Países cortam imposto e dão subsídio para minimizar disparada dos preços de energia

Ao menos 29 governos já lançaram medidas; Brasil tem pressão por ações adicionais

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Brasília

A disparada nos preços de petróleo e energia deflagrou uma reação global para minimizar o impacto sobre empresas e consumidores. Ao menos 29 países lançaram medidas para amortecer o impacto, segundo levantamento da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

O rol de medidas é diversificado, mas grande parte das iniciativas está concentrada em cortes temporários de tributos e transferências de renda às famílias, sobretudo as mais vulneráveis, para ajudar no pagamento da conta de luz ou com livre destinação.

Entre os países que reduziram taxas ou tributos sobre eletricidade, estão Alemanha, Bélgica, Itália e Polônia. Na Europa, quase metade da energia elétrica é gerada a partir de gás, carvão ou petróleo, e dois terços da matriz energética como um todo são atrelados a fontes não renováveis.

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Movimentação em posto de combustível após mega-aumento anunciado pela Petrobras - Rivaldo Gomes - 10.mar.2022/Folhapress

A Coreia do Sul, por sua vez, decidiu cortar alíquotas cobradas sobre combustíveis como gasolina, diesel e gás de cozinha. Medida semelhante foi anunciada na quarta-feira (23) no Reino Unido, e a discussão também ganha força nos Estados Unidos.

Na Espanha, uma das medidas adotadas foi a taxação de lucros considerados excessivos obtidos por empresas geradoras de energia. Os recursos recolhidos são usados para financiar ações que assegurem preços mais factíveis aos consumidores.

Outros países como Áustria, França, Irlanda e Reino Unido recorreram a transferências a famílias de menor renda. Os formatos são variados e vão de pagamentos únicos a prestações mensais, condicionadas ou não ao uso para quitar contas de energia ou aquecimento durante o inverno europeu.

A Irlanda também decretou uma redução temporária nas tarifas de transporte urbano, entre abril de dezembro de 2022.

A ampla variedade de medidas mostra que o Brasil não está isolado na busca por soluções para o aumento dos preços de energia e combustíveis.

A decisão da Petrobras de conceder um mega-aumento de 24,9% no diesel, 18,8% na gasolina e 16,1% no gás de cozinha, em 10 de março, contribuiu para inflamar ainda mais os pedidos por uma tomada de atitude —em um ambiente já contaminado pelo clima eleitoral.

O governo Jair Bolsonaro (PL) já adotou parte do receituário, com aval do Congresso Nacional a uma desoneração completa de PIS/Cofins sobre diesel, gás de cozinha e querosene de aviação. A isenção será aplicada até o fim do ano e custará R$ 16,6 bilhões aos cofres públicos.

O projeto também prevê uma mudança na cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) estadual sobre o diesel. A expectativa do Ministério da Economia é que essa alteração resulte em alívio adicional nas bombas, mas a medida é criticada pelos governadores, que veem perda de arrecadação perto de R$ 14 bilhões em 12 meses.

Apesar da desoneração inicial do diesel, diferentes atores políticos defendem o lançamento de ações adicionais.

Além de criticar a política de preços da companhia, que acompanha as oscilações de preços do petróleo no mercado internacional, Bolsonaro sinalizou a possibilidade de desonerar também a gasolina. A medida custaria R$ 27 bilhões e foi criticada pelo secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago.

"Existe essa pressão [para desonerar gasolina]. Entendemos que não é uma boa política, pois você está atendendo um pessoal de classe média alta", disse Colnago na última terça-feira (22).

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), defendeu a instituição de um subsídio direcionado a algumas categorias, como motoristas de aplicativo, taxistas e famílias de baixa renda.

Há ainda ministros da ala política do governo que apoiam a criação de um subsídio direto aos preços dos combustíveis, a exemplo do que foi feito no governo Michel Temer (MDB) após a greve dos caminhoneiros. A subvenção era paga diretamente a distribuidores e importadores que vendessem o combustível a um preço de referência informado pelo governo.

