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Como empresas ocidentais silenciosamente ajudaram oligarcas russos

Empresas de investimento, advocacia e lobby ajudaram a conectar oligarcas ligados ao Kremlin aos sistemas financeiros e jurídicos ocidentais

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Nova York | The New York Times

Atrás de um conjunto de imponentes portas metálicas em um prédio de escritórios comum num subúrbio de Nova York, uma pequena equipe administra bilhões de dólares para um oligarca russo.

Há anos, um grupo de russos ricos usa a Concord Management LLC, empresa de consultoria financeira em Tarrytown, no estado de Nova York, para investir secretamente dinheiro em grandes fundos de hedge e empresas de private equity nos Estados Unidos, segundo pessoas informadas sobre o assunto.

Uma rede de empresas de fachada offshore torna difícil saber com certeza de quem é o dinheiro que a Concord administra. Mas várias pessoas disseram que a maior parte dos fundos pertence a Roman Abramovich, um aliado próximo do presidente Vladimir Putin, da Rússia.

Alisher Usmanov, magnata dos metais e tecnologia, ao lado do presidente russo Vladimir Putin
Alisher Usmanov, magnata dos metais e tecnologia, ao lado do presidente russo Vladimir Putin - Michael Klimentyev/Sputnik/AFP

A Concord faz parte de uma constelação de consultorias americanas e europeias –incluindo alguns dos maiores escritórios de advocacia do mundo– que há muito ajudam os oligarcas russos a navegar pelos cenários financeiro, jurídico, político e midiático do Ocidente.

Agora, com as sanções dos EUA e da Europa visando pessoas próximas a Putin, as empresas enfrentam dificuldades sobre o que fazer com esses clientes lucrativos, mas polêmicos.

Muitas os estão abandonando. Algumas parecem estar ficando com eles. Outras não dizem o que estão fazendo.

Enquanto isso, advogados e consultores de investimentos estão sob intenso escrutínio por trabalhos que semanas antes ocorriam quase inteiramente fora do radar do público.

A Concord, cujos representantes se recusaram a comentar, chamou a atenção de investigadores do Congresso. Na quarta-feira (9), um legislador escreveu ao governo Biden solicitando o congelamento dos fundos de Abramovich na Concord.

No Reino Unido, que tem uma próspera indústria de advogados especializados em esconder ativos, os legisladores foram ao plenário do Parlamento para denunciar advogados e escritórios de advocacia que continuam trabalhando com oligarcas.

Legalmente falando, pelo menos, não há nada de errado em trabalhar para empresas, indivíduos ou governos sancionados, desde que certas regras sejam seguidas.

Nos Estados Unidos, os advogados podem representar clientes sancionados em tribunais ou perante agências governamentais, e também podem aconselhá-los sobre o cumprimento das sanções. Lobistas e empresas de relações públicas devem obter licenças do Departamento do Tesouro para representar entidades sancionadas.

Em consequência dos obstáculos burocráticos e dos riscos de reputação, a taxa atual dos escritórios de advocacia e lobby que representam oligarcas sancionados subiu para milhões de dólares, segundo pessoas que conhecem o setor.

Para muitas empresas, os dias de pagamento não são suficientes para compensar o dano potencial à reputação de trabalhar para oligarcas ligados ao Kremlin. Uma enxurrada de empresas ocidentais de lobby, advocacia e relações públicas abandonaram recentemente seus clientes ou operações russas.

Um porta-voz do escritório de advocacia Skadden Arps disse que está "no processo de encerrar nossas representações do Alfa Bank", uma empresa sancionada e controlada por oligarcas. (A Skadden também representou Abramovich, o bilionário dono do clube de futebol inglês Chelsea, mas ela não disse se esse trabalho continua.)

Os escritórios de advocacia internacionais Linklaters e Norton Rose Fulbright disseram que estão deixando a Rússia. Um porta-voz de outra grande firma, a Debevoise & Plimpton, disse que está encerrando vários relacionamentos com clientes e não aceitará novos clientes em Moscou. A Ashurst, grande escritório de advocacia com sede em Londres, disse que não "atuará para nenhum cliente russo, novo ou existente, sujeito ou não a sanções".

As gigantes da contabilidade PWC, KPMG, Deloitte e EY –que forneceram amplos serviços a oligarcas e suas redes de empresas de fachada offshore– também disseram que estão deixando a Rússia ou cortando laços com suas afiliadas locais.

Algumas firmas se afastaram de clientes russos que tinham elogiado nos dias que antecederam a invasão.

No mês passado, um ex-funcionário do Tesouro que se tornou lobista escreveu uma carta à Casa Branca argumentando que o Sovcombank da Rússia não deveria enfrentar sanções, citando o compromisso do banco com a igualdade de gêneros, responsabilidade ambiental e social.

O Sovcombank concordou em pagar à empresa do lobista, Mercury Public Affairs, US$ 90 mil por mês por seu trabalho.

