BNDES e governo travam nova queda de braço em torno de devolução de aportes irregulares

Banco de fomento quer emplacar ritmo mais lento de pagamentos do que o inicialmente acertado com Economia

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Brasília

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) quer negociar um novo calendário de devolução dos aportes feitos pelo Tesouro Nacional durante governos petistas e que foram considerados irregulares pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

A instituição alega que teria um prejuízo de R$ 14 bilhões ao acelerar os pagamentos e deseja emplacar um ritmo mais lento para os repasses do que o inicialmente acordado com o Ministério da Economia, o que deflagrou uma nova queda de braço em torno do tema.

A medida compromete os planos da equipe econômica de agilizar o uso da verba para abater a dívida pública, que fechou o ano de 2021 em 80,3% do PIB (Produto Interno Bruto).

O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, em evento no Palácio do Planalto - Adriano Machado - 16.jul.2019/Reuters

Sem a aceleração do cronograma, a União calcula que o prejuízo recairá sobre o erário, com uma fatura de R$ 13,4 bilhões (em valores atuais) até 2040.

O valor corresponde aos subsídios implícitos, que resultam da diferença entre os juros pagos pelo Tesouro para se financiar no mercado e as taxas menores cobradas nos empréstimos concedidos pelo banco de fomento.

A determinação do TCU para que a instituição devolvesse os recursos buscava justamente reduzir o custo com esses subsídios, pagos com recursos públicos.

A discordância entre o Ministério da Economia e o BNDES já motivou a frustração no valor devolvido pelo banco em 2021. O governo esperava um repasse antecipado de R$ 100 bilhões, mas a instituição efetuou um pagamento menor, de R$ 63 bilhões.

Para este ano, o cronograma —chancelado pelo TCU— previa originalmente uma devolução de R$ 54,2 bilhões.

Como o repasse de 2021 foi menor, o Ministério da Economia espera um pagamento ao redor de R$ 60 bilhões em 2022, mas o valor ainda está em aberto.

"A gente imaginou que, ao final da consulta [no TCU], a gente teria um pouco mais de empowerment [autoridade] para discutir, em especial com o BNDES, para ele fazer uma devolução um pouco mais robusta dos recursos que ele tem", disse o secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, em evento promovido pelo Credit Suisse em 1º de fevereiro.

"Estamos discutindo com o BNDES ainda, mas eu acho que esse número não vai chegar nem perto dos R$ 100 bilhões, talvez gire em torno dos R$ 60 e poucos bilhões [para 2022]", afirmou Colnago na ocasião.

Em novembro, o saldo devedor do banco era de R$ 90,1 bilhões. Depois disso, apenas um repasse adicional de R$ 3,5 bilhões ao Tesouro foi realizado.

Técnicos envolvidos nas discussões atribuem a mudança de postura do BNDES à pressão de funcionários para preservar o pagamento de PLR (Participação nos Lucros e Resultados). Historicamente, a AFBNDES, que representa os servidores da instituição, assume posição crítica em relação às devoluções.

O BNDES nega que essa seja a motivação. "Não há qualquer relação entre os dois temas", disse, em nota. Segundo o banco, o entendimento do TCU é que "as amortizações dos empréstimos não devem penalizar a instituição repassadora dos recursos".

O presidente da AFBNDES, Arthur Koblitz, também diz duvidar da conexão entre os dois temas. "Parece implicância do governo federal com a política de participação nos resultados para funcionários de uma estatal", disse.

No entanto, o próprio TCU tem investigações em andamento para apurar se os aportes do Tesouro no banco de fomento deram lastro ao pagamento de parcelas significativas de PLR aos funcionários.

De 2008 a 2014, o governo federal capitalizou o BNDES com aportes que ultrapassaram R$ 400 bilhões, em valores históricos. A medida viabilizou o que ficou conhecido como política de campeões nacionais, que financiou grandes empresas durante os governos petistas.

No início de 2021, o TCU considerou os repasses irregulares, pois foram feitos fora do Orçamento, e determinou a negociação de um calendário para as devoluções.

Segundo a corte de contas, os pagamentos antecipados deveriam ser feitos mediante duas condições: preservação da segurança jurídica dos contratos de empréstimos concedidos (para evitar prejuízo aos tomadores) e observação dos requisitos mínimos de capital para um banco manter sua saúde financeira.

Inicialmente, o BNDES concordou com a devolução e aprovou os repasses de R$ 100 bilhões em 2021 e R$ 54,2 bilhões neste ano. Na época, o presidente do banco, Gustavo Montezano, disse ao portal Poder360 que a decisão obrigava "a devolver o dinheiro o mais rápido possível".

Em dezembro do ano passado, em acompanhamento do TCU sobre a implementação das medidas, o BNDES argumentou que as antecipações (chamadas de "cronograma de melhores esforços") imporiam perdas financeiras ao banco.

O prejuízo, segundo a instituição, significaria "indevida transferência ao BNDES do ônus decorrente da política econômica de subsídios adotada pelo governo federal". O pedido foi a inclusão de uma terceira cláusula: que as devoluções não resultem em perdas financeiras.

O TCU acolheu os argumentos do banco e determinou nova negociação com o Ministério da Economia em 30 dias. O prazo está suspenso porque o governo pediu reconsideração da decisão.

Com essa terceira cláusula, fontes do governo dizem que as devoluções serão feitas ao sabor dos desejos do banco, que terá o poder de definir a velocidade dos repasses.

No limite, o BNDES poderia efetuar pequenos pagamentos até 2040, quando se encerram os empréstimos concedidos com essa fonte de recursos.

À Folha o banco de fomento afirmou que a liquidação antecipada dos pagamentos obriga a instituição a atribuir um novo custo de captação aos recursos já emprestados.

Como esse custo é mais caro do que a taxa de juros paga pelo tomador, há prejuízo de R$ 14 bilhões, "com base nas condições atuais de mercado".

"Caso as condicionantes do cronograma alvo não sejam alcançadas, o BNDES segue seu compromisso com o Cronograma Retorno, aquele em que as devoluções estão condicionadas ao retorno das operações de crédito financiadas com recursos do Tesouro Nacional", disse a instituição.

"Demais questões referentes ao cronograma de devolução seguem em discussão nas instâncias de governança do banco", afirmou.

Koblitz, da AFBNDES, disse que a decisão do TCU de cobrar novo cronograma "confirma que o tribunal não estava confortável" com a determinação anterior.

Para a associação de funcionários, os aportes não deveriam ser considerados irregulares, pois foram previstos em leis aprovadas no Congresso, e o governo não poderia orientar a decisão de um banco sob seu controle para atingir resultados fiscais almejados.

O Tesouro Nacional não se manifestou até a publicação deste texto.

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