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Grupo de economistas do PT incha, mas rumo ainda depende de Lula

Núcleo criado para formular políticas espera definição de coalizão ampla desejada pelo ex-presidente

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São Paulo

Economistas ligados ao PT têm várias ideias para arrumar as contas do governo e convencer os críticos do partido de que Luiz Inácio Lula da Silva adotará políticas responsáveis se voltar ao poder. Eles têm também uma certeza: o ex-presidente não quer apostar em nenhuma delas agora.

Com a proximidade das eleições presidenciais e o petista na liderança das pesquisas, o grupo interessado em participar da formulação de políticas para um novo governo Lula está crescendo, mas o espaço que terá para influir no desenho da sua plataforma de campanha ainda é incerto.

Homem de barba e cabelos brancos, com camisa clara, gesticulando ao falar numa reunião. Ao seu lado, uma mulher jovem, loira, de blusa branca e máscara de proteção contra o coronavírus. Veem-se outros participantes da reunião ao fundo e num telão instalado para os que participam remotamente.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, durante encontro com economistas do partido em janeiro. - Ricardo Stuckert/Divulgação

O ex-presidente tem apresentado linhas genéricas de um futuro programa econômico em seus pronunciamentos, mas tem evitado acenos ao mercado financeiro como os feitos na corrida presidencial de 2002, quando assumiu compromissos claros com a estabilidade da economia antes da eleição.

"É preciso que a gente recupere a democracia, para que a gente possa colocar a desigualdade na ordem do dia como prioridade de um governo, e não colocar como prioridade o teto de gastos", afirmou Lula em janeiro, durante uma entrevista a jornalistas de sites simpáticos à sua candidatura.

Dias antes do evento, numa reunião com 35 economistas ligados ao partido, ele deixou claro que não pensa em indicar tão cedo um porta-voz para assuntos econômicos e estimulou os presentes a participar mais ativamente do debate público, expressando suas opiniões em caráter pessoal.

Na avaliação dos petistas, antes de qualquer outra definição sobre o que ele pretende fazer se for eleito presidente, será preciso esperar a conclusão das negociações em curso para montagem da coalizão partidária ampla que Lula deseja para o lançamento de sua candidatura, provavelmente em março.

Lula quer ter como vice da chapa o ex-governador Geraldo Alckmin, seu adversário nas eleições de 2006. Alckmin deixou o PSDB e está em busca de outra sigla para participar da eleição. As articulações de Lula incluem partidos à sua direita, como o PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab.

Somente depois é que será possível definir a estrutura da campanha e os responsáveis pela elaboração do programa do candidato. Se a presença de economistas do PT é garantida, é provável também que eles terão companhia de gente que até agora só acompanhou seus debates pelos jornais.

"Não temos problema em dialogar com quem não é do nosso campo", diz Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do grupo de economistas do PT. "Lula tem clareza sobre seus objetivos e saberá definir a estratégia adequada na hora certa".

Criado há três anos como um dos núcleos de acompanhamento de políticas públicas da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, o grupo incorporou dezenas de membros nos últimos meses, incluindo ex-ministros de governos petistas, parlamentares e dirigentes partidários.

Nem todos participam ativamente dos debates, mas todos foram incluídos num grupo de WhatsApp em que boa parte das discussões ocorre. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, entrou. O ex-ministro José Dirceu, que deixou o governo Lula em meio ao escândalo do mensalão, também.

O ex-ministro Guido Mantega só entrou no núcleo da Fundação Perseu Abramo recentemente. Interlocutor habitual de Lula, ele foi indicado pelo petista para representá-lo quando a Folha convidou os candidatos à Presidência a escrever artigos sobre seus planos econômicos, no início de janeiro.

Em junho do ano passado, o grupo criado pela fundação tinha 32 integrantes, entre os quais 29 economistas. Com a abertura a novos participantes, o total atingiu 88 membros, dos quais 56 com formação em economia. A maioria tem ligações antigas com o PT, mas nem todos são filiados ao partido.

Mello divide a coordenação com o ex-ministro Aloizio Mercadante, atual presidente da Fundação Perseu Abramo e ligado à Unicamp como ele. Mercadante deu aulas em Campinas até os anos 1990. Pelo menos 25 economistas do grupo passaram pela Unicamp em algum ponto da carreira.

"Não vejo ideias novas surgindo desse grupo", diz o economista Nilson Teixeira, sócio da gestora de investimentos Macro Capital. "Lula parece empenhado em buscar uma aliança ampla para se eleger, e isso exigirá novos compromissos quando chegar a hora de definir um programa de governo."

O núcleo petista participou da redação do "Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil" lançado pela Fundação Perseu Abramo na pandemia, em setembro de 2020. O documento propõe que o governo volte a assumir papel central na economia e aumente gastos para tirar o país da estagnação.

