Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia inflação

Empresas protelam vendas de fertilizantes, e preços explodem

Cenário é de custos elevados para o produtor e comida mais cara na mesa

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Brasília

Os produtores brasileiros estão apreensivos com a oferta de fertilizantes. Desde que a Rússia, importante fornecedor desse insumo, invadiu a Ucrânia e passou a sofrer uma escalada de sanções, o mercado se tornou instável. Cerca de 85% dos fertilizantes consumidos no Brasil são importados. No que se refere ao potássio a dependência é de 95%, sendo que praticamente metade disso é fornecida por Rússia e Belarus, país aliado a Vladimir Putin.

Um indicador da turbulência é o vai e vem da chamada lista de preços, que retrata valores de compras e vendas entre o produtor, de um lado, e um distribuidor ou mesmo importador, do outro. Quando as empresas suspendem a lista, não há como comprar, seja à vista ou para encomendas, em prazos de até seis meses.

Duas áreas da mesma plantação de soja em Paragominas (PA), com e sem fertilizantes; insumo é essencial para a produtividade da agricultura - Arquivo da produtora Renata Sala

Nas últimas semanas, listas de preços consultadas por produtores pelo país afora oscilaram —foram suspensas, reapresentadas com valores considerados altíssimos, e voltam a ser suspensas, numa instabilidade constante que perturba quem planta.

"A cada movimento da guerra, as listas de preços vão e voltam, com os valores sempre altos, mesmo com o dólar caindo; o mercado está volátil", afirma Décio Teixeira, presidente da Aprosoja-RS, que também planta trigo desde 1970. "Como pode um país como o Brasil, potência no agronegócio, ter essa dependência internacional? Ficamos no oba-oba, deixando para fazer as coisas no futuro, e o futuro chegou ligeiro para nos cobrar."

O que mais preocupa é a escalada do preço. Segundo a Argus, uma das maiores agências de preços do mundo, os valores dos fertilizantes registraram aumentos expressivos desde o início do conflito envolvendo o leste europeu. No porto, o preço de importação o MAP, fosfatado muito utilizado no Brasil, teve alta de 35% entre 10 de fevereiro e 10 de março. No mesmo período, o preço do MAP no mercado de Rondonópolis, no Mato Grosso, subiu cerca de 30%. A ureia, por sua vez, teve aumento médio de 50%.

"Existe muita especulação no mercado, e o preço está fora das possibilidades", diz Alexandre Velho, presidente da Federarroz, entidade do setor. "Estamos orientando o produtor a não comprar nesses patamares, mas, se não baixar, vai inviabilizar boa parte da cultura do arroz no Sul, e a oferta vai cair." O estado é o maior produtor nacional de arroz, respondendo por 70% do abastecimento doméstico.

O mesmo sentimento ocorre entre produtores do Mato Grosso do Sul. Segundo a Aprosoja-MS, o aumento do preço em relação ao segundo semestre de 2021 já chega a 39%.

Num exercício ilustrativo, a entidade calculou gastos com fertilizante no plantio da safrinha de milho neste primeiro semestre. Considerando o preço do insumo no segundo semestre de 2021, o custo com fertilizante equivale a 32 sacas por hectare. No atual patamar de preços, porém, o custo sobe para 45 sacas.

A projeção é que o produtor do estado consiga colher em média 78 sacas por hectare, sendo assim, o gasto com fertilizante agora consome mais da metade da safra, o que inviabilizaria a produção em muitas propriedades. Detalhe, na safra 2020/2021, os fertilizantes representaram 23% dos custos de produção.

Segundo o presidente da entidade, André Dobashi, cerca de 20% do fertilizante no Mato Grosso do Sul vem da Rússia. O estado precisa de alternativas rápidas para tapar o buraco, pois a grande maioria dos produtores rurais ainda não fechou a compra de fertilizantes para o cultivo da soja no final do ano, em parte devido aos preços, mas também porque já há escassez da oferta.

A falta também foi identificada pela produtora Renata Salatini, que cultiva soja em Paragominas, no Pará. Segundo ela, nem quem aceita o preço alto consegue garantir o fertilizante para frente. Ela já vai plantar a safrinha de sorgo com um resto de fertilizante que sobrou do ano passado, mas começou a procurar e não consegue fazer encomendas para o cultivo da soja no segundo semestre.

"Até fazem a cotação, mas não dá para fechar o pedido porque na prática as vendas estão suspensas", afirma. "A ministra Tereza Cristina [da Agricultura] falou que temos estoque, mas não explicou qual é o fluxo para esse estoque chegar até a nossa mão."

