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Novo surto de Covid espreme economia da China

Produção em algumas fábricas é interrompida e pandemia afeta setor de alimentação; governo tenta estabilizar crescimento

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Yu Hairong Zhang Yukun
Pequim | Caixin

Os esforços da China para estabilizar o crescimento econômico estão enfrentando novos solavancos, perturbando uma recuperação já frágil.

A atual onda de surtos de Covid-19 –os piores desde o início de 2020– infectou mais de 50 mil pessoas em todo o país, e medidas para conter a disseminação do vírus levaram a bloqueios de cidades, interromperam a produção em algumas fábricas e espremeram os setores de turismo e alimentação. O impacto no crescimento do PIB chinês no primeiro trimestre poderá ser uma queda de 0,3 a 0,8 pontos percentuais, segundo alguns analistas.

Os dados econômicos promissores dos dois primeiros meses de 2022 também não são para se comemorar, pois muitos analistas disseram que a previsão é mais sombria do que parece e que a atividade econômica poderá desacelerar em março.

Oficial de trânsito usa equipamento de proteção, enquanto controla o acesso a um túnel em direção ao distrito de Pudong, em Xangai
Oficial de trânsito usa equipamento de proteção, enquanto controla o acesso a um túnel em direção ao distrito de Pudong, em Xangai - Hector Retamal - 28.mar.22 / AFP

Na reunião do Legislativo nacional no início de março, a China anunciou que espera um crescimento do PIB este ano "em torno de 5,5%", meta que segundo muitos economistas é desafiadora. A segunda maior economia do mundo enfrenta o que os formuladores de políticas estão chamando de "pressões triplas" –a redução da demanda, a disrupção no fornecimento e o enfraquecimento das expectativas–, e eles têm enfatizado a necessidade de estabilizar o crescimento econômico.

Todos os olhos estão fixos no governo central para ver qual será sua próxima medida para sustentar o crescimento.

Números e desafios

A economia chinesa parece ter tido um início forte em 2022. Os dados de janeiro-fevereiro divulgados pelo Departamento Nacional de Estatísticas apresentaram uma imagem promissora de recuperação depois que o crescimento do PIB nacional caiu para 4% ao ano no quarto trimestre de 2021.

Apesar dos dados fortes de janeiro e fevereiro, "a China deverá ter uma desaceleração acentuada em março" por causa dos últimos surtos de Covid-19 e da adesão do país ao princípio da "Covid zero", disseram economistas da Macquarie Capital em nota publicada no início do mês.

A fraca demanda ainda afeta os gastos do consumidor, e o impacto da Covid-19 no setor de serviços continua sendo um empecilho, disseram especialistas numa reunião econômica em 14 de março.

Além dos surtos de Covid no país e do aumento dos preços das commodities provocado pela guerra na Ucrânia, a depressão no setor imobiliário, um motor da economia chinesa, também está pesando no crescimento.

A China se prepara para até 16 milhões de novos candidatos a empregos urbanos em 2022, o maior número em vários anos, disse o primeiro-ministro Li Keqiang em entrevista coletiva após a conclusão das "Duas Sessões". O endurecimento de políticas em setores como ensino particular e plataformas de internet impactou a capacidade de algumas empresas contratarem, segundo alguns analistas. Estabilizar o crescimento econômico será chave para criar empregos suficientes para suprir essa demanda.

Para reforçar o desenvolvimento econômico, a China vem lançando novas políticas e medidas. Nos primeiros meses de 2022, os governos locais aceleraram a emissão de títulos de objetivo especial (SPBs na sigla em inglês), uma importante fonte de financiamento para investimentos em infraestrutura. Pequim também prometeu mais cortes fiscais para empresas, adiou planos de expandir um programa piloto de imposto predial e está atenuando gradualmente as restrições no mercado imobiliário. Enquanto isso, os formuladores de políticas lançaram medidas de apoio a várias indústrias, incluindo o setor de serviços, para amortecer o impacto da pandemia.

Apoiando empresas

Em uma reunião presidida pelo premiê Li na semana passada, o Conselho de Estado, o gabinete ministerial da China, prometeu entregar quase 1 trilhão de yuans (R$ 750,9 bilhões) em restituições de impostos para pequenas e microempresas e donos de empresas individuais. Pagamentos de transferência adicionais de 1,2 trilhão de yuans serão alocados a governos locais para apoiar seus esforços em implementar restituições fiscais e cortes de impostos e taxas, assim como garantir o emprego, segundo a reunião.

