarial vão dissuadir outros empresários ou dificultar demais para pessoas talentosas se reinventarem depois do fracasso. Isso é exagero.

Os investidores facilmente confiam nas pessoas em quem eles acreditam. Veja o cofundador da WeWork Adam Neumann, que foi obrigado a deixar de ser executivo-chefe quando a OPI da comunidade do co-working falhou. Ele foi acusado de arrogância e modismo, mas não de malfeitos. Esta semana se soube que ele está se reinventando como um senhorio de apartamentos, com planos de abalar a habitação de aluguel.

Milhares de startups de tecnologia impressionaram investidores para contribuírem com seu dinheiro nos últimos anos, e algumas dessas companhias inevitavelmente irão decepcionar. A condenação de Holmes é uma advertência oportuna de que há uma diferença crucial entre otimismo cor-de-rosa e fraude deslavada.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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