O governo Biden sancionou recentemente o Sovcombank. Poucas horas após o anúncio, a Mercury apresentou documentos ao Departamento de Justiça indicando que estava rescindindo seu contrato com o Sovcombank.

Em meados de fevereiro, o escritório de advocacia britânico Schillings representava o oligarca russo Alisher Usmanov, um antigo aliado de Putin.

Duas semanas depois, a União Europeia e o Tesouro dos EUA sancionaram Usmanov. Nigel Higgins, porta-voz da Schillings, disse que a empresa "não está agindo por nenhum indivíduo ou entidade sancionada".

Outro advogado, Thomas Clare, escreveu cartas ameaçadoras para organizações de notícias em nome de clientes, incluindo o oligarca russo Oleg Deripaska. Em 2019, por exemplo, ele alertou que poderia tentar responsabilizar The New York Times "pelos danos econômicos catastróficos" enfrentados por Deripaska, que na época estava sob sanções.

Clare disse esta semana que sua empresa, a Clare Locke LLP, não trabalhou para Deripaska desde setembro, "e não prevemos fazê-lo novamente no futuro".

Empresas russas como Rosneft, VTB, Alfa Bank, Gazprom e Sberbank, que agora estão sob sanções, foram representadas pelos principais escritórios de advocacia dos EUA, incluindo White & Case, DLA Piper, Dechert, Latham & Watkins e Baker Botts.

Nenhuma dessas empresas disse se continua trabalhando com as firmas russas.

Baker McKenzie, um dos maiores escritórios de advocacia do mundo, continua dizendo em seu site que representa "algumas das maiores empresas da Rússia", incluindo Gazprom e VTB. A empresa disse que está "revisando e ajustando nossas operações relacionadas à Rússia e o trabalho para clientes" para cumprir as sanções.

Em Washington, Erich Ferrari, um dos principais advogados de sanções, está processando o Tesouro dos EUA em nome de Deripaska, que tenta derrubar as sanções impostas a ele em 2018 que, segundo ele, lhe custaram bilhões de dólares e o tornaram "radioativo" nos círculos de negócios internacionais.

A Concord Management, cujos representantes se recusaram a comentar, parece se dedicar quase inteiramente a administrar o dinheiro de um pequeno grupo de russos ultrarricos.

Outside the building housing the offices of Concord Management, an advisory firm, in Tarrytown, N.Y., March 9, 2022. For years, a group of wealthy Russians have used Concord Management LLC to secretly invest money in large U.S. hedge funds and private equity firms, according to people familiar with the matter. (Karsten Moran/The New York Times)
Russos ricos usaram a Concord Management, uma empresa de consultoria em Tarrytown, N.Y., para investir seu dinheiro - Karsten Moran - 9.mar.2022/The New York Times

A empresa de investimentos não registrada opera desde 1999 com uma equipe de 20 e poucas pessoas. É especializada em investir em fundos hedge e fundos imobiliários administrados por empresas de private equity, de acordo com perfis online de funcionários atuais e ex-funcionários da Concord.

Os banqueiros de Wall Street e gestores de fundos de hedge que interagiram com a Concord e seu fundador, Michael Matlin, disseram que ela administra entre US$ 4 bilhões e US$ 8 bilhões.

Não está claro quanto disso pertence a Abramovich, cuja fortuna é estimada em US$ 13 bilhões.

Abramovich não foi sancionado. Seu porta-voz, Rola Brentlin, se recusou a comentar sobre a Concord.

Embora as empresas prefiram manter em sigilo seu trabalho para clientes impalatáveis, um vazamento em 2017 forneceu um vislumbre de como as empresas ocidentais ajudaram os oligarcas russos a esconder ativos –e o que aconteceu quando esses clientes foram alvo de sanções.

O vazamento, parte do projeto Paradise Papers, envolveu os arquivos do escritório de advocacia Appleby nas Bermudas. Pelo menos quatro clientes possuíam jatos particulares por intermédio de empresas de fachada gerenciadas pela Appleby.

Quando empresas e indivíduos ligados a Putin foram sancionados em 2014, a Appleby descartou clientes que acreditava terem sido afetados.

Os russos encontraram outras empresas ocidentais, incluindo o banco Credit Suisse, para ajudar a preencher o vazio.

Ben Freeman, que acompanha a influência estrangeira para o Quincy Institute for Responsible Statecraft, disse que os russos provavelmente também encontrarão novas empresas desta vez.

"Há aquela reação inicial, quando esses clientes são tóxicos demais", disse Freeman. "Mas quando esses contratos lucrativos estão em aberto, às vezes é demais para algumas pessoas, e elas podem fazer vista grossa para qualquer atrocidade."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Matthew Goldstein , Kenneth P. Vogel , Jesse Drucker , Maureen Farrell e Mike McIntire
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