Governo recicla medida investigada que permite explorar porto seco sem licitação

Plano é dar 25 anos de licença para unidades com prazo vencido ou prestes a vencer

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro (PL) planeja repetir medida investigada no governo Dilma Rousseff (PT) que vai atropelar a exigência de licitações para dar a empresários de logística licença de 25 anos para exploração dos chamados portos secos.

Trata-se de terminais afastados do mar que fazem importação e exportação de produtos.

A medida é estudada enquanto ao menos 20 das mais de 60 unidades pelo país estão com o prazo de concessão ou permissão expirado ou têm data final prevista para este e os próximos anos —até 2025.

A legislação exige que novas licitações sejam feitas, mas o plano do governo prevê um atalho para que as atuais empresas continuem suas operações.

A intenção é criar um novo regime legal ligado a portos secos e abrir uma janela para que as companhias migrem para o novo modelo, dando a elas, na prática, direito a uma nova licença de mais de duas décadas.

Atualmente, a proposta está sendo estudada por membros do Ministério da Economia e seria implementada por meio de uma medida Provisória, que tem força imediata de lei e abriria a janela de migração.

Conforme relatado à Folha, a medida é uma demanda das empresas e as discussões são acompanhadas de perto pelo lobby do setor.

A medida em estudo repete uma estratégia executada em governos anteriores. Em 2006 e 2013, foram criadas MPs por parte dos governos da ocasião (Lula e Dilma, respectivamente) que, na prática, prorrogaram as licenças para exploração das unidades.

As MPs 320/2006 e 612/2013 permitiram que os portos secos em operação até então se transformassem em Centros Logísticos e Industriais Aduaneiros —os Clias—, que tinham condições mais vantajosas, principalmente por não terem prazo final.

As MPs não foram aprovadas pelo Congresso, mas o período de vigência bastou para 23 empresas fazerem a migração para o novo regime.

A MP de 2013 foi alvo cinco anos depois do MPF (Ministério Público Federal), que investigou um suposto esquema de pagamentos da EcoRodovias a uma funcionária da Casa Civil em troca do texto. A Elog, subsidiária do grupo até então, foi beneficiada pela medida.

Procurada, a EcoRodovias afirmou que a Elog não faz mais parte do grupo, que prestou todos os esclarecimentos solicitados pelo MPF na época e que não recebeu, até o momento, novas atualizações sobre o andamento do inquérito.

Na época, a EcoRodovias informou ao mercado "ter regularmente buscado defender o interesse institucional da Elog, empresa de logística à época integrante do grupo, de abrir o mercado de recintos alfandegados".

Além disso, a empresa disse que contratou escritórios ligados a uma funcionária da Casa Civil da época "para elaboração de consultas e opiniões legais relativas a matérias tributárias e previdenciárias e para consultorias em questões aduaneiras e tributária".

Agora, a medida volta à discussão com apoio da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Para a entidade, é necessário fazer os portos secos serem outorgados por meio de autorização (e não concessão ou permissão).

A justificativa da CNI é que a autorização seria mais dinâmica porque dispensaria licitação, possibilitaria liberdade de preços e não imporia um prazo final. A entidade afirmou que o atual modelo emperra a expansão do número de unidades.

"As restrições impostas pelo regime de concessão ou permissão às operações dos portos secos são desnecessárias e inadequadas", disse a entidade em análise publicada no ano passado.

"A expansão do setor não reflete a dinâmica do mercado, mas depende de iniciativas do poder concedente, dificultadas pelos procedimentos burocráticos envolvidos e os percalços que, em geral, acompanham o processo licitatório", afirmou.

O país tem hoje 69 portos secos e Clias distribuídos em 49 cidades de 14 estados, segundo a entidade. O estado de São Paulo conta 25 dessas instalações, ou 36% do total de unidades do país.

Hoje, existem os portos secos licitados a partir de 2003 (com prazo de contrato de até 35 anos), os portos secos licitados antes de 2003 (até 20 anos) e os Clias (cuja licença vale por prazo indeterminado).

Os que conseguiram entrar nos modelos mais recentes têm um retorno maior sobre o investimento.

Uma das justificativas do Ministério da Economia para a reformulação do marco regulatório é buscar unificar as regras e dar isonomia às empresas, com condições concorrenciais iguais aos competidores.

Para os membros da pasta envolvidos no tema, é necessário desenvolver políticas públicas para incentivar a expansão dos portos secos para o interior a fim de que o Brasil possa se beneficiar da maior competitividade diante das demandas do comércio global.

O Ministério da Economia, a CNI e a Abepra (Associação Brasileira dos Portos Secos e Clias) preferiram não fazer declarações.

"Não temos comentários a fazer a respeito de eventuais alterações na legislação que regula o funcionamento dos portos secos. Nos manifestaremos eventualmente, quando houver movimento oficial concreto no sentido de alterar a legislação", afirmou a Abepra.

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