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Rússia

Guerra na Ucrânia não causou crise de fertilizantes, só a agravou

Política pública para a área já existiu no papel, porém nunca vingou

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Pedro de Camargo Neto

Engenheiro civil, doutorado em engenharia de produção pela USP, é agricultor e pecuarista, foi secretário de produção e comercialização do Ministério da Agricultura, presidente do Fundo de Desenvolvimento da Pecuária de SP e da Abipecs (associação da indústria de carne suína)

A crise dos fertilizantes já existia, caracterizada por aumentos de preço da ordem de 200% nos últimos 12 meses nos principais produtos. A triste guerra na Ucrânia a exacerbou.

Os mesmos motivos que existiam se ampliaram. O embargo existente com a Belarus, um grande fornecedor, passou a existir também para a Rússia. Os fretes, que já tinham sofrido aumentos de preço devido à pandemia, passaram a sofrer dificuldades ainda maiores, com restrições de portos de embarques e rotas marítimas e mesmo terrestres.

Vista da mina de potassa Belaruskali, na Belarus; o material é usado na produção de fertilizantes - Vasily Fedosenko-31.ago.13/Reuters

A produção agrícola brasileira, que cresceu muito nos últimos anos atendendo às demandas interna e mundial por alimentos, ampliou a utilização de fertilizantes pela ampliação da área plantada e, principalmente, pelo aumento da produtividade agronômica resultado da utilização de fertilizantes.

A produção interna dos diversos fertilizantes nunca acompanhou o crescimento da agricultura. As importações cresceram muito, e os fornecedores continuaram poucos.

Política pública para fertilizantes já existiu no papel, porém nunca vingou. Mesmo no tempo em que empresas estatais eram valorizadas e apresentadas como solução para o desenvolvimento. Interessaram-se por muita coisa, porém pouco fizeram para os fertilizantes.

A Petrobras já teve unidades de produção de fertilizantes nitrogenados. Anunciou recentemente a venda da última unidade, com obra paralisada em Três Lagoas, MS, para uma empresa russa. Sabe-se lá o dia que se conseguirá iniciar a produção.

Fertilizantes que dependem da mineração enfrentam dificuldades adicionais. Não tiveram competitividade com os importados, que mesmo enfrentando fretes distantes, tem extração muito mais fácil e econômica.

No Brasil em alguns casos a extração é profunda e dispendiosa. Em outros, inclusive na região amazônica, enfrenta autorizações que exigirão cuidados ambientais essenciais, e possíveis. Cumprirá ao poder público analisar as propostas de exploração com critério técnico e transparência, oferecendo à sociedade as garantias necessárias. A crise atual não pode ser motivo para o necessário rigor ser atropelado. A crise oferece uma nova oportunidade, porém não haverá solução de um dia para o outro.

Felizmente o setor agrícola vem se modernizando dia a dia. Essa crise se torna uma oportunidade para acelerar processos de avanço tecnológicos já em curso. A agricultura de precisão, na qual as decisões de cultivo passam a ser quase por metro quadrado, permite significativas reduções na utilização de fertilizantes. Análises de solo identificam áreas onde é possível inclusive deixar de usar fertilizante, pelo menos por uma safra. A economia, tecnicamente orientada, deve permitir importantes reduções de uso dos fertilizantes, com pouco reflexo na produtividade.

A ampliação da utilização dos insumos biológicos também deve ser acelerada. O próprio sucesso da soja é resultado de um processo biológico, introduzido meio século atras, que acelera a fixação do nitrogênio. A pesquisa tem colocado à disposição do agricultor outros bioinsumos, que, entre inúmeros benefícios, reduzem a necessidade de fertilizantes. Também aqui a crise levará a maior difusão e utilização de tecnologias inovadoras.

A crise que já existia –e foi agravada pela guerra– implica preços mais altos para os produtos agrícolas, prejudicando consumidores aqui e no exterior. Importante, porém, enfrentá-la sem imediatismos, investindo mais e melhor.

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