Ainda minoria, mulheres tentam ampliar presença na construção

Movimentos almejam criar mais lideranças femininas para o mercado imobiliário

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São Paulo

Dois grupos de mulheres do setor de construção comandam iniciativas para mudar a dominância masculina entre as lideranças do segmento.

Fundado em 2019 pela arquiteta Elisa Tawill, autora do livro "Proprietárias – a ascensão da liderança feminina no setor imobiliário" (Maquinaria Editorial, 192 págs., R$ 27,92), o Mulheres no Imobiliário reúne cerca de 700 profissionais.

O grupo debate sua participação no mercado e ajuda outras mulheres a ingressarem no setor, com capacitação gratuita para aquelas que perderam o emprego durante a pandemia e desejam se tornar corretoras de imóveis.

Uma pesquisa realizada pelo grupo em janeiro de 2021, feita em parceria com a DataStore com 803 mulheres que atuam no setor, constatou que 61% delas já passaram por situações que as deixaram ofendidas ou constrangidas enquanto exerciam a atividade profissional, sendo que 40% relataram episódios de assédio sexual, 28% de assédio moral e 21% de machismo.

Mulheres em sala, posando para foto, metade sentadas e metade em pé
Encontro do grupo Mulheres no Imobiliário, que fomenta a presença feminina no setor - Divulgação

A pesquisa também mostrou que, entre as profissionais que são mães, 44% relataram dificuldade para retomar o trabalho após a licença-maternidade.

"São ambientes que foram historicamente preenchidos por homens", diz Tawill, que ressalta a prevalência de profissionais vindos de cursos de engenharia, economia e direito no setor imobiliário.

O GRI, clube do mercado imobiliário que reúne os principais executivos de empresas do setor, também percebeu que tinha pouca representatividade feminina e decidiu agir. No ano passado, foi criado o GRI Women in Real Estate Brazil Committee (Comitê Brasil das Mulheres de Real Estate).

"Em 2019, tínhamos no máximo 30 mulheres em um evento com 450 pessoas, por muito tempo fui uma das poucas mulheres nas reuniões", afirma Patrícia Frazatto, diretora do GRI e responsável pelo comitê.

O grupo, que hoje reúne 50 executivas, visa aproximar essas mulheres, que muitas vezes só conheciam profissionais homens em empresas concorrentes, e fomentar novos negócios entre elas.

"O nosso ponto principal é que elas se conheçam e que possamos dar holofote a elas, que sejam convidadas para apresentarem painéis [nos eventos do clube]".

Frazatto também focou em aumentar o número de mulheres inscritas no clube, mesmo que ainda não façam parte do comitê. Se em 2019 eram 20, no final de 2021 já havia 169 cadastradas.

Mulheres sentadas em cadeiras, em sala, em duas filas
Grupo de executivas do mercado imobiliário participam de debate promovido pelo GRI - Divulgação

Na outra ponta do mercado, nas imobiliárias, a presença feminina já é maior. A plataforma de comercialização de imóveis EmCasa, por exemplo, possui 47% do time de vendas formado por mulheres, e elas têm apresentado uma performance melhor do que a de seus colegas homens —em quatro dos últimos seis meses, corretoras registraram a melhor marca de vendas.

"Isso mostra a capacidade das mulheres de se conectarem mais facilmente com as pessoas, conseguirem transmitir empatia com o cliente, o que faz com que tenham resultados expressivos no nosso mercado", afirma Amanda Lins, diretora de pessoas da EmCasa.

Renée Silveira é uma das poucas mulheres à frente de incorporadoras. Desde o início de 2019 ela é diretora de incorporação da Plano&Plano, uma das maiores do segmento econômico no país.

Há 15 anos na empresa, ela lembra que quando começou sua carreira na incorporadora havia apenas duas mulheres em cargos de gerência —atualmente são 8, contra 14 homens— e parecia impensável ter uma mulher na função que ocupa.

"Quando assumi o cargo de diretoria, várias mulheres que trabalham aqui na empresa ou no segmento me ligaram para elogiar, vendo o quanto isso era representativo, principalmente para as estagiárias", diz.

Silveira analisa que, em poucas gerações, as mulheres já avançaram muito em seus direitos e presença no mercado de trabalho, mas que ainda precisam se provar mais do que seus colegas homens para atingir os mesmos cargos e reconhecimento.

Quando tinha apenas 17 anos, ela já decidiu que não teria filhos, e conta que era possível perceber o alívio dos profissionais quando citava isso em entrevistas de emprego.

"É uma situação complicada, porque normalmente os donos das empresas ou CEOs são homens", diz Silveira. "Existe sempre essa preocupação do quanto uma mulher se dedicaria, para estar em cargo de chefia".

Mulher branca com camisa branca sorrindo, ao lado de janela
Renée Silveira, diretora de incorporação da Plano&Plano, no escritório da empresa, em São Paulo - Divulgação

Ela acredita, no entanto, que há hoje uma maior disposição das empresas para promover um equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e um movimento de encarar a maternidade de forma mais humanizada, o que vai ajudar mais mulheres a chegarem a cargos de liderança.

Para a diretora de incorporação, ser mulher também traz vantagens para o trabalho no mercado imobiliário, como uma melhor capacidade para negociar e gerenciar diferentes tarefas ao mesmo tempo, características necessárias nas incorporadoras.

Tawill lembra que iniciou o primeiro evento do Mulheres no Imobiliário já pensando no fim da iniciativa. "Abri o encontro desejando que em alguns anos o movimento não precisasse existir, que fosse algo natural", afirma. ​

​Mulheres são foco de iniciativas de fintechs

No último dia 17, a fintech de crédito imobiliário ​Crediall lançou uma linha de crédito imobiliário específica para o público feminino, a Crediall Mulher. O projeto foi feito em parceria com Elisa Tawill, do Mulheres no Imobiliário, e a empresa vai direcionar 2% dos ganhos para iniciativas de combate à violência doméstica, como a plataforma Mapa do Acolhimento.

A linha terá suporte jurídico e financeiro gratuito para as mulheres, e afirma que contará com taxa abaixo de 8% ao ano.

Segundo Paulo Carrete, fundador da Crediall, a empresa está construindo um sistema de algoritmos para combater o que ele acredita ser um viés negativo no score para as mulheres no mercado de crédito. Os motivos seriam o fato de as mulheres ainda ganharem menos do que os homens e o impacto da maternidade na carreira delas.

"Os bancos não falam diretamente, mas a gente percebe que quando uma mulher compra sozinha, acaba ou tendo dificuldades para aprovar [o crédito] ou aprovando um pouco menos em relação a um homem que compra sozinho", diz Carrete.

Em novembro, a startup chilena Creditú também começou a atuar no Brasil com foco em oferecer crédito imobiliário para mulheres, informais e jovens. Na época, o presidente-executivo do negócio, Ignácio Alamos, afirmou que esses grupos enfrentam mais dificuldade para acessar o financiamento por não conseguir estabilidade no trabalho ou não ter tanto dinheiro guardado.

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