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Envelhecimento do Facebook é o fantasma que ronda redes sociais

Empresa aposta no Instagram, mas jovens migram para TikTok

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São Paulo

Quando Mark Zuckerberg criou o Facebook, em fevereiro de 2004, tinha 20 anos. Hoje, com quase 38, a sua faixa etária, de 35 a 44, responde por 18% das curtidas da rede social, segundo o estudo Digital 2022 Global Overview Report, da agência de marketing digital britânica We Are Social.

Se Zuckerberg voltasse a ter 20 anos hoje, provavelmente estaria no TikTok, a mídia social que tem 43% do seu público mundial concentrado na faixa dos 18 a 24 anos. Isso vai muito além dos usuários que o Facebook possui na mesma faixa etária: 22,6%.

Snapchat (39%) e Instagram (30%) também ultrapassam com folga o Facebook quando se trata de atrair adolescentes e jovens adultos, os que mais interagem nas redes sociais.

Daí a pergunta: o Facebook está ficando velho? Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o que a maior rede social do mundo enfrenta hoje é um misto de desconfiança sobre a manipulação dos seus dados pessoais e deforte concorrência com plataformas que conseguem o engajamento do público jovem, seja por estarem em maior sintonia com as tendências, seja pela rapidez com que introduzem inovações.

Manifestante segura cartaz com representação de homem com roupa de surfista, segurando um cartaz que diz "Eu sei que prejudicamos as crianças, mas eu não me importo".
Uma manifestante em Londres protesta com um cartaz que mostra o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, surfando em uma onda de dinheiro, segurando uma bandeira em que se lê: "Eu sei que prejudicamos as crianças, mas eu não me importo." - Tolga Akmen / AFP

O grupo Facebook –que desde outubro passou a se chamar Meta– se tornou uma corporação mundial, com 70 mil funcionários, reunindo 2,9 bilhões de usuários, o equivalente a 37% da população global, o que pode torná-la um pouco lento para detectar e implementar novidades.

No último trimestre de 2021, pela primeira vez na história, perdeu usuários diários ativos, aqueles que se logam todos os dias na rede: foram 500 mil a menos, principalmente nas regiões da África, América Latina e Índia, caindo para 1,9 bilhão. O anúncio, feito no último dia 2, rendeu à empresa um tombo de 26% no valor das ações.

Os dados mostraram uma realidade que já vinha se desenhando pelo menos desde 2013, quando David Ebersman, então diretor financeiro do Facebook, afirmou que os usuários diários da empresa haviam diminuído "especificamente entre os adolescentes mais jovens".

O comentário teve um impacto negativo nas ações da empresa, o que fez com que Sheryl Sandberg, diretora de operações do grupo, criticasse o comentário como "desproporcional".

No entanto, documentos vazados por uma ex-funcionária da empresa mostram que o grupo vem apostando no Instagram para atrair e reter os usuários mais jovens, admitindo o envelhecimento do Facebook.

Segundo o jornal The New York Times, desde 2018 quase todo o orçamento anual de marketing global (algo como US$ 390 milhões) visava atrair adolescentes. A prioridade, segundo o jornal, é a categoria "ensino médio inicial", que abrange jovens de 13 a 15 anos.

A divulgação desses documentos colocou a empresa sob enorme pressão, e em outubro do ano passado, Zuckerberg disse em uma conversa com analistas que a empresa vai priorizar usuários mais jovens, em detrimento dos mais velhos. Na ocasião, o executivo disse que isso exigira uma reforma, e destacou que ela duraria anos.

"Existe uma sensação de que a rede está envelhecendo, com o movimento de migração de usuários mais jovens para outras plataformas", afirma Fernanda Vicentini, professora de estratégia de redes sociais da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

"Para uma rede social se manter, ela precisa de inovação e desenvolvimento. O Facebook sempre foi muito agressivo em relação à aquisição de concorrentes que despontavam", diz Fernanda, lembrando que a empresa comprou em 2012 o Instagram por US$ 1 bilhão e, em 2014, o WhatsApp, por US$ 19 bilhões.

"Mas aí eles começaram a esbarrar em gente que não quis ser comprada, como o LinkedIn e, especialmente, o TikTok, que é a rede do momento entre os mais jovens", afirma.

Enquanto isso, a rede de Mark Zuckerberg colecionava escândalos, que minaram a confiança do usuário.

Primeiro foi a Cambridge Analytica, em 2018: a consultoria foi alvo de investigações sobre o vazamento de dados de 87 milhões de usuários do Facebook e o uso deles para direcionar anúncios políticos e influenciar eleições.

Entre as votações suspeitas de interferência está o pleito presidencial nos Estados Unidos de 2016, que elegeu Donald Trump. Os usuários que responderam uma pesquisa da consultoria, que trabalhava para Trump, foram bombardeados com mensagens políticas.

Em outubro do ano passado, veio à tona uma série de reportagens no jornal americano The Wall Street Journal sobre o modus operandi do Facebook, a partir do relato de uma ex-executiva da empresa, Frances Haugen.

A ex-funcionária acusou a empresa, com base em documentos, do que chamou de "falência moral": o Facebook trabalha com algoritmos que incentivam a discórdia; suas ferramentas são projetadas para criar dependência e aumentar o consumo; a empresa faz pouco para controlar o crime organizado.