O ideal para os produtores de soja é ter o fertilizante na fazenda até agosto, sendo assim, o prazo-limite para fazer a encomenda é abril. No ano passado, o pico de entregas ocorreu até antes, em julho.

Os pequenos produtores também estão sendo afetados. No cinturão verde que cultiva itens de hortifrúti para a região metropolitana de São Paulo, as revendas já alertaram produtores como Simone Silotti, presidente da CAQ ( Cooperativa Agrícola de Quatinga) e fundadora do #FaçaumBemINCRÍVEL, que organiza doações de alimentos para comunidades carentes.

Segundo Simone, a informação é que os estoques estão baixos, a reposição é lenta, o preço subiu e há risco de falta. Produtora de alface hidropônica, que precisa de adubação praticamente diária, ela costuma ter estoques de 45 dias, mas depois do que ouviu vai tentar comprar o suficiente para manter a cultura por 60 dias.

Pensando no limite, já há produtores avaliando alternativas domésticas, como usar adubos orgânicos, reduzir o volume de fertilizantes químicos ou, no caso de propriedades com solos enriquecidos há mais de dez anos, plantar sem fertilizantes. A estratégia, porém, seria um último recurso, pois tende a reduzir a produtividade e exigir maior volume de fertilizantes na safra subsequente.

Segundo a Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos), as empresas têm estoques para três meses de vendas, até maio, contando o que já está no país. Há um esforço do governo em atuar na busca de alternativas. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, viajou em missão diplomática ao Canadá, maior produtor mundial de potássio, para reforçar o interesse do Brasil em garantir o insumo.

Então, a instabilidade na oferta e nos preços não viria da falta de produto, mas do cenário incerto: ninguém sabe quando e por quanto será possível repor a falta dos produtos do leste europeu.

"O mercado está estupefato, esperando", afirma o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues. "Não há garantia de transporte na região da guerra, e se conseguir retirar o fertilizante, não se sabe como finalizar o pagamento." Ele lembra que o mercado de fertilizantes vem sofrendo desde o início da pandemia, quando ocorreu uma ruptura na cadeia de logística marítima. A guerra é um segundo golpe.

"Nos últimos dois anos, durante a pandemia, o preço subiu quase 250%", diz Marcos Jank, professor de Agronegócio Global do Insper. "Estamos recebendo fertilizantes nos portos, a normalização é questão de tempo, mas o custo de produção já aumentou."

A lista de produtos cujo plantio depende de fertilizantes mais caros no segundo semestre inclui itens essenciais para as exportações do agronegócio, para a economia nacional e para o prato dos brasileiros: soja, arroz, feijão e parte do milho, matéria-prima também para a ração de frangos e suínos. Jank lembra que existem ainda as culturas perenes, que também demanda adubação periódica, como café e laranja. ​

O agrônomo Xico Graziano, que ocupou vários cargos públicos ligados à agricultura e meio ambiente, lembra que o mercado de fertilizantes é privado. "Quem compra e vende fertilizantes são as empresas, e são elas que vão reorganizar a oferta global", afirma. "Mas o preço do produto vai lá para cima, e vamos ter comida mais cara."

O mercado financeiro já está contabilizando os efeitos da guerra sobre alimentos básicos, não apenas pela questão do insumo, mas também pelo risco de quebra na oferta de alguns deles. Rússia e Ucrânia são importantes produtores de trigo e milho. Na Bolsa de Chicago, a matéria-prima do pão e do macarrão, por exemplo, já acumula alta de 42% neste ano.

OUTRO LADO

Em nota à Folha, a Anda reforçou que o Brasil tem estoques de fertilizantes minerais para mais três meses, que os produtores anteciparam parte de suas compras e que pode haver um planejamento, de modo a equilibrar o ritmo de entregas, evitando riscos ou gargalos logísticos.

A entidade também lembrou que o setor sofreu com os problemas de logística durante a pandemia, mas que, apesar das incertezas do cenário internacional e da alta dependência do Brasil de insumos do exterior, superou as limitações daquele momento.

"As empresas do setor de fertilizantes atuaram em 2021 para realizar todas as entregas de insumos em dia e em ordem", diz a nota. "E registraram, mesmo com todas as adversidades, entregas recordes em quantidade e no tempo adequado para que o produtor rural pudesse produzir mais uma safra histórica, que superou as marcas anteriores."

A Anda ainda afirmou que "colabora com o governo e segue procurando alternativas para abrir novos mercados, buscando soluções de logística, além de promover e ampliar a produção nacional em médio e em longo prazo, de maneira a reduzir a dependência externa".

Colaborou Clayton Castelania

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