Há anos, os cortes de impostos e taxas fazem parte do kit de ferramentas da China para apoiar empresas. De 2016 a 2021, o país reduziu as cargas de impostos e taxas em estimados 8,6 trilhões de yuans (R$ 6,45 trilhões), disse o vice-ministro da Economia, Xu Hongcai, em entrevista no mês passado.

Segundo o relatório anual de trabalho do governo que Li apresentou ao Legislativo superior no início do mês, as restituições fiscais e cortes num total recorde de 2,5 trilhões de yuans este ano deverão aliviar a tensão financeira nas empresas –em particular de pequeno e médio porte– em setores que incluem manufatura, serviços de pesquisa e técnicos, proteção ambiental, eletricidade, gás e transporte.

Uma pesquisa dos custos de produção das companhias feita pela Academia Chinesa de Ciências Fiscais, um grupo de pensadores financiado pelo governo, mostra que apesar dos cortes fiscais e de taxas, a maioria das empresas ainda teve de lutar com os altos custos em 2021. A pandemia e outras fontes de incerteza poderão aumentar seus custos de produção, segundo o relatório da pesquisa, que foi publicada em fevereiro.

"O segredo é estabilizar as expectativas das empresas para que não percam a esperança", disse à agência Caixin uma fonte ligada a formuladores de políticas, em fevereiro. Em comparação com o apoio político em curto prazo durante uma desaceleração econômica, é mais importante aliviar as preocupações das empresas por meio de ações concretas, como reformas, disse. Ele acrescentou que é importante proporcionar às empresas um período de transição para facilitar a adaptação às novas políticas regulatórias.

Nos últimos dois anos, a China emitiu uma série de medidas para endurecer a regulamentação dos setores de internet, ensino particular e imobiliário, bem como IPOs no exterior, pressionando as empresas relacionadas.

Se a China vai abrandar sua política de Covid zero é outro fator que pode impactar profundamente os negócios. De 1º a 24 de março, mais de 50 mil pessoas em 28 das 31 regiões de nível provincial do continente chinês foram infectadas na última onda de Covid-19, que cresceu rapidamente nas últimas semanas.

Algumas cidades adotaram medidas rigorosas para acabar com o vírus. Shenzhen, o centro industrial do sul, bloqueou comunidades residenciais e parques industriais e suspendeu o transporte público durante uma semana. Xangai também entrou num bloqueio de duas fases no início desta semana.

Os surtos estão afetando a construção e o transporte de carga, bem como o setor de serviços, disseram alguns analistas.

O impacto da Covid no crescimento do PIB da China no primeiro trimestre poderá ser um prejuízo de 0,3 a 0,7 ponto percentual, disseram analistas da CICC (China International Capital Corp.) em uma nota de pesquisa em 20 de março. Um relatório da Hua Chuang Securities previu uma perda maior, de 0,8 ponto percentual.

A China agiu para ajustar suas políticas de controle de Covid para que afetem menos a economia. No início de março, a Comissão Nacional de Saúde revisou seu protocolo de resposta à Covid-19 com grandes mudanças nos critérios de diagnóstico, tratamento e exigências de quarentena. A revisão foi feita para lidar com os crescentes surtos da variante ômicron e indica um passo em direção a controles mais brandos, disseram especialistas.

Em uma reunião em 17 de março, o presidente Xi Jinping pediu melhores medidas para maximizar a eficácia no controle do surto com menor custo, minimizando o impacto na sociedade e na economia.

Emprego


Embora a meta de crescimento do PIB chinês para 2022 seja inferior à do ano passado, de "acima de 6%", ela aumentou a meta de emprego. O objetivo é manter a taxa pesquisada de desemprego urbano abaixo de 5,5%. Isso é mais ambicioso do que a meta do ano passado de "cerca de 5,5%". O relatório de trabalho do governo deste ano destacou o objetivo de estabilizar as empresas para preservar o emprego.

