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Rússia

A guerra e a dependência externa brasileira no setor de fertilizantes

País não reduzirá necessidade de importação, mas precisa praticar planejamento estratégico

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Claudia Cheron König

Pesquisadora do Insper Agro Global

Camila Dias de Sá

Pesquisadora do Insper Agro Global

Marcos S. Jank

Professor de Agronegócio Global do Insper e coordenador do Insper Agro Global

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia deixou clara a forte dependência do agronegócio brasileiro em relação a fertilizantes importados. O Brasil, com um consumo de 8,3% da produção global, fica atrás apenas da China (24%), da Índia (14,6%) e dos Estados Unidos (10,3%). Juntos, esses quatro países representam quase 60% do consumo mundial, mas das quatro nações apenas o Brasil tem produção doméstica de baixa relevância, o que coloca o país na sensível posição de maior importador de fertilizantes do mundo.

A velocidade de crescimento da demanda brasileira —ampliada com a ocorrência de duas a três safras sobre a mesma área agrícola e com o aumento de áreas cultivadas por meio da chamada integração lavoura-pecuária (ILP)— superou a taxa de crescimento mundial, e seu atendimento ocorreu, em geral, por meio do aumento de importações. Atualmente, cerca de 85% dos fertilizantes consumidos no Brasil tem origem estrangeira, uma dependência externa que tem se elevado conforme aumenta a demanda por insumos agrícolas.

A dependência das importações de fertilizantes pelo Brasil há anos tem provocado um debate sobre novas políticas públicas e privadas para aprimorar o funcionamento desse mercado. O grande volume de importação deixa os custos das atividades agrícolas excessivamente vulneráveis às oscilações cambiais e às possibilidades de interrupções de fornecimento —é o caso da atual conjuntura.

Lavoura de café na Chapada de Mina - Leo Drumond/NITRO/Sebrae/Divulga

No entanto, o baixo custo de importação e o fornecimento regular —pelo menos até o momento— sempre desincentivaram maiores investimentos privados. Outro elemento que cabe destacar é o fato de a demanda brasileira estar concentrada no segundo semestre, o que possibilita relativo poder de barganha ao país na aquisição contracíclica internacional dos insumos, tornando os investimentos privados ainda menos atrativos. Também não existia até então uma visão mais estratégica de longo prazo, com a consolidação de um plano nacional para fertilizantes.

Ainda em 2021, o forte aumento dos preços dos fertilizantes, aliado à dependência externa, acendeu o sinal amarelo para o setor, em consequência da crise energética vivenciada na Europa e na China. Essa crise foi decorrente do aumento do preço do gás natural, matéria fundamental para a produção de fertilizantes nitrogenados, além da pressão ambiental, principalmente na China, maior consumidor de carvão do mundo. Com o intuito de atender às suas metas ambientais, o governo do país asiático aumentou o preço da eletricidade, o que levou à redução da produção de insumos agrícolas, e ao consequente aumento de preços, além de uma restrição às exportações para garantir o consumo interno. Logo, preços elevados para a safra 2022/2023 já eram aguardados. Com a eclosão da guerra, o alerta passou para vermelho, criando uma situação ainda mais complexa, não apenas com impacto nos preços, mas também com o risco de fornecimento.

A Rússia é o 2º produtor mundial de potássio, respondendo por cerca de 20% da produção global. É também o 2º produtor de fertilizantes nitrogenados (com 10% de participação) e o 4º de fertilizantes fosfatados (7%). Em termos gerais, representa quase 13% do comércio global dos principais intermediários (amônia, rocha fosfática, enxofre) e quase 16% dos acabados. Em 2021, respondeu por 23% das importações de fertilizantes feitas pelo Brasil, superando a China, países do Oriente Médio, o Marrocos, a Belarus e o Canadá.

Tudo indica que a interrupção do comércio com a Rússia, ocasionada pelos embargos impostos pelo Ocidente, terá impacto na disponibilidade global de fertilizantes. Além da dificuldade russa de negociar e realizar pagamentos com parceiros externos, soma-se a ruptura logística da cadeia de fertilizantes ocasionada pelo conflito, já que parte significativa das exportações é feita pelo Mar Negro, região considerada zona de guerra em virtude do risco para as embarcações.

Um planejamento estratégico com visão de longo prazo para o setor de fertilizantes já é uma demanda antiga no Brasil. No Plano Nacional de Fertilizantes, previsto para ser divulgado até o final do mês de março, a meta principal é reduzir a necessidade de importação de adubos para cerca de 60% do consumo em 30 anos. Ou seja, não se trata de um plano que poderá ser executado no curto prazo, uma vez que envolve outros setores, com destaque para a mineração e o setor energético no caso dos fertilizantes nitrogenados. Tal plano acarretará propostas legislativas para facilitar a produção de fertilizantes no país, regras de licenciamento ambiental para a exploração de jazidas e necessidade de permissão para a extração dos minerais em terras indígenas. Portanto, trata-se de um cenário complexo de longo prazo envolto em temas cada vez mais sensíveis à pressão da sociedade civil organizada, tanto dentro como fora do país.

A situação é grave, contudo ainda é cedo para prever impactos concretos no setor. Segundo a Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos), o Brasil possui atualmente um estoque de fertilizantes para os próximos três meses, e o governo vem buscando alternativas para substituir as importações da Rússia no curto prazo. A ministra Tereza Cristina esteve em negociações com o Irã e o Canadá, voltando com propostas concretas de aumento de importação desses países, além da possibilidade de aumentar a importação de países como o Marrocos e o Chile.

No caso dos fertilizantes nitrogenados, os Estados Unidos e outros países do Oriente Médio e norte da África se configuram como alternativas ao fornecimento russo. Além do Irã, Egito, Arábia Saudita, Catar e Argélia também são fornecedores potenciais. Para os potássicos, Israel e Jordânia são alternativas. A China, principal parceiro comercial brasileiro em soja e outras commodities, também está no jogo da oferta. Portanto, mais do que nunca, é importante a manutenção da boa diplomacia nas negociações com potenciais fornecedores.

A redução da dependência não ocorrerá no curto prazo, mas é prioritário que esse planejamento seja levado a cabo com seriedade, mesmo quando a fase mais aguda da crise passar. Uma política agrícola sobre o tema deve também considerar instrumentos de incentivo a práticas agrícolas sustentáveis e regenerativas e a utilização de bioinsumos. O uso de fertilizantes de forma mais racional pode levar a uma redefinição significativa no consumo do insumo. Isso não implica reduzir a importância do uso de fertilizantes para a produtividade das lavouras, mas adotar um manejo mais sustentável e aplicações mais eficientes. Trata-se de um plano estratégico de longo prazo para o setor, que precisa ser colocado em andamento o mais breve possível.

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