Descrição de chapéu Folhajus

Após 30 anos, Câmara aprova texto-base de projeto que libera jogo do bicho, cassino e bingo

Deputados ainda precisam analisar sugestões de modificações ao projeto; presidente Jair Bolsonaro afirmou que vetaria o texto caso aprovado

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São Paulo e Brasília

A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (24) o texto-base do projeto que legaliza cassinos, bingos e jogo do bicho no país, derrotando tentativas de obstrução de grupos evangélicos e católicos e sob críticas de parlamentares sobre a urgência de votar a proposta neste momento.

Para conseguir votar o texto, o relator do projeto, deputado Felipe Carreras (PSB-PE), fez uma série de concessões para tentar diminuir a resistência. No entanto, ele fracassou em obter o apoio da oposição e de grupos religiosos, que passaram a apostar em um veto do presidente Jair Bolsonaro (PL) à proposta. ​

O texto-base foi aprovado por 246 a 202. Agora, os deputados precisam analisar nesta quinta sugestões para modificar a proposta, que, a seguir, vai para o Senado.​

Homem grisalho com terno, discursando
O deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE), em Brasília - Divulgação

A votação foi marcada por tentativa de obstrução das bancadas evangélica e católica, que citaram questões regimentais para tentar convencer o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a adiar a votação.

Lira, porém, manteve a intenção de votar a proposta. "Nós estamos para votar ou não, para aprovar ou não um projeto que gera polêmica. As polêmicas nós resolvemos no plenário", afirmou. "Eu sempre deixei claro que esta Casa teria autonomia para que o plenário decidisse sobre os mais diversos temas, sem preconceito de nenhum deles, quando fui eleito presidente desta Casa."

Lideranças evangélicas fizeram fortes críticas ao projeto. O deputado Sóstenes Cavalcante (União Brasil-RJ), presidente da frente parlamentar evangélica, afirmou que a votação "afeta, em especial, a vida dos mais pobres, dos aposentados, que são os primeiros a desenvolver a compulsão, o vício dos jogos de azar."

"A legalização dos jogos de azar é um desastre às famílias dos brasileiros", disse. "O mais coerente nesta noite é observarmos o que é importante para o povo brasileiro. E legalizar jogos de azar neste momento não é bom para o povo brasileiro."

O governo liberou seus deputados, mas lembrou que Bolsonaro pode vetar o texto. "O governo libera a sua base, até porque tem partidos que têm entendimentos diferentes, e o presidente da República manterá sua prerrogativa de veto caso o projeto tramite e chegue para sua apreciação", afirmou o vice-líder do governo Evair de Melo (PP-ES).

O projeto votado foi apresentado pelo deputado Renato Vianna (MDB-SC) em 1991 e tramitou com alguma regularidade até 1995, quando travou. O tema foi retomado rapidamente em 2008, mas também sem avanços. Em 2015, foi criada uma comissão especial para debater o texto. O colegiado produziu um relatório, usado por Carreras como base para fazer seu parecer.

O deputado protocolou um primeiro relatório no fim da noite de terça-feira (22), o que levou parlamentares contrários a pedirem ao menos 24 horas para conseguirem analisar o texto.

Ao longo de toda esta quarta, o relator percorreu bancadas de partidos para tentar negociar ajustes que permitissem eliminar parte da resistência ao projeto. O novo parecer, porém, só foi protocolado no sistema após 21h, quando a votação já tinha começado.

O parecer de Carreras busca regulamentar jogos de cassino, bingo, jogo do bicho, turfe [corrida de cavalo] e jogos online. Carreras incluiu em seu relatório cassinos turísticos —hotéis que poderiam explorar a atividade—, e ampliou o número de licenças de cassinos em alguns estados, como Pará e Amazonas, em decorrência de sua extensão territorial.

A previsão até então era que o número fosse de acordo com a população, mas passará a computar também extensão territorial no caso dos dois estados da região Norte.

Outra mudança foi a possibilidade de cassinos em embarcações fluviais por um período de 30 dias —para que não se configurassem como cassinos ancorados.

O deputado também falou sobre a redistribuição da chamada Cide-Jogos, contribuição de 17% incidente sobre a receita bruta decorrente da exploração da atividade.

A contribuição será repartida entre Embratur, financiamento a ações do esporte, proteção a jogadores e apostadores, proteção animal, segurança pública, saúde e cultura.

Para acomodar demandas de congressistas, o relator reduziu para 16% o percentual destinado aos entes federados —eram 20% para fundos de participação de estados e 20% para os de municípios—​ para contemplar recursos a ações de prevenção de desastres naturais e ao Fies (fundo de financiamento estudantil).

De acordo com o texto, após o abatimento dos prêmios pagos, as operadoras deverão repassar diretamente ao financiamento da formação de atletas 0,68% da receita bruta. Desse percentual, 0,48% serão destinados ao CBC (Comitê Brasileiro de Clubes) e 0,2% para o CBCP (Comitê Brasileiro de Clubes Paralímpico).

