Brasileiras em Portugal apostam no empreendedorismo para driblar baixos salários

Em 2020, 75% dos projetos de empreendedorismo de brasileiros apoiados pelo Alto Comissariado para as Migrações eram de mulheres

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Lisboa

Insatisfeita com as vagas de trabalho e as propostas de salário que encontrava em Portugal, a mineira Eduarda Meireles, 29, estava prestes a ir embora do país quando, em março de 2020, a pandemia da Covid-19 a obrigou a mudar de planos.

A jovem decidiu então unir as receitas ensinadas pelas avós à experiência do recém-terminado curso em gestão e produção de pastelaria para lançar sua própria empresa: a Matuta, especializada em doces que remetem às tradições brasileiras

As vendas, que começaram pelo Instagram, já se expandiram para o fornecimento a cafés e restaurantes. O próximo passo é a abertura de um espaço físico.

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Eduarda Meireles é a fundadora da Matuta, especializada em doces brasileiros - Divulgação

"Ter o próprio negócio não significa que nós vamos trabalhar menos e ganhar mais. Pelo contrário, às vezes a gente trabalha o triplo e também fecha o mês no aperto. Empreender significa trabalhar muito, mas com a diferença de que eu faço isso para mim. Tem sido uma experiência muito recompensadora", descreve.

O empreendedorismo tem sido uma das grandes apostas da comunidade brasileira em Portugal, que conta com a presença cada vez maior de profissionais liberais e de trabalhadores mais escolarizados. Em 2021, o número de brasileiros residentes no país ibérico cresceu pelo quinto ano consecutivo e chegou a 209.072 pessoas, o recorde da série histórica.

Segundo dados do ACM (Alto Comissariado para as Migrações), órgão do governo português que presta auxílio aos migrantes, cerca de 75% dos projetos de empreendedorismo de brasileiros apoiados pela entidade em 2020 eram chefiados por mulheres.

A criação do próprio negócio costuma ser uma das principais alternativas para as baixas remunerações em Portugal, onde 25% dos trabalhadores vivem com um dos menores salários mínimos da União Europeia: 705 euros (aproximadamente R$ 3.880).

Para os imigrantes, as perspectivas laborais podem ser ainda mais amargas. Um relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) indicava que, em 2020, trabalhadores estrangeiros tinham rendimentos 29% menores do que os portugueses. Um valor bem acima da média dos países desenvolvidos (13%) e da própria UE (9%).

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Meireles estava prestes a ir embora de Portugal quando, em março de 2020, a pandemia da Covid-19 a obrigou a mudar de planos - Divulgação

Presidente da Casa do Brasil em Lisboa, ONG que presta auxílio à comunidade brasileira em Portugal, Cyntia de Paula avalia que um dos maiores desafios aos imigrantes é a valorização profissional e o reconhecimento das habilitações em Portugal.

"Podemos até ter trabalho, mas é muito recorrente na nossa vida, enquanto migrantes brasileiros, a narrativa dos trabalhos em condições precárias. Há uma dificuldade da nossa comunidade, sobretudo de quem chegou nos últimos anos, de conseguir colocação profissional qualificada", afirma.

Segundo Cyntia, em muitos casos, ainda persiste o estereótipo do imigrante que só consegue trabalhar em postos menos qualificados, embora haja cada vez mais migrantes de alta escolaridade e vasta experiência profissional.

"Há perfis muitos diversos de pessoas dentro da nossa comunidade, não podemos falar de um só perfil de imigrante brasileiro em Portugal", avalia.

Após mais de uma década de experiência em grandes empresas no Brasil, Vanessa Asturiano decidiu abrir a Clique Mais, uma empresa de marketing digital. Após estudar o mercado português, a empresária identificou uma lacuna na oferta de consultoria de tráfego pago.

Vanessa Asturiano, brasileira que abriu uma agência de marketing digital em Portugal - Arquivo pessoal

Ela relata que o empreendedorismo lhe garantiu liberdade financeira e flexibilidade geográfica, já que pode trabalhar remotamente enquanto viaja.

"Consegui mais flexibilidade para viajar, que é algo que eu amo. Com a pandemia não deu tanto para fazer isso, mas eu pretendo ir em dezembro ao Brasil e passar dois meses, para fugir do inverno daqui e ficar com a minha família", planeja.

Vanessa diz que tomou tanto gosto pelo tema que passou a fazer parte ativamente de um grupo de mulheres empreendedoras em Portugal.

"Empreender também tem suas dificuldades, é bem mais instável. Em um mês entram mais clientes, em outros é mais difícil. Mas empreender foi algo que me deu muita liberdade", completa.

Vivendo em Portugal há quatro anos, a empresária carioca Jackeline Marini diz ter se surpreendido positivamente com a facilidade para abrir uma empresa no país europeu, mesmo em pleno confinamento em razão da pandemia.

"Portugal tem um programa de abertura de empresa na hora, que eu sei que funciona muito bem. Mas, como estava tudo fechado no lockdown, eu não pude usar. Felizmente, havia a opção de fazer com um advogado, que tinha permissão para tratar disso. Saímos na hora com a nossa certificação, foi bem rápido e desburocratizado", enumera.

De família portuguesa e com uma forte ligação ao país, Jackeline decidiu unir a experiência no mercado gastronômico brasileiro às tradições culinárias lusitanas. O resultado foi a Sous Chef Experience, que oferece uma seleção de molhos e temperos do segmento premium.

"O português compra muito pela tradição, pelo menos na minha percepção. Então, fizemos produtos que unem a tradição à inovação. O resultado tem sido muito positivo", diz.

Com produtos como geleia de caipirinha de limão e chutney de cebola, mostarda e vinho do Porto, a marca começará em breve a ser exportada para outros países europeus.

"Eu e minha sócia [Daniela Novaretti, também brasileira] abrimos um negócio em outro país em plena pandemia. Muita gente nos chamou de malucas, mas nós sempre acreditamos no projeto, que está dando muito certo. Estamos mudando de uma produção quase artesanal para uma plataforma com maior escala", conta.

Com a chegada dos vultosos fundos da União Europeia para incentivar a economia dos estados-membros no pós-pandemia, a expectativa é que Portugal continue a ver crescer as iniciativas de empreendedorismo.

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