Cerca de 10,8 milhões de recém-formados –1,7 milhão a mais que no ano passado– vão procurar emprego em 2022, e transformá-los em força de trabalho será uma prioridade importante para os formuladores de políticas, disse Zhong Zhengsheng, economista-chefe da Ping An Securities, em artigo publicado no início deste mês. Zhong alertou que serviços, imóveis, aulas particulares e internet –entre outras áreas da economia– poderão se tornar mais fracos na criação de empregos por causa da pandemia e do endurecimento regulatório.

No relatório de trabalho deste ano, o governo prometeu ampliar os canais de emprego, estabilizar as entidades do mercado e permitir que as startups desempenhem um papel importante na melhoria do crescimento do emprego. Ele também disse que as políticas terão maior peso para ajudar as empresas dos setores de varejo, turismo, transporte, alimentação e hospitalidade, que têm grande capacidade de emprego.

Investimento do governo

Para 2022, o governo central destinou 3,65 trilhões de yuans (R$ 2,74 trilhões) em SPBs, que financiam principalmente projetos de infraestrutura, o mesmo que no ano passado. Combinado com o dinheiro restante arrecadado dos SPBs no ano passado, os fundos reais disponíveis desses títulos podem ser maiores do que esse número, disseram economistas. Os lucros entregues por instituições estatais, como o 1 trilhão de yuans do banco central, ao Ministério da Economia do país também contribuirão para os fundos transferidos para os governos locais. Com os cofres mais cheios, os governos locais ficarão mais à vontade para financiar investimentos em infraestrutura.

O governo pediu às cidades que façam "investimentos proativos" em infraestrutura como transporte, energia, gasodutos urbanos e grandes projetos de conservação de água.

Wang Tao, chefe de pesquisa econômica da China no Banco de Investimentos UBS, estimou que o crescimento do investimento em infraestrutura este ano pode chegar a 5% a 6%, um salto em relação à taxa de crescimento estável do ano passado.

O governo central tem antecipado as cotas do SPB deste ano para aumentar os gastos com infraestrutura local, mas alguns analistas disseram que é muito cedo para dizer quanto a medida impulsionará o crescimento.

Uma pesquisa do CICC com empresas de materiais de construção mostrou que não houve um aumento acentuado na demanda em infraestrutura e que pode levar tempo para que as políticas e o financiamento entrem em vigor.

Mercado imobiliário ganha força

O mercado imobiliário da China cresceu no primeiro semestre de 2021 antes de sofrer uma queda, com as restrições regulatórias a empréstimos deixando os desenvolvedores em dificuldade para pagar suas dívidas. As perspectivas de mercado ainda são incertas em 2022. Em fevereiro, um indicador chave de hipotecas residenciais caiu pela primeira vez em pelo menos 15 anos, e as vendas das cem principais construtoras caíram quase pela metade ano a ano. Em uma entrevista coletiva em março, um importante regulador bancário disse que a tendência de uma bolha imobiliária foi essencialmente revertida e que o governo não quer ver nenhum ajuste drástico que possa prejudicar a economia.

O relatório de trabalho do governo disse que o país agiria para estabilizar os preços dos terrenos e da moradia, juntamente com as expectativas do mercado. Os formuladores de políticas também estão comprometidos em acelerar o desenvolvimento do mercado de aluguel em longo prazo e a construção de moradias populares, de acordo com o relatório. Este enfatizou que são necessárias políticas específicas para cada cidade para garantir um desenvolvimento estável em longo prazo. As restrições anteriores estão sendo flexibilizadas, e mudanças nas políticas habitacionais ocorrem em nível local.

Em 16 de março, numa medida que foi vista como uma forma de estabilizar as expectativas dos investidores, a China anunciou que adiaria uma expansão do programa piloto de imposto predial este ano. A reforma planejada pode sobrecarregar os mercados imobiliários locais e aumentar a pressão de liquidez sobre as incorporadoras. Vários departamentos regulatórios prometeram neutralizar os riscos no setor imobiliário ou apoiar a indústria.

Esse é um crédito positivo em geral para as incorporadoras classificadas, embora os riscos de inadimplência permaneçam porque levará tempo para que as políticas façam efeito e melhorem o sentimento do mercado, disse a Moody's Investors Service em um relatório de março.

(Colaboraram Ma Chengyao, Fan Qianchan e Cheng Siwei)

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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