Apex estende voos em classe executiva a funcionários e convidados

Mudança ocorreu dois dias após o governo liberar passagens mais caras

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Brasília

A Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) seguiu o exemplo do governo Jair Bolsonaro (PL) e ampliou a possibilidade de voos em classe executiva nas viagens internacionais realizadas por funcionários e convidados.

Entre os convidados da agência de promoção do comércio exterior estão representantes de setores produtivos no Brasil e no exterior, além de congressistas.

Antes, a benesse se restringia a integrantes da diretoria-executiva e dos conselhos deliberativo e fiscal. Incluía, em alguns casos, quem os acompanhasse.

Presidente Jair Bolsonaro participa de reunião da Apex (Foto: Marcos Corrêa/PR ) - Marcos Corrêa/PR

A agência é uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos. Vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, tem receita total prevista de R$ 1,4 bilhão em 2022 e está sujeita à influência política.

O órgão recebe recursos, tanto públicos quanto privados, por meio de contratos de gestão. A agência é fiscalizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e conta atualmente com 370 funcionários, incluindo diretores.

Procurada pela Folha, a Apex afirmou que a "revisão das normativas internas de viagens corporativas é procedimento administrativo comum, feita em bases regulares".

A mudança na compra de bilhetes aéreos atende principalmente às missões a Dubai, hoje o principal destino dos promotores comerciais.

De acordo com números da Apex, a cidade dos Emirados Árabes concentrou mais da metade dos deslocamentos ao exterior em 2021, principalmente em razão da Expo Dubai. A previsão é que o fluxo de viagens ao local ainda em razão do evento siga forte no primeiro semestre deste ano.

Uma planilha disponibilizada pela agência mostra que no ano passado as viagens internacionais custaram R$ 7,4 milhões com diárias, hospedagem e passagens. Os bilhetes aéreos responderam por 28% (R$ 2,1 milhões) da despesa. As novas regras terão impacto financeiro.

Em 12 de janeiro, Bolsonaro editou decreto autorizando que o governo compre bilhetes de classe executiva durante missões oficiais em voos internacionais para ministros de Estado e ocupantes de cargos de chefia. A autorização vale para trechos superiores a sete horas.

Dois dias depois, foi a vez de a Apex publicar instrução normativa para atualizar suas regras sobre a emissão de bilhetes aéreos e pagamento de diárias, que foram reajustadas inclusive em moeda estrangeira.

Dirigentes da agência já usufruíam do benefício de viajar na área mais cara dos aviões, independentemente do tempo de duração dos voos.

As alterações realizadas dão a gerentes e convidados da diretoria-executiva o direito a fazer os deslocamentos na classe executiva em voos com mais de sete horas de duração, excluído o tempo de escalas e conexões.

Funcionários e convidados das gerências passam a contar com o benefício em viagens superiores a 14 horas, descontadas escalas e conexões. A partir de São Paulo, por exemplo, o voo sem escalas com destino a Dubai se enquadra na categoria.

Outra inovação que contempla o mesmo grupo é para os voos com duração entre 7 e 14 horas. A classe executiva não está liberada, mas poderá ser adquirido assento diferenciado e a agência reembolsará até o limite de 50% do valor da tarifa original. Antes, a regra tinha validade para viagens superiores a 12 horas.

A divulgação de informações sobre as viagens corporativas no âmbito da Apex é recente. Uma portaria conjunta do Ministério da Economia e TCU de fevereiro de 2021 tornou obrigatória a divulgação dos dados.

Uma única planilha sobre o tema foi disponibilizada para consulta. Ela contempla informações sobre os últimos 12 meses.

Entre os mais de 400 deslocamentos catalogados, aparecem nomes de congressistas, alguns mais de uma vez —caso do líder do Republicanos na Câmara, Hugo Motta (PB), e da deputada bolsonarista Aline Sleutjes (PSL-PR).

O levantamento indica que Motta foi convidado para viagens a Berlim (Alemanha) e a Houston (Estados Unidos), em um total de R$ 58 mil em despesas para a Apex.

No caso de Sleutjes, os registros mostram viagens à Alemanha, para evento na cidade de Colônia, e ao México. A despesa total é de R$ 50,4 mil.

Procurados por meio de suas assessorias de imprensa, não houve resposta até a publicação deste texto.

Constam dois registros em nome do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr. (AL), um para a Alemanha e outro para os EUA.

Bulhões disse à Folha que não pôde ir aos EUA, mas confirmou a ida à Europa, onde participou de eventos em Berlim e Colônia, ao custo de R$ 38,6 mil.

O deputado afirmou ainda que a iniciativa da Apex de levar representantes do Congresso e dos setores produtivos para outros países traz benefícios ao Brasil.

"A presença dos setores [da economia] é muito importante, assim como a de representantes do Parlamento. As coisas ocorrem na política", disse o deputado, que acompanhou evento de agronegócios e participou de discussões da agenda ambiental.

No caso da Expo Dubai, a agência informa na planilha que custeou a ida de uma equipe da TV Record, cuja direção mantém boa relação com o Palácio do Planalto.

A reportagem entrou em contato com a emissora, mas não houve resposta.

Em nota, a Apex afirmou que a atualização das regras para emissão de passagens e revisão dos valores de diárias é procedimento corriqueiro.

"A agência segue e continuará seguindo as determinações legais", afirmou no comunicado.

Sobre os convidados que viajam às custas da agência, disse que é seu papel promover negócios brasileiros no exterior, seja em feiras internacionais ou rodadas de negócios, entre outros eventos.

"Isso inclui construir agendas com parceiros institucionais estratégicos em eventos organizados pela agência."

No governo Bolsonaro, a Apex já trocou de presidente três vezes e passou por sucessivas crises por causa de interferências ideológicas e políticas —ela tem sido usada para acomodar pessoas ligadas ao presidente e aliados desde o início do governo.

Em novembro passado, como mostrou reportagem da Folha, o chefe do Executivo mandou que a Apex abrisse uma vaga para seu médico no escritório de Miami.

Assessor especial na Presidência, Ricardo Camarinha quer se mudar para os EUA por razões familiares. Sem trabalho, a obtenção de um visto de residência seria mais difícil.

A representação é chefiada pelo general da reserva Mauro César Lourena Cid, um ex-colega da Academia das Agulhas Negras. O militar foi para a reserva do Exército em 2019.

Cid é pai do ajudante de ordem Mauro Cid, indiciado pela Polícia Federal por envolvimento no vazamento de inquérito aberto para apurar um ataque hacker à Justiça Eleitoral nas eleições de 2018.

Foi com base nesse material, ilegalmente compartilhado por ele em suas redes sociais, segundo apontou a PF, que Bolsonaro disseminou notícias falsas acerca de uma suposta vulnerabilidade das urnas eletrônicas.

O primeiro presidente da Apex foi Alecxandro Carrero, que caiu após embate com a polêmica Letícia Catel, uma amiga próxima de Eduardo Bolsonaro e do então chanceler Ernesto Araújo que fora acomodada na diretoria de Negócios.

Depois, foi a vez de deixar o posto Mario Vilalva, diplomata que acusou Ernesto de buscar esvaziar sua cadeira para fortalecer a amiga, que fora secretária-geral de forma voluntária do então partido de Bolsonaro, o PSL, em São Paulo.

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