Empresas devem formar redes, em vez de brincar de sopa de letrinhas, diz Roberto Waack

Líder de fundação privada que investe em desenvolvimento sustentável quer colocar a Amazônia no debate eleitoral deste ano

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São Paulo

Um grupo de 181 representantes dos setores privado, público, da academia e da sociedade civil se reuniu por Zoom na tarde de 14 de fevereiro para debater estratégias para colocar a Amazônia em pauta nas eleições deste ano.

Membros da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, rede de diálogo apartidária com mais de 500 integrantes, eles falaram da necessidade de tornar o tema mais próximo dos eleitores, eleger governadores e parlamentares "que tenham a Amazônia como visão de país" e elaborar um plano de ação para os primeiros cem dias do próximo presidente, a ser apresentado ao governo de transição.

Um dos anfitriões da reunião era o biólogo Roberto Waack, cofundador da iniciativa e presidente do conselho do Instituto Arapyaú, fundação privada que investe em projetos de desenvolvimento sustentável na Amazônia e no sul da Bahia.

Com uma trajetória como executivo e conselheiro em empresas e ONGs, Waack tem se engajado na construção de redes —espaços de diálogo que unem organizações e lideranças de diversos setores na construção de soluções para questões complexas da sustentabilidade.

Para ele, é a participação em redes, e não a tão falada agenda ESG (ambiental, social e de governança, na sigla em inglês), que dará às companhias condições de enfrentar os desafios que as cercam.

"Ou as empresas estabelecem um relacionamento profundo com a sociedade, ou vão continuar brincando de sopa de letrinhas com seus departamentos de ESG."

O executivo Roberto Waack , que presidiu o conselho do Forest Stewardship Council (entidade que dá diretrizes e certifica empresas que fazem manejo sustentável) e foi CEO da Renova (a entidade criada para cuidar da reparação da tragédia da Vale em Mariana). Hoje preside o conselho do Arapyaú. - Léo Lara/Divulgação

O ESG representa um avanço das empresas ou há mais barulho do que ação? Há, sim, um avanço, mas lento, porque empresas não convivem bem com mudanças drásticas. Há quatro décadas esses assuntos vão e voltam, cada hora com uma roupa.

O ESG incorporou a dimensão da governança e isso é importante. Membros dos conselhos de administração precisam agora construir um repertório que para eles sempre foi marginal. Mas a questão central acaba sendo evitada.

Qual é a questão central? A sociedade está mais forte e tem cada vez mais voz sobre o que acontece nas empresas. Uma voz mais contundente, mais instruída.

As empresas ainda querem ter o controle de tudo o que diz respeito a elas, porém isso é cada vez mais frágil. A licença para operar está mais complicada, as questões reputacionais, mais complexas.

Qualquer setor hoje é afetado por um conjunto heterogêneo de temas e personagens, e as companhias não sabem o que fazer, tentam simplificar e limitar a discussão ao ESG.

Mas, ou as empresas estabelecem um relacionamento profundo com a sociedade, ou vão continuar brincando de sopa de letrinhas com seus departamentos de ESG, distantes do que os modelos de negócios do futuro irão demandar.

Você propõe que empresas lidem com o que chama de problemas indomáveis. Pode explicar? A teoria dos "wicked problems" surgiu nos anos 70, na Califórnia, para lidar principalmente com questões sociais. Hoje podemos chamar de problemas indomáveis aqueles que emergem dessa relação das empresas com a sociedade, para os quais não há resposta preto no branco.

São problemas que as companhias não conseguem gerenciar, medir e, muitas vezes, não conseguem sequer formular claramente.

A polêmica envolvendo o Bradesco e pecuaristas é um exemplo? Sim. O Bradesco chamou blogueiras para promover seu produto e elas sugeriram, num vídeo do banco, que as pessoas reduzissem o consumo de carne. Muita gente pensou: legal, o Bradesco está sintonizado com o que parte população busca.
Mas alguns pecuaristas acharam um absurdo e foram fazer churrasco em frente às agências. O banco recuou. Acontece que as duas visões existem. É necessário conviver com elas. Não se trata de optar por um lado, mas de encontrar caminhos que contemplem a multiplicidade de visões.

