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A Petrobras poderá celebrar? Hoje sim, a partir de amanhã, não

Lucro de petroleiras motivado por alta no preço do petróleo não irá afrouxar transição energética

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Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

Os anúncios públicos de lucros históricos das petroleiras, feitos com gotímetro ao longo deste mês, têm deixado os militantes da sustentabilidade desassossegados.

A Petrobras fechou o ano de 2021 com um lucro anual recorde de R$ 106,6 bilhões; a Galp Energia de 457 milhões de euros; a Shell de US$ 19,3 bilhões (R$ 96,7 bilhões); a BP de US$ 12,8 bilhões (R$ 64,1 bilhões) e a russa Rosneft pagará o maior volume de dividendos da sua história.

O SPDR S&P Oil & Gas Exploration & Production ETF, um índice que junta as maiores empresas de petróleo e gás, teve um desempenho extraordinário de 67% em 2021. Para quem é investidor em combustíveis fósseis, o Carnaval chegou mais cedo.

Este repasto de lucros generalizados, motivados pela alta do preço do petróleo, não deverá, contudo, afrouxar a transição energética dessas companhias. Por cinco razões.

Sede da Petrobras, no Rio de Janeiro - Sergio Moraes - 16.out.2019/Reuters

Em primeiro lugar, a demanda por petróleo deverá atingir o planalto em até 15 anos, à medida que avança a produção de energias renováveis e a eficiência das baterias automotivas, que se aperfeiçoa a tecnologia em torno de novas fontes de energia (como hidrogênio verde ou querosene verde), e que se fortalece a consciência ambiental das pessoas.

Tudo isto demanda que as petroleiras se preparem para a descarbonização e, elas próprias, se tornem maioritariamente empresas de energia renovável. Por isso, a maioria delas já estabeleceu compromissos de net zero até 2040-2050 e anunciou investimentos obesos em energias renováveis. Para isso são precisos recursos. O caixa gerado em 2021 irá ajudar.

Em segundo lugar, com a crescente obrigatoriedade das emprestas listadas reportarem centenas de dados associados às suas práticas ESG, abrir-se-à uma nova alameda para a litigação. Depois da Exxon Mobil e da Shell terem sido alvo de carnudos processos jurídicos o ano passado, a tendência é para que acionistas e ONGs usem os novos dados públicos para verificarem se existe discrepância entre a teoria do que tem sido anunciado e a prática do que é entregue na área ambiental e social. A pressão da lei será maior do que a pressão da moralidade.

Empresas com menor sustentabilidade ambiental ou social também têm um risco regulatório mais expressivo, bem como uma adaptação mais lenta e cara às próximas mudanças regulatórias. Desde 2000 que as petroleiras já pagaram US$ 53,4 bilhões (R$ 267,7 bilhões) em multas (Good Jobs First, 2022). Atualmente, em fevereiro de 2022, existem 2,545 leis e políticas climáticas em nível mundial (LSE), tendo 38 sido adotadas no Brasil. As mãos que empurram as costas das empresas para a sustentabilidade são também de juristas.

Em terceiro lugar, petroleiras que negligenciem riscos climáticos são empresas com menor valor de mercado. Um estudo da Schroders mostra que as companhias que operam em petróleo e gás são as que têm os maiores custos potenciais para segurarem os seus ativos contra o impacto das alterações climáticas físicas. O valor destas empresas pode cair 4,5% se os temas climáticos não forem devidamente endereçados.

Em quarto lugar, o custo de capital (dívida e equity) de empresas não sustentáveis é superior –cerca de 0,5% para empresas na área de energia. A academia tem sido consensual neste domínio (por exemplo: Yasser Eliwa, Ahmed Aboud, Ahmed Saleh, 2021).

Finalmente, a recente volatilidade no preço do barril de petróleo, ainda que tenha gerado lucros de curto prazo, apenas sinaliza que as petroleiras devem adotar estratégias de longo-prazo, mais resilientes ao nervosismo temporário. Petróleo e gás não são investimentos de longo-prazo. Soluções de baixo-carbono, sim.

Neste contexto, a Petrobras tem razões para celebrar? A curto prazo, sim. O mercado reagirá positivamente e a diretoria da empresa será louvada por sua aparente competência. Mas a Petrobras tem mostrado dificuldades em se esculpir em empresa de baixo carbono e em se preparar para a descarbonização.

O novo plano estratégico da empresa para o quinquênio de 2022 a 2026 amplia a aposta nos fósseis. De um total de investimentos estimado em US$ 68 bilhões (R$ 340,9 bilhões) para o período, 84% irão para a exploração e produção de petróleo —um aumento de 23% em relação ao plano anterior. Apenas US$ 1,8 bilhão (R$ 9 bilhões) serão investidos na descarbonização da sua atividade. Na direção oposta, a portuguesa Galp, por exemplo, anunciou há alguns meses que decidiu abandonar novas prospecções de petróleo e gás a partir de 2022.

A empresa anunciou também que a sua estratégia de transição para uma economia de baixo carbono está baseada na modernização das refinarias para a produção de combustíveis com menos emissões de gases de efeito estufa. É muito pouco.

Também não tem ajudado a volatilidade governativa com que a Petrobras tem sido castigada desde a sua fundação, em 1953. A empresa já teve 39 CEOs, ou seja, um novo líder a cada 20 meses. E apenas uma mulher.

Apesar do anúncio de hoje, os investidores de longo-prazo, que ainda têm a Petrobras no seu portfolio, continuam não tendo razões para celebrar.

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