Descrição de chapéu Financial Times Rússia União Europeia

Além de invadir Ucrânia, Rússia pode usar exportações de energia como arma

Com sanções do Ocidente, o que acontece se Putin interromper exportações de petróleo e gás

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Nova York e Texas | Financial Times

Uma coisa terrível para começar: a Rússia está em guerra com a Ucrânia. Vladimir Putin anunciou a invasão ontem à noite. O petróleo Brent passou dos US$ 100 pela primeira vez desde 2014. Os países ocidentais poderão reforçar as sanções contra a Rússia.

Bem-vindo de volta à Fonte de Energia.

Em qualquer outro momento, o maior leilão de energia eólica offshore da América seria manchete no noticiário de energia. Calcula-se que o processo de licitação em andamento apresente somas recordes à medida que os possíveis desenvolvedores lutam pela oportunidade de erguer turbinas no litoral de Nova York e Nova Jersey.

Mas, por enquanto, o foco dos mercados globais de energia —e do mundo em geral— está na situação na Ucrânia, onde o presidente russo, Vladimir Putin, ordenou ontem à noite uma invasão militar em grande escala, desencadeando o que poderá ser o maior conflito na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

Vladimir Putin, presidente da Rússia, discursa em cerimônia, em Kubinka - Ramil Sitdikov/Sputnik/AFP

Como as sanções ocidentais contra a Rússia deverão ser intensificadas em resposta, nossa principal pergunta hoje é o que poderá acontecer se Putin retaliar interrompendo as consideráveis exportações de petróleo e gás do país.

Nossa segunda nota é sobre uma reunião entre o principal diplomata para o clima dos Estados Unidos, John Kerry, e o magnata do xisto Harold Hamm. O Data Drill mergulha no último relatório da Agência Internacional de Energia sobre metano.

Os preços do petróleo Brent ultrapassaram US$ 100 o barril por temores de que a Rússia corte o fornecimento de petróleo russo aos mercados globais. Mas os fluxos de petróleo provavelmente permanecerão ilesos por enquanto.

O presidente Joe Biden disse no início desta semana que "defender a democracia e a liberdade nunca é sem custo", reconhecendo que a escalada das tensões está alimentando a alta do petróleo.

No entanto, as autoridades americanas têm afirmado com ênfase que não vão aplicar sanções ao petróleo russo de uma forma que prejudique os consumidores americanos na bomba, enquanto a inflação aumenta.

"Fomos bastante firmes para garantir que os efeitos de nossas sanções sejam dirigidos à economia russa, não à nossa", disse um alto funcionário do governo em um briefing no início desta semana. "Nenhuma das medidas visa interromper o fluxo de energia para os mercados globais", acrescentou ele.

É claro que o presidente Putin também terá sua opinião. Ele vai reduzir o fornecimento de petróleo em retaliação às sanções econômicas?

A Rússia produz cerca de 10 milhões de barris por dia de petróleo bruto, dos quais aproximadamente 4,5 milhões de barris/dia são exportados, sendo um dos maiores fornecedores de petróleo do mundo. Cortar parte ou toda essa oferta em um mercado global de petróleo já apertado faria os preços subirem bem acima de US$ 100 o barril e causaria estragos nas economias ocidentais.

Essa poderia se tornar uma frente tentadora numa guerra econômica. Mas a reação a Putin seria substancial e difícil de conter.

Por um lado, a política interna de um corte no fornecimento de petróleo seria mais complicada para Putin do que para o gás. A grande maioria das exportações de gás é realizada pela estatal Gazprom, enquanto o petróleo é exportado por um conjunto maior de empresas, muitas das quais são de propriedade privada. Um embargo de petróleo sustentado poderia irritar muitos desses produtores privados e forçar o fechamento de campos, potencialmente prejudicando o suprimento russo em longo prazo.