"Caberá ao Estado planejar, projetar, gastar, induzir e estimular a retomada do crescimento e a geração de empregos", afirma o texto. "Os falsos limites dados pela ortodoxia fiscal permanente e pelo absurdo e insustentável teto de gastos [...] precisam ser eliminados com urgência."

A fundação organizou um seminário para discutir o documento com Lula no ano passado, mas o evento acabou sendo abortado para que todos pudessem acompanhar o julgamento em que o Supremo Tribunal Federal anulou a condenação de Lula no caso do tríplex de Guarujá, realizado no mesmo dia.

Meses depois, o Instituto Lula convidou um dos formuladores do Plano Real, André Lara Resende, para um debate com um professor da Unicamp, Marcelo Manzano, assessor da Fundação Perseu Abramo. O economista teve outros contatos com integrantes do partido, em caráter informal.

Lara Resende participou do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas tornou-se um crítico do receituário econômico convencional e abraçou ideias heterodoxas, como a de que o Brasil tem condições de se endividar mais para financiar investimentos públicos sem causar desequilíbrios.

É consenso no grupo do PT a ideia de que o teto de gastos adotado no governo Michel Temer para conter a expansão dos gastos públicos deve ser abolido, mas seus integrantes se dividem sobre a necessidade de substitui-lo por outro mecanismo que imponha disciplina às despesas do governo.

Nelson Barbosa, que foi ministro da Fazenda e do Planejamento no governo Dilma Rousseff, defende a adoção de um regime com metas para investimentos e outros gastos, compromisso com uma trajetória sustentável da dívida pública e avaliações periódicas dos programas do governo.

A ideia foi incorporada a uma emenda constitucional proposta pela bancada do PT no Senado em 2020, mas não avançou no Congresso. A cúpula do partido nunca demonstrou entusiasmo pela proposta. "Somos contra qualquer tipo de âncora fiscal", disse Gleisi Hoffmann à CNN em janeiro.

"É preciso saber o que se deseja fazer com a política fiscal no primeiro ano do próximo governo, e quanto", diz Barbosa, que é colunista da Folha. "Todos concordam que será preciso ter flexibilidade, mas é difícil discutir um plano sem ter ideia das ações que serão necessárias no curto prazo."

Desde o início do ano, Lula tem defendido uma revisão profunda da legislação trabalhista, incluindo mudanças introduzidas pela reforma aprovada no governo Temer, que aboliu o imposto sindical compulsório descontado dos assalariados e formalizou contratos de trabalho no regime intermitente.

O assunto tem sido debatido pelas centrais sindicais, que devem apresentar uma pauta de reivindicações em abril. Um dos membros do grupo do PT, Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), participa das discussões.

"Não se trata de simplesmente revogar o que foi aprovado antes, mas de repensar as relações de trabalho e a necessidade de proteção social num contexto em que há problemas novos, como a situação dos trabalhadores de aplicativos", afirma Ganz, que é sociólogo e não é filiado ao PT.

Lula também tem falado numa nova política industrial e sugeriu recentemente que aguarda a conclusão de estudos da Fundação Perseu Abramo para definir um plano. O objetivo, segundo ele, é identificar setores em que empresas brasileiras possam se tornar competitivas se receberem apoio oficial.

Há dúvidas sobre a melhor estratégia, diz Esther Dweck, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membros do grupo defendem prioridade para setores voltados para demandas da área social, como a saúde. Outros querem promover indústrias com potencial para crescer, como a do petróleo.

"Todos concordam sobre a necessidade de recuperar a indústria, que sofreu muito nos últimos anos no Brasil", afirma Dweck. "Os Estados Unidos e outros países desenvolvidos estão investindo muito nisso também, adotando inclusive políticas de caráter protecionista em certos setores."

Vários economistas do grupo, como Mercadante e o professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, também participaram dos debates internos do PT na campanha eleitoral de 2002, quando Lula promoveu uma guinada no discurso do partido ao prometer conter a expansão dos gastos e da dívida pública.

Após a vitória, o petista escolheu Antonio Palocci como seu ministro da Fazenda e lhe deu liberdade para formar sua equipe. Nenhum membro do grupo que atuou na campanha foi chamado. Palocci rompeu com o PT em 2017, após ser preso pela Operação Lava Jato e decidir colaborar com a Justiça.

"Os petistas usam a estrutura do partido para se projetar, mas o futuro governo dependerá de muitas coisas que ainda estão indefinidas", diz o economista Otaviano Canuto, que fez parte da equipe de Palocci. "A chave do que pode vir a ser um novo governo do PT está na cabeça de Lula, não na do partido."

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