No ano passado, Kayla Sims começou a criar suas próprias vacas e galinhas. Ela viajou um pouco, experimentando pela primeira vez pratos como bhel puri, rolinhos maki de atum, yakisoba de carne e feijoada. Ela até cozinhou um pouco; um dia, fez um assado de costelas em coroa e um bolo de aniversário em forma de hambúrguer.
Mas ela não precisou de uma fazenda, uma passagem aérea ou um fogão —apenas de The Sims, o antigo videogame que permite aos jogadores criar personagens, chamados Sims, e construir uma vida virtual em torno deles, das casas onde moram até suas roupas e os empregos em que trabalham.
Para Sims (esse é mesmo o sobrenome dela), uma das partes mais divertidas do jogo foi a possibilidade de aprender mais sobre cozinha, agricultura, alimentação e culinária do mundo todo —tudo no conforto de sua mesa em Oviedo, na Flórida, onde ela transmite a si mesma jogando The Sims no YouTube e no Twitch com o apelido "lilsimsie".
"Não há como você ter experimentado todas essas coisas na vida", disse Sims, 22. Mas ao jogar The Sims "você aprende sobre muitos outros alimentos que nunca tinha visto. E acho que todo mundo provavelmente tem essa experiência".
Desde sua estreia em fevereiro de 2000, The Sims se tornou uma das franquias de videogame para PC de maior sucesso na história, com mais de US$ 5 bilhões (R$ 26 bilhões) em vendas em 2019, segundo sua editora, Electronic Arts. Milhões de jogadores em todo o mundo se conectam todos os dias para criar avatares de Sims e ver suas vidas se desenrolarem de maneira vívida. A popularidade do jogo cresceu muito durante a pandemia; os Simmers, como os fãs se chamam, acumularam 1,2 bilhão de horas de jogo em 2021.
Parte desse interesse novo e, para alguns, renovado talvez resulte da simples necessidade de combater o tédio. Mas grande parte da atração do jogo pode ser atribuída à capacidade dos jogadores de criar uma visão cada vez mais exata de como seus Sims vivem, se vestem e comem.
Nas primeiras versões do jogo, a comida era usada simplesmente para satisfazer a Fome, uma das necessidades básicas que todo personagem tem, ou para adicionar um elemento de exotismo quando os Sims viajavam para novos locais. Mas The Sims 4, lançado pela desenvolvedora de jogos Maxis em 2014, expandiu a profundidade e o realismo da interação dos jogadores com a comida.
"Acho que The Sims 4 foi realmente onde fizemos esse esforço consciente para admitir que a comida é mais que um lugar", disse Lyndsay Pearson, vice-presidente do lado criativo de The Sims e funcionária da Maxis desde 2002. (A Electronic Arts adquiriu a Maxis em 1997.)
Muitos Simmers citam o pacote de expansão "City Living", uma atualização de 2016, como um grande ponto de virada do jogo —ele fez da comida algo para se explorar e aprender. Os jogadores podem levar seus Sims para barracas de comida, onde não apenas encontram alimentos como adobo de porco, tagine e goi cuon, mas também podem aprender a tolerar alimentos picantes, usar os pauzinhos orientais corretamente e, afinal, adquirir a capacidade de fazer esses pratos em casa.
Hoje, os Sims podem possuir e operar um restaurante ou café, criar menus e contratar e demitir funcionários. Eles podem subir de assistente de lavador de pratos (ganhando 15 Simoleons por hora) a chef-celebridade (410 Simoleons) na carreira de Culinária, ou tornar-se críticos culinários profissionais.
Eles podem ser vegetarianos ou intolerantes à lactose, e a maioria das crianças dos Sims passa por uma fase de alimentação exigente. Sims com o traço de personalidade Foodie, uma das quase 60 características que os jogadores podem escolher quando criam um Sim, orgulham-se de comer alimentos finos e podem assistir a programas de culinária para se inspirar. Eles podem convidar amigos para um assado de salsicha na fogueira do quintal, pedir entrega de um serviço Sims chamado Zoomers, procurar ingredientes raros nas proximidades de Granite Falls ou juntar-se aos membros da família para preparar uma refeição.