Putin também corre o risco de prejudicar sua própria economia, a menos que o aumento de preços resultante compense os menores volumes de exportação —situação que pode se prolongar se os preços caírem posteriormente, mas a Rússia não conseguir recuperar sua participação de mercado.

As consequências no exterior, enquanto isso, seriam muito mais difíceis de conter do que um corte nos fluxos de gás. Enquanto a Rússia poderia infligir danos econômicos mais direcionados à Europa, restringindo o gás ao continente, o corte dos fluxos de petróleo seria sentido nas bombas de combustível globalmente, atingindo inimigos e aliados como a China. Até os parceiros da Opep+ de Moscou ficariam irritados com um aumento descontrolado de preços.

Nada disso quer dizer que Putin não possa ou não vá cortar o fornecimento de petróleo para os mercados globais. Mas em uma guerra de energia o petróleo seria a opção central.

​E o gás?

O gás natural é uma arma muito mais fácil para a Rússia mobilizar. Embora o corte do fornecimento de petróleo desencadeie consequências mais amplas, os mercados de gás são muito mais localizados.

Cerca de 40% das importações de gás da Europa vêm da Rússia. E Moscou poderia exercer pressão imediata sobre o continente ao fechar as torneiras, com repercussões limitadas nos mercados globais.

Analistas da Rystad Energy estimam que o risco de Moscou decidir "reduzir ou interromper" os fluxos de gás para a Europa só aumentou desde que a Alemanha suspendeu a certificação do gasoduto Nordstream 2.

Os preços de referência do gás europeu já estão cinco vezes mais altos do que neste período no ano passado —e saltaram 20 euros nesta semana, para quase 90 por MWh (R$ 569,00), com os corretores temendo a possibilidade de retaliação russa às sanções ocidentais.

Se o Kremlin decidir dar a cartada do gás, as opções da Europa são limitadas: as importações africanas estão em declínio e não há muito para aumentar a oferta doméstica.

Espera-se que uma nova estratégia energética seja anunciada por Bruxelas na próxima semana, com o objetivo de afastar o continente do gás russo —mas isso levará anos para ser implementado.
Por enquanto, a Europa tem gás estocado para aproximadamente um mês, segundo o Conselho de Relações Exteriores. As distribuidoras têm cerca de mais nove semanas de fornecimento.

As importações de gás natural liquefeito seriam o principal método para preencher a lacuna. Os Estados Unidos têm coordenado esforços com países como Japão e Qatar para fornecer mais remessas de GNL para a Europa. Mas com os mercados apertados o continente terá que pagar pelo privilégio.

Os analistas da ClearView Energy Partners, em Washington, observaram:

Quando se trata de gás natural, o GNL é a única alternativa realista disponível em larga escala em um curto espaço de tempo. Substituir o gás de gasoduto russo por importações de GNL em uma base contínua pode ser teoricamente possível, mas também proibitivamente caro.

Justin Jacobs e Myles McCormick

​Nós não tínhamos isso em nosso quadro de previsões

Se você previu que após um ano de governo Biden o enviado climático dos EUA, John Kerry, se sentaria em Washington para discutir a energia americana com Harold Hamm, o pioneiro do petróleo de xisto e ex-aliado de Donald Trump, parabéns: seu prêmio está a caminho.
Mas houve uma reunião, em 19 de janeiro.

Ambos são muito ricos. Mas, de outra forma, é difícil imaginar um contraste maior do que aquele entre Hamm, o "self-made man" de Oklahoma nascido na pobreza, e Kerry, o graduado da Ivy League que fala francês e exala seu status de elite da Costa Leste.

Hamm me contou sobre sua reunião com Kerry quando eu estive recentemente em Oklahoma City para entrevistar o executivo-chefe da Devon Energy, Rick Muncrief. Hamm disse que Kerry o contatou depois que eu relatei em um perfil de Hamm no mês passado que o enviado climático não havia respondido a pedidos anteriores para uma reunião com Hamm.