"Acredito que os produtos do Facebook prejudicam as crianças, intensificam a divisão e enfraquecem a nossa democracia", disse.

Procurada pela Folha, a Meta não quis comentar. Depois de todos os escândalos e perda de prestígio, Mark Zuckerberg está disposto a mergulhar no Metaverso, um mundo online povoado por avatares, com tecnologia de realidade virtual e aumentada. ​

Na opinião de Issaaf Karhawi, doutora em Ciências da Comunicação pela USP (Universidade de São Paulo), o fato de o nome do Facebook estar no centro de campanhas que disseminam fake news é uma parte importante da perda de novos usuários da rede. Mas não é a única justificativa.

"A arquitetura do Facebook foi ficando ultrapassada, quando comparada ao desenho das redes mais novas", diz Issaaf, autora do livro "De blogueira a influenciadora" (editora Sulina). "O Facebook não é uma mídia de imersão, como Instagram e TikTok, que têm um scroll [rolagem] infinito e prende muito mais o usuário", afirma.

Segundo ela, a última grande inovação do Facebook foi em 2008, quando a rede introduziu a funcionalidade ‘check-in’, o que gerou uma enxurrada de posts de usuários marcando o local onde estavam –cinema, restaurante, praia etc.

Para continuar no páreo, é preciso muito investimento e conexão com as tendências, diz.

"O Instagram ganhou popularidade ao introduzir os filtros e fazer com que todo mundo pudesse atingir a estética impecável. Já o TikTok foi na contramão disso e trouxe ao usuário o desafio de ser autêntico: não tem foto, é só vídeo, e você precisa prender a atenção das pessoas, é entretenimento", diz Issaaf.

Ana Paula Passarelli, diretora de operações da agência Brunch, que trabalha com influenciadores digitais, afirma que o público mais velho vai deixando de exigir novidades e se sente confortável em navegar em determinada rede.

"Mas os mais jovens não, querem explorar recursos, serem surpreendidos, nenhuma rede vai convencê-los se ficar no comodismo", diz ela, especialista em comunicação e semiótica.

"Não vamos mais ter um novo ‘dono do parquinho’ e isso é muito bom, acredito na multiplicação de canais de comunicação, para fazer frente às big techs".

Nessa linha, plataformas antes restritas a grupos de usuários vão ganhando mais adeptos, como o Discord (que concorre com o WhatsApp) e o Kwai (que faz frente ao TikTok).

O poderio econômico do Facebook, porém, continua inegável. A Meta (que inclui Facebook, Instagram e WhatsApp) faturou US$ 117,9 bilhões no ano passado, uma alta de 37% sobre 2020. Mas os anunciantes não estão indiferentes aos perrengues.

"O Facebook ainda é a principal forma de patrocínio via rede social, mas está ficando velho", diz Rafael Beraldi, diretor de marketing e novos negócios da agência Camelo Digital. "Quem tem menos de 40 usa muito pouco o Facebook", afirma.

O Instagram também já deixou de ser novidade. "Os influenciadores mais ativos estão migrando do Instagram para o TikTok", diz. A rede controlada pela chinesa ByteDance, aliás, é um desafio para o marketing das companhias, diz Beraldi.

"O TikTok reflete o senso de humor da geração Z, que é muito direta, autêntica, e para quem o dinheiro não é o que mais importa", diz o executivo, referindo-se aos nascidos entre 1995 e 2010.

"É preciso encontrar uma maneira de fazer as marcas dialogarem com esse público", afirma. Dos recursos investidos em redes sociais hoje por clientes da Camelo, 70% vão para o Instagram, 20% para o Facebook e 10% para o TikTok.

Na opinião de Alexandra Avelar, diretora no Brasil da americana Emplifi, plataforma que faz a gestão da experiência do cliente nas redes sociais, em algum momento, o Facebook deixará de ser relevante.

"O fato de não vermos uma renovação da audiência já é um sinal de alerta", diz a executiva, que atende grandes empresas como McDonald’s, Delta Airlines e Ford.

Levantamento da Emplifi para a Folha mostra o número de interações com a marca (likes, compartilhamentos, comentários) a cada mil visualizações. Em dezembro de 2019, o Facebook no Brasil respondia por 19,5 interações por mil visualizações. Em dezembro de 2020, caiu para 11 e, em dezembro passado, para 7.

Em comparação, o Instagram apresentou, em dezembro de 2021, 130 interações por mil visualizações. Apesar de o alcance comercial do Instagram ser mais de 18 vezes superior ao do Facebook, a rede social preferida dos influenciadores brasileiros já viu dias melhores: eram 206 interações em dezembro de 2020 e 224 em dezembro de 2019.

"Em um primeiro momento da pandemia, houve um aumento das interações em todas as redes, depois houve uma queda, possivelmente pela saturação do uso", diz Alexandra. "Mas o recuo foi mais acentuado no Facebook, os usuários foram migrando para outras redes. Tem gente ainda que nunca passou por Facebook, já foi direto para o Instagram ou TikTok. Ver o pessoal postando as dancinhas aguça a curiosidade", diz.

Para a executiva, o Facebook tem total ciência desse envelhecimento e tenta tirar o melhor resultado possível dentro da sua base de usuários, que não exige muita inovação. "Eles testam mais novidades no Instagram", diz.

​Ao que tudo indica, como nós, as redes sociais envelhecem e morrem, como foi o caso do Orkut, desativado pelo Google em 2014.

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