O ministro Paulo Guedes (Economia) já admitiu que, se a guerra da Rússia contra a Ucrânia se prolongar, o governo terá de lançar mão de medidas adicionais para amortecer os efeitos da alta dos combustíveis. Enquanto isso, porém, ele e sua equipe tentam adiar a discussão e ganhar tempo, em meio à ausência de uma direção única dentro do governo sobre o tema.

A esperança da equipe econômica é que o conflito chegue ao fim, aliviando a pressão sobre as cotações internacionais do petróleo e do dólar.

No âmbito técnico, a avaliação é que, caso haja necessidade de atuação adicional, a melhor opção é uma transferência de renda temporária e direcionada aos grupos mais atingidos.

Uma política focalizada tende a ser mais barata e mais efetiva do que uma desoneração ampla da gasolina, que seria cara e beneficiaria cidadãos com maior poder aquisitivo que usam transporte individual para se locomover, segundo esses técnicos.

"Não há possibilidade de gastos infinitos. Os gastos são regrados, tudo tem um custo para sociedade", alertou Colnago.

O professor Edmar Almeida, do Instituto de Energia da PUC-Rio, afirma que os mecanismos recomendados pela OCDE para países em que a indústria energética conta com participação privada, como é o caso do Brasil, são a criação de um imposto variável —maior quando o preço de energia está baixo e menor quando há alta no mercado— ou transferências de renda diretamente aos consumidores.

"Essa discussão está mal canalizada no Brasil. O Brasil volta e meia quer discutir o problema do preço do combustível, mas o reflexo das autoridades públicas é pensar num subsídio para todo mundo, como foi feito no diesel em 2018", diz Almeida.

"O subsídio não foi para o caminhoneiro que fez a greve, foi para todo mundo, inclusive para dono de SUV. Esse caminho não é o adequado."

Para o especialista, é inviável financiar um subsídio que resulte em um desconto efetivo nas bombas. Nos cálculos de Almeida, para baixar os preços de diesel e gasolina em R$ 1, o custo seria de R$ 100 bilhões—sem garantia de que toda a redução seria repassada aos consumidores.

"No fim das contas, teríamos um desconto de 15% ou menos, custando mais que todo o Auxílio Brasil. É uma discussão totalmente sem pragmatismo. Vamos gastar mais que todo o dinheiro gasto para combater a pobreza no país para obter um desconto mínimo?", questiona.

O professor afirma que subsidiar a gasolina, seja por pagamentos aos produtores, seja por desoneração de tributos, não seria algo desejável. Além de uma política cara, a medida tornaria outras fontes renováveis de energia, como o etanol, menos competitivas. Na prática, o país se tornaria mais dependente ainda do petróleo.

Para ele, caso seja necessário adotar novas medidas no Brasil, o mais indicado seria uma transferência de renda.

O Senado chegou a aprovar um projeto de lei prevendo uma transferência mensal de até R$ 300 a motoristas, taxistas, entregadores e famílias vulneráveis, até o limite de R$ 3 bilhões. O texto ainda está pendente de análise na Câmara.

Países lançam medidas para tentar conter preços de energia e combustíveis

Ações vão desde cortes de tributos a subsídios diretos a famílias e empresas

  • Alemanha

    Redução da sobretaxa de energia renovável; Previsão de pagamento único de uma ajuda para famílias de baixa renda e estudantes, para ajudar na conta de luz.

  • Áustria

    Transferência única de 150 euros em dezembro de 2021 para famílias; Transferência adicional de 150 euros a desempregados e grupos vulneráveis em janeiro de 2022; Pausa em cobrança de contribuição verde sobre conta de luz, com alívio entre 60 e 100 euros.

  • Bélgica

    Ampliação da elegibilidade à tarifa social de eletricidade, de 500 mil para quase 1 milhão de famílias; Desconto único de 100 euros na conta de luz no início de 2022; Redução de tributo sobre eletricidade, de 21% para 6%, de 1º de março até 1º de julho de 2022.

