Estoque de infraestrutura se deteriora e segue praticamente estagnado desde 2015

Corte de investimento público é entrave para recuperação, apesar de concessões ao setor privado

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Pavimentação ruim na BR-101 entre Mangaratiba e Angra dos Reis (RJ). A Rio-Santos é exemplo de uma estrada com problemas por conta da falta de investimento público A CNT aponta problemas de pavimentação e geometria na rodovia Eduardo Anizelli/ Folhapress

São Paulo

Preso a um ajuste fiscal que derrubou o investimento público aos menores patamares da história e a um período de recessão e estagnação que já dura mais de sete anos, o Brasil está com seu estoque de capital produtivo praticamente estagnado desde 2015.

Os investimentos de União, estados e municípios não têm sido suficientes nem para cobrir a deterioração de bens públicos, como estradas, portos e edifícios. Os aportes de capital privado voltaram a crescer, mas esse aumento não tem sido suficiente para compensar a contração dos gastos nos diferentes níveis de governo.

As prioridades do Orçamento da União de 2021 e a perspectiva de mais aperto fiscal mostram que esse cenário não deve mudar tão cedo na esfera federal. Por outro lado, especialistas afirmam que o pacote de concessões em curso, novos marcos regulatórios e a melhora no caixa de estados e municípios já contribuem para o início de reversão dessa tendência.

O próprio governo federal lançou um plano de longo prazo no qual afirma que um cenário transformador na área de infraestrutura depende do alcance do equilíbrio fiscal e de reformas profundas para atrair investimentos e melhorar a produtividade da economia.

Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que o chamado estoque de capital fixo público e privado, que inclui máquinas e equipamentos, construções comerciais e residenciais e outros ativos, era de R$ 10 trilhões ao final do terceiro trimestre de 2021. O valor estava 0,4% abaixo do verificado no mesmo período de 2015, considerando números já deflacionados.

O instituto também mostra que, a partir do segundo semestre de 2016, o Brasil viveu uma situação inédita na série histórica iniciada em 1980: ter uma taxa de investimento público e privado líquido negativa. Ou seja, o valor da depreciação da sua infraestrutura foi superior ao que se investiu no período.

Essa situação se manteve praticamente inalterada até o início de 2021, quando teve início uma lenta reversão puxada pelo setor privado. O dado mais recente do Tesouro Nacional, também para o terceiro trimestre do ano passado, mostra que o investimento público líquido continua negativo, em 0,4% do PIB.

A crise atual reduziu a taxa de investimento público e privado do país do pico de 21,5% antes da recessão de 2014 para 14,6% em 2017. Em 2021, voltou a 19,2%. Ainda assim, atrás dos percentuais registrados por outras economias emergentes no final de 2020, como mostra o FMI (Fundo Monetário Internacional). Entre 171 países, o país estava na posição 128 no ranking dos que mais investem, atrás de China (43% do PIB), Coreia do Sul (32%), Índia (30%) e Rússia (24%), entre outros emergentes.

José Ronaldo Souza Júnior, diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea, afirma que o nível de investimento do país é baixo, mas diz que esse é um dos componentes do PIB que mais reagiram desde o final da recessão de 2014-2016.

Segundo ele, os dados mais recentes mostram aumento do estoque de máquinas agrícolas e equipamentos para a para construção civil, onde se destaca o segmento residencial. No setor de infraestrutura, informações preliminares indicam melhora significativa, o que pode ser atribuído a concessões, mudanças de regulação e investimentos dos governos estaduais impulsionados pelo aumento de arrecadação do ano passado.

"A gente tem uma melhora bastante significativa que fez o investimento líquido voltar a ficar positivo", afirma o pesquisador responsável pelas estatísticas referentes ao tema no instituto.

A publicação Livro Azul da Infraestrutura 2021, da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), aponta que são necessários ao menos 4,3% do PIB em investimentos por ano, no período de uma década, para o país suprir os gargalos de infraestrutura —duas vezes e meia o gasto em 2020.

Praticamente metade disso em transporte e logística. É justamente a área em que há projetos menos atrativos para a iniciativa privada, com aportes mais concentrados em energia, telecomunicações e, mais recentemente, em saneamento.

Segundo a associação, 15% da malha rodoviária federal pavimentada já foi concedida e mais 15% já têm leilões previstos. Os outros 70% têm pouca atratividade para o setor privado e dependem do poder público para sua manutenção, assim como ocorre com as estradas não pavimentadas, mas o orçamento federal na área foi reduzido em mais de 75% desde 2014.

Venilton Tadini, presidente-executivo da Abdib, afirma que nos últimos anos a agenda regulatória de infraestrutura avançou bastante, embora ainda haja muitas pendências. E que as licitações mais recentes foram bem-sucedidas e há um programa de concessões robusto em andamento, inclusive nos estados.

Ele diz, no entanto, que há limitações para a iniciativa privada, que não conseguirá suprir toda a necessidade de investimento em infraestrutura do país para os próximos dez anos. Por isso, é necessário recuperar o espaço para o investimento público federal, item que se tornou a variável do ajuste fiscal.

Ele cita como exemplo negativo o Orçamento deste ano, que aumenta gastos com fundo eleitoral e prioriza a pasta da Defesa, em detrimento do Ministério da Infraestrutura e seus órgãos.

Segundo ele, nenhum país tem 100% de rodovia privada. O estado que vai avançar mais é São Paulo, que pela densidade econômica já passou de 50% e pode chegar a 70% de concessão. No federal, chegar a 30% é uma grande vitória, um tremendo programa, segundo ele.

"É para essa realidade que a gente não pode virar as costas. Nosso ativo de infraestrutura já foi 60% do PIB na década de 70. Hoje, não chega a 35%. Não estamos conseguindo investir nem para cobrir a depreciação", afirma.

"Não haverá crescimento econômico no horizonte, pois o país permanecerá com uma infraestrutura incapaz de atender às suas necessidades."

Levantamento do Observatório de Política Fiscal do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da FGV) mostra que os investimentos de estados, municípios e da maior estatal do país (Petrobras) voltaram a crescer já em 2020, mas os gastos federais atingiram valores mínimos (0,23% do PIB) próximos aos observados em 2003 e 2004.

O ex-secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda Manoel Pires, atual coordenador do Observatório, afirma que o Brasil sempre reduziu o investimento público em momentos de ajuste fiscal, uma vez que essa é uma das poucas despesas que não são de execução obrigatórias.

O problema atual, afirma, é que o investimento público nunca ficou tão baixo por tanto tempo. Ele atribui isso a um ajuste fiscal que dura quase uma década e a uma postura dos governos, desde 2016, de relativizar a importância dessas despesas.

"Você não consegue privatizar tudo. Vários ativos não terão o interesse do setor privado. Alavancar o investimento no Brasil para as taxas que temos lá fora significa recuperar espaço no orçamento público para essas despesas", afirma.

"Quando você olha os últimos anos, essa batalha está sendo perdida. As decisões públicas mais recentes de uso do espaço fiscal não vão na linha de enfrentar esse problema."

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