Que tipo de problema indomável você vê nas empresas que acompanha? Considere o setor de proteína animal. Há consumidores que querem comer carne e os que não querem. Entre os que não querem, há os que acham que ela está contaminada com antibióticos. Ou que estão preocupados com os efeitos na saúde. Há também os que não querem consumir nada que venha de áreas de desmatamento ou que acham absurdo matar um bezerrinho.

Quando um consumidor entra num McDonald’s ou Burger King, o hambúrguer oferecido ali traz embutidas essas questões.

Uma fabricante de alimentos tem que considerar tudo isso e lidar com as diferentes forças da sociedade. Incluindo a ONG que diz não gostar do produto, mas que fiscaliza o que a empresa faz e distribui essa informação, inclusive para quem financia o negócio.

Isso está em discussão na Marfrig, onde é conselheiro? Está. Bancos e investidores hoje pedem que as companhias limpem suas cadeias de suprimentos, o que significa torná-las ambientalmente responsáveis. A Marfrig tem 300 mil pequenos produtores entre seus fornecedores. Poderia decidir: vamos tirar da nossa cadeia aqueles que tiverem relação com o desmatamento.

Isso ajudaria a limpar a cadeia de suprimentos? Sim. Resolveria o problema do desmatamento? Não. E o que é pior: jogaria parte daqueles pequenos produtores na ilegalidade.

Como resolver a questão? Não existe solução de prateleira. É preciso aceitar que há produtores com problemas e encontrar soluções.

Você sugere que empresas compartilhem dilemas com outras. Como? Participando de redes, espaços de uma inteligência coletiva poderosa.

Quando uma companhia participa de redes, consegue fazer uma leitura de contexto muito mais sofisticada.

A Vale, por exemplo, não consegue resolver sozinha a questão da mineração em áreas indígenas, mas pode ter ao seu lado organizações que lidam com questões indígenas, que tratem de temas como biodiversidade ou Zona Franca de Manaus. Eles são inevitáveis para uma empresa desse tamanho que se coloca na Amazônia.

O Arapyaú tem buscado trazer mais empresas para as redes de que participa? Sim. Em 2015 o instituto foi um dos articuladores da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura. Ela aproximou empresas do agronegócio, do setor florestal e ambientalistas num momento de grande polarização, e foi possível unir esses atores na construção de propostas compartilhadas.

Quando a Concertação pela Amazônia foi criada, em 2000, sabíamos que não faria sentido discutir apenas na sociedade civil. A sociedade civil lida com dezenas de milhões de dólares por ano. O setor privado lida com dezenas de bilhões. A capacidade de transformação é muito maior.

É possível construir consensos em redes? Não falamos em consenso. Falamos em consentimento.
Na Concertação temos de lidar com muitos elefantes na sala. Um exemplo é o desmatamento. Alguns defendem o desmatamento legal, aquele permitido pelo Código Florestal. Outros, o desmatamento líquido zero, ou seja, não derrubar nada, ainda que a lei permita.

Mas há um aspecto com o qual todos estão de acordo: o desmatamento ilegal é inadmissível. Nisso conseguimos um consentimento.

Quando se consegue esculpir o primeiro elefante, cria-se uma relação de confiança entre todos. Aprendemos que é possível produzir algo até com oponentes.

Qual foi o maior dano da gestão Bolsonaro à temática ambiental? Há o retrocesso da destruição das estruturas —de comando e controle, de desenho, de planejamento. Vai levar muito tempo para que tudo seja reconstruído.

Há também o dano importantíssimo do desmatamento real, da perda efetiva de patrimônio natural, irreparável.

E há um terceiro dano, que é a proliferação da ilegalidade e o crescimento da violência. É impressionante a velocidade com que o crime cresceu na Amazônia. A conexão do narcotráfico com o garimpo ilegal, o desmatamento ilegal, a conquista de terras.

E isso vai contaminar o processo eleitoral, financiar campanhas e legitimar a permanência dessa situação terrível.

Será mesmo possível debater a Amazônia nas eleições deste ano? Com certeza. A Amazônia estará entre os cinco principais temas na discussão eleitoral.

Aprendemos que é possível discutir temas que vão além da polarização. Vamos, sim, colocar a Amazônia em pauta.

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