  • Bulgária

    Congelamento de preços de energia e aquecimento de dezembro de 2021 a março de 2022; Compensação a companhias de parte dos custos com energia elétrica.

  • China

    Liberação de reservas de petróleo; Medidas para assegurar suprimento de carvão a usinas de geração de energia.

  • Coreia do Sul

    Redução de 20% nos tributos sobre gasolina, diesel e GLP entre novembro de 2021 e abril de 2022.

  • Dinamarca

    Injeção de recursos em programas sociais; Ajuda de 504 euros a 320 mil famílias de menor renda afetadas por alta nos preços do gás usado em aquecimento.

  • Eslovênia

    Transferência de renda a 34% da população mais afetada pelos aumentos de energia; Corte temporário de tributos sobre combustíveis, petróleo e gás; Pagamento único de 150 euros a trabalhadores e pensionistas de baixa renda ou recebedores de assistência social; valor chega a 200 euros em famílias com quatro crianças ou mais.

  • Espanha

    Cortes de tributos sobre geração de energia e contas de luz; Teto para preços de gás e garantia de suprimento mínimo de eletricidade para 11,5 milhões de famílias de menor renda; Taxação de lucros excessivos em geradores de energia e uso dos recursos para manter preços baixos a consumidores; Ampliação no bônus social a 1,2 milhão de famílias vulneráveis para pagar conta de luz, até 31 de março de 2022; Ampliação no benefício de aquecimento para famílias vulneráveis, no valor médio de 90 euros.

  • Estônia

    Descontos na conta de luz entre setembro de 2021 e março de 2022.

  • Finlândia

    Legislação reduziu valor permitido para distribuição de lucros de empresas e fixou teto menor para reajuste de tarifas de energia, de 15% para 8%.

  • França

    Teto temporário para aumentos em energia no fim de 2021 e em 2022; Voucher de 100 euros para pagamento de conta de luz a 5,8 milhões de famílias; Transferência de 100 euros a 38 milhões de pessoas com ganho líquido de até 2.000 euros mensais.

  • Grécia

    Ampliação dos subsídios à energia elétrica a todas às 4,2 milhões de famílias e também a empresas. Valores entre 39 e 65 euros; Ampliação de subsídios ao gás natural.

  • Hungria

    Instituição de um teto nos preços de comercialização de combustíveis, válido até início de abril; custo é bancado por comercializadores, mas parte ainda poderá ser compensado pelo governo.

  • Índia

    Corte de impostos sobre consumo de petróleo e diesel.

  • Irlanda

    Transferência única de 2.100 euros a 2 milhões de consumidores de energia elétrica; Transferência única de 125 euros para subsidiar aquisição de combustível a 390 mil beneficiários; Redução temporária de 20% na tarifa de transporte público, de abril até fim do ano.

  • Itália

    Redução de tributos sobre gás natural e energia elétrica; Incremento de 500 milhões de euros em apoio a pequenas e médias empresas.

  • Japão

    Criação de novo subsídio para distribuidoras, no valor de 80 bilhões de ienes, para compensar a contenção de reajustes; Apoio a famílias de baixa renda e setores como agricultura, pesca e transporte.

  • Letônia

    Transferência mensal de 15 a 20 euros a famílias vulneráveis para pagar conta de luz até fim de 2022; Até fim de abril, governo cobre custos de distribuição de energia, desonerando conta de luz.

  • Lituânia

    Diluição do aumento nos preços de gás e aquecimento pelos próximos cinco anos; Extensão da ajuda de aquecimento para 110 mil famílias de baixa renda.

  • Luxemburgo

    Corte em taxas pagas por consumidores para financiar energias renováveis, válido até fim de 2022; Governo iniciou testes para pagamento de ajuda a famílias de baixa renda.

  • Noruega

    Aumento de subsídios para famílias pagarem contas de luz; Ampliação temporária de benefícios sociais; Anúncio de cortes de tributos sobre energia elétrica.

  • Países Baixos

    Pacote de