Ex-líderes europeus que fizeram fortuna com empresas russas resistem a cortar laços

Políticos que assumiram posições lucrativas em conselhos sofrem pressões para sair após invasão da Ucrânia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Quatro anos atrás, o ex-ministro britânico Gregory Barker se licenciou de seu mandato na Câmara dos Lordes para salvar as empresas do magnata russo Oleg Deripaska, alvo de sanções dos Estados Unidos. Na semana passada, chegou a vez de Barker se recolher para salvar a própria pele.

Na semana passada, Barker renunciou à presidência do grupo En+, que controla a mineradora Rusal, segunda maior produtora de alumínio do mundo, e usinas hidrelétricas e termelétricas na Sibéria. O grupo afirmou que vai reorganizar parte dos seus negócios para distanciá-los dos interesses russos.

Em 2018, Barker negociou um acordo com o Tesouro americano que livrou as empresas de sanções. Deripaska, que é acusado pelos EUA de diversos crimes e continua com o patrimônio pessoal sujeito a várias restrições, foi obrigado a abrir mão do controle do grupo, tornando-se um sócio minoritário.

Dois homens conversam animadamente, sentados lado a lado em poltronas cinzas. O primeiro é Vladimir Putin, branco, de cabelos claros e curtos, com terno escuro, camisa branca e gravata azul escura com bolinhas brancas. Está com as mãos entrelaçadas ouvindo o interlocutor com um sorriso discreto. O outro é Gerhard Schroder, branco, mais velho, de cabelos castanhos ondulados, vestido com terno escuro, camisa branca e gravata vermelha com listras brancas. Está gargalhando e gesticulando com as mãos.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, com o chanceler alemão Gerhard Schröder, na época em que ele governava a Alemanha. - Alexander Natruskin - 9.abr.2002/Reuters

As empresas do magnata não foram alvo das novas sanções impostas desta vez como resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia, mas a crise respingou no En+ mesmo assim. Membros do Partido Conservador britânico aumentaram a pressão ao sugerir publicamente que o lorde se afastasse do grupo.

Como Barker, outros ex-líderes europeus que fizeram fortuna nos últimos anos trabalhando para algumas das maiores empresas da Rússia se desligaram delas nas últimas semanas. Eles o fizeram em geral a contragosto, para contornar sanções ou evitar prejuízos a suas reputações.

O ex-primeiro-ministro finlandês Esko Aho, que ocupou por seis anos uma cadeira do conselho fiscal do Sberbank, o maior banco do país, puxou a fila e se demitiu no dia da invasão da Ucrânia, quando a instituição foi atingida por sanções que restringiram seu acesso ao sistema financeiro internacional.

O ex-chanceler austríaco Christian Kern, que desde 2019 ocupava uma cadeira no conselho de administração da RZD, estatal que opera as ferrovias na Rússia, saiu no mesmo dia. "A RZD se tornou parte da logística da guerra", declarou ao jornal austríaco Der Standard. "Lamento profundamente."

O ex-primeiro-ministro francês François Fillon se desligou um dia depois dos conselhos da petroquímica Sibur e da petroleira Zarubejneft. Ele condenou a invasão da Ucrânia, mas criticou o Ocidente por ignorar as preocupações da Rússia com a expansão da Otan, a aliança militar liderada pelo Ocidente.

A associação de políticos europeus com os magnatas que enriqueceram após o fim da União Soviética e a ascensão de Vladimir Putin permitiu que o líder russo articulasse redes de influência no Ocidente, conquistando aliados para os seus interesses e obtendo recursos para financiar suas empresas.

No fim do ano passado, investidores estrangeiros detinham 86% das ações negociadas no mercado russo, segundo a Bolsa de Valores de Moscou. Com a guerra na Ucrânia e as sanções, o mercado entrou em colapso, e o governo proibiu os estrangeiros de vender seus papéis, impondo perdas bilionárias.

O mais proeminente dos aliados de Putin na Europa é o ex-chanceler Gerhard Schröder, que governou a Alemanha de 1998 a 2005, desenvolveu relações amistosas com o presidente russo quando estava no cargo e assumiu posições em várias empresas estatais depois de deixar o poder.

Schröder é membro do conselho de administração da petroleira Rosneft desde 2017 e foi indicado pouco antes da guerra para uma cadeira na Gazprom, maior produtora de gás natural do mundo e a maior empresa da Rússia. Somente na Rosneft, ele recebeu US$ 600 mil em salários e bônus em 2020.

O ex-chanceler também preside o conselho de acionistas da Nord Stream, consórcio liderado pela Gazprom que tem quatro empresas europeias como sócias e construiu dois gasodutos para levar gás da Rússia para a Alemanha. O segundo ficou pronto em dezembro, mas ainda não entrou em operação.

Com a eclosão da guerra, o governo alemão suspendeu o processo de certificação do gasoduto, e o consórcio foi atingido por sanções. O atual chanceler, Olaf Scholz, sugeriu numa entrevista que o antecessor se afastasse dos russos, mas foi ignorado. Os dois pertencem ao Partido Social-Democrata.

Em manifestação nas redes sociais, Schröder atribuiu a guerra a erros cometidos pela Rússia e pelo Ocidente e sugeriu cautela na aplicação de sanções econômicas para evitar que laços políticos, econômicos e de organizações da sociedade civil não sejam rompidos completamente por causa do conflito.

"Eles são a base para a esperança que todos temos de que um diálogo sobre paz e segurança no nosso continente seja possível novamente", disse Schröder. Segundo o site Politico, na semana passada ele viajou até Moscou para tentar abrir um canal de diálogo com Kiev, mas Putin não o recebeu.

Para a cientista política Oksana Huss, pesquisadora da Universidade de Bolonha, na Itália, a situação de Schröder é delicada por criar um conflito entre seus interesses particulares e os de seus país, porque a guerra entre a Rússia e a Ucrânia coloca em xeque a segurança energética da Alemanha.

"Políticos que um dia mereceram a confiança do público deveriam se distanciar de atividades econômicas que favoreçam países estrangeiros e ser obrigados a cumprir quarentenas mais longas após deixar a função pública, antes de trabalhar no setor privado", afirma Huss, que é ucraniana.

Mas Schröder está longe de ser um caso isolado. "Muitos americanos também ocupam posições lucrativas em empresas, sem que isso seja visto como fonte de preocupação para a política externa do país", diz Susan Rose-Ackerman, professora de direito e ciência política da Universidade Yale, nos EUA.

Basta ver a solução encontrada pelo En+ para a saída de Barker. Após um período de transição, o lorde britânico entregará a presidência do grupo ao americano Christopher Burnham, ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA que tem um fundo de investimentos e está no conselho da Rusal desde 2019.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.