O relator manteve a incidência de Imposto de Renda de 20% sobre o prêmio líquido igual ou maior que R$ 10 mil.

Outro pleito que Carreras acatou foi a criação de uma agência reguladora que fará parte do Sistema Nacional de Jogos e Apostas, formado também pelo Ministério da Economia, operadoras de jogos e apostas e outros.

O relator negou que as alterações tivessem como objetivo tentar conquistar votos favoráveis ao projeto.

"Não mudou posição do PT [que fechou questão contra o texto]. A gente não está negociando voto, estamos negociando coerência, melhorar o relatório. Tanto é que mesmo com uma boa sugestão dele, a gente vai acatar e não vai ter o voto deles", disse.

Carreras ainda defendeu que os parlamentares estão cientes de todas as alterações que serão realizadas no texto.

"Todo mundo está sabendo de tudo que está sendo conversado. Eu vou disponibilizar para os colegas. Isso que a gente está fazendo são emendas de plenário que a gente vai acatar pelo relator. Tudo é público. As emendas de plenário estão lá publicadas e públicas", disse.

Para cassinos, Carreras estabeleceu limites às licenças. Será concedida uma para unidades da federação com até 15 milhões de habitantes. Estados que tiverem entre 15 milhões e 25 milhões de habitantes poderão ter duas, e os que tiverem mais de 25 milhões de habitantes terão possibilidade de receber três licenças.

O Executivo poderá conceder a exploração de jogos em cassinos em complexos integrados de lazer para até dois estabelecimentos, no máximo, nos Estados com dimensão superior a um milhão de quilômetros quadrados.

No entanto, o relator vedou a construção de cassinos a menos de 20 km de áreas de proteção ambiental, de praias e de regiões ocupadas por populações tradicionais.

As mudanças não alteraram a disposição das bancadas religiosas de tentar barrar o texto. O presidente do Republicanos, partido ligado à Igreja Universal, Marcos Pereira (SP), afirmou que orientaria contra o projeto, mas admitiu que alguns parlamentares da legenda poderiam votar a favor da proposta.

"A gente respeita a posição deles. Acho que tem voto para passar", disse. "E o governo, pelo que ouvi, vai vetar", complementou, antes de reconhecer que o Congresso poderia derrubar a decisão presidencial.

Bolsonaro já disse em inúmeras ocasiões que pretende vetar o projeto. "Pretendo vetar a questão dos jogos no Brasil, acho que não estamos maduros para avançar nessa questão aí. Só tem muita gente que defende, se eu vetar e derrubar o veto, vamos respeitar", afirmou, no final de dezembro.

Segundo lideranças evangélicas, o presidente enviou mensagens para deputados pedindo que votassem contra o projeto, em uma tentativa de convencer congressistas de partidos da base.

Nesta quarta, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente licenciado do PP, foi evasivo ao falar sobre a possibilidade de veto. "Vamos aguardar primeiro a decisão do Parlamento", disse ao deixar evento de filiação do ex-deputado Rogério Rosso ao PP.


O PL dos Jogos de Azar

O que é o projeto?
O projeto de lei propõe que seja expressamente admitida no Brasil a exploração de jogos de:

  • cassino
  • bingo
  • bicho
  • turfe (corrida de cavalo)
  • online

O que diz o projeto sobre o imposto a ser cobrado das empresas e dos jogadores?

  • A proposta estabelece a Cide-Jogos, com alíquota fixada em 17% para os jogos, e a taxa de fiscalização para emissão da licença
  • Já a incidência do Imposto de Renda sobre as Pessoas Físicas ganhadoras de prêmios será de 20% sobre o ganho líquido, ou seja, sobre o prêmio deduzido do valor pago para apostar ou jogar.

Como serão concedidas as licenças*?

Cassinos: a licença será por meio de licitação do tipo técnica e preço proposto e maior proposta para obter a licença e com capital integralizado de R$ 100 milhões. Há vedação para mais de um estabelecimento por estado ao mesmo grupo econômico e mais de cinco para o mesmo grupo econômico no território nacional

Há também o limite de 1 licença por estado com até 15 milhões de habitantes, 2 licenças para estados entre 15 milhões e 25 milhões de habitantes e 3 licenças para os com mais de 25 milhões de habitantes. Houve mudanças para ampliar o número de licenças em estados com maior extensão territorial, como Pará e Amazonas.

Bingos: Limitação de 1 bingo a cada 150 mil habitantes e com máximo de até de 400 máquinas de vídeo bingo por estabelecimento

Jogo do bicho: Há limitação de quantidade por estado, com liberação de 1 "bicheiro" para cada 700 mil habitantes em cada estado.

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