Ao todo, existem mais de 300 pratos que os Sims podem experimentar ou cozinhar em mais de uma dúzia de atualizações do jogo.
Loel Phelps, diretor de projeto de The Sims, disse que sua equipe usa consultores, pesquisas e informações de funcionários com diversas origens para decidir quais alimentos e elementos de culinária e alimentação se encaixam melhor ao espírito do jogo.
"The Sims é sobre experiências reais e vividas, então, quando temos um tema ou cenário, gosto de entrar em contato com as pessoas ao meu redor ou explorar tendências gastronômicas no Instagram e no TikTok", escreveu Phelps em um email. "Quais são seus pratos icônicos favoritos? O que as pessoas comem no café da manhã, almoço, lanche e jantar naquele ambiente? Por que e como eles comem esses alimentos, e temos as ferramentas certas em uma cozinha virtual para prepará-los, servi-los e comê-los?"
Os redatores criam descrições extensas desses alimentos, explicando como eles são preparados, bem como as culturas do mundo real de onde se originaram. Quer aprender tudo sobre pho, nigiri, choripán? The Sims pode ser o seu guia.
Assim como a realidade, o mundo de The Sims é imperfeito. Alguns dos alimentos são tão pixelados que não ficam tão apetitosos. ("Algumas coisas parecem nojentas", disse Kayla Sims.) E a maioria dos pratos que os jogadores cozinham com mais frequência —como espaguete, panquecas, sopa de mariscos e caçarola de atum— ainda refletem um paladar americano branco.
Em consequência, muitos jogadores, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior, não veem seus hábitos alimentares refletidos no jogo, especialmente pratos originários do sul da Ásia ou da África.
"Gostaria de ver coisas que eu comia na infância", disse Micah Henson, 26, doutoranda em matemática aplicada na Universidade de Washington que cresceu no sul dos EUA, cozinhando ao lado de sua mãe e avó. "Como couve e macarrão com queijo e inhame cristalizado e feijão fradinho, especialmente o tradicional feijão fradinho de Ano Novo."
Um porta-voz da Maxis, que continua operando como subsidiária da Electronic Arts, disse que adicionar novos recursos, itens e culinárias "com o objetivo de fazer que todos os nossos jogadores de todas as culturas e origens se sintam representados no jogo" continua sendo uma prioridade. Na quarta-feira (16), por exemplo, pratos inspirados no Carnaval brasileiro e no Ano Novo Lunar chinês serão adicionados gratuitamente ao jogo.
Mas o processo é lento e, se houver um alimento que não existe no jogo, sempre há a opção de criá-lo —prática conhecida como "modding".
A doutora MunMun Chattopadhyay, 36, médica em Kolkata, na Índia, ganhou fama criando conteúdo alimentar personalizado de alta qualidade para The Sims. Em seu site, os jogadores podem baixar versões pixeladas de camarão com grãos, pão de milho, nasi lemak, torta de ruibarbo e tofu frito, bem como alimentos que ela comia quando criança, como frango tandoori, biryani, idli e malai kofta.
No ano passado, a Maxis adicionou oficialmente alguns itens alimentares projetados por Chattopadhyay para marcar o 21º aniversário do jogo. Mas a motivação da médica para a modificação vai além do desejo de reconhecimento formal. Como a maioria dos jogadores de Sims, ela busca uma fuga da vida cotidiana —e satisfaz seu próprio fascínio pela comida ao longo do caminho.
"Na realidade, estou apenas andando, andando e andando o dia todo, mas eu tenho um bebê e agora estou grávida de novo, então é muito agitado", disse ela. "É apenas uma espécie de realização de desejos. O que não posso fazer na vida real, estou fazendo em The Sims."
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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