"Conversamos muito", disse-me Hamm. O barão do xisto disse que discordou de algumas das alegações de Kerry.

"Ele está sempre lançando esses números sobre o petróleo e o gás serem subsidiados", disse Hamm.

"'John', eu disse, 'perfurei mais buracos secos do que qualquer pessoa viva. E ninguém nunca me pagou um centavo'."

(Os críticos dos subsídios de petróleo e gás dos EUA, que o governo Biden prometeu reduzir, citam um grande leque deles.)

As notícias do encontro não ajudarão a dissipar as ideias de que, diante do aumento dos preços do petróleo, o governo Biden —que inicialmente parecia tão focado no combate às mudanças climáticas— está se aproximando da indústria americana de combustíveis fósseis, a maior fonte de emissões americanas.

Do xisto ao carvão, os combustíveis fósseis americanos hoje estão crescendo. A promessa do presidente de parar o fraturamento de xisto em terras federais desmoronou. O tão elogiado ataque ao metano pelo governo foi criticado como muito brando pelos gestores de ativos. Funcionários da Casa Branca, do presidente para baixo, pediram repetidamente aos produtores de petróleo que forneçam mais petróleo.

Hamm diz que não é republicano nem democrata —​é um "oleocrata". Mas tem sido uma voz frequente na política de Washington em ambos os lados do corredor, apoiando Donald Trump nos últimos anos, mas também pressionando o governo de Barack Obama para legalizar as exportações de petróleo bruto dos EUA.

Os dois também discutiram a poluição por metano, de acordo com Hamm. Kerry citou o histórico negativo da indústria do petróleo. Hamm, que apoiou os esforços de Trump para acabar com as regras contra poluição por metano da era Obama, contestou a afirmação de Kerry. "Quão prejudicial é isso realmente?", perguntou.

Muito, disse o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC na sigla em inglês) da ONU. O governo Biden fez da contenção do metano —um gás de efeito estufa virulento— uma pedra angular de sua política climática, e Kerry foi fundamental em um acordo global para reduzir as emissões de metano, considerado uma prioridade na luta climática. Parece improvável que Hamm tenha mudado a opinião de Kerry.

Um porta-voz do Departamento de Estado confirmou que os dois se encontraram e conversaram brevemente sobre a transição para energia limpa e as oportunidades de abordar as emissões de metano. Hamm também pediu para se encontrar com Gina McCarthy, a czar do clima doméstico de Biden.

Perfuração de dados

À medida que os preços da energia disparam em todo o mundo, tapar os vazamentos de metano pode aliviar as pressões sobre os preços e reduzir as emissões do setor, diz a AIE (Agência Internacional de Energia).

Se todos os vazamentos de metano em 2021 fossem captados e comercializados, mais 180 bilhões de metros cúbicos de gás estariam disponíveis para o mercado; é o suficiente para o setor de energia da Europa, de acordo com o recém-lançado Global Methane Tracker da AIE.

A AIE também descobriu que as emissões de metano do setor de energia foram amplamente subnotificadas por 70% dos governos em todo o mundo. A organização cita essas informações incompletas e a falta de conscientização sobre a lucratividade da redução como principais barreiras para manter os níveis de metano baixos.

Pontos de poder

  • Os produtores de gás dos EUA estão buscando o rótulo de "fonte responsável" para manter clientes e aliviar a pressão dos investidores sobre as emissões, mas isso gerou acusações de lavagem verde.
  • O mercado de trabalho está tendo mais empregos verdes, mas os cargos tendem a ir para homens da geração do milênio, com formação universitária, relata a Kristen Talman, da Moral Money.
  • A mineradora Rio Tinto entregou o segundo maior pagamento na história corporativa do Reino Unido, faturando com a alta dos preços de suas principais commodities.

Tradução de Luiz M. Gonçalves

Myles McCormick , Justin Jacobs , Amanda Chu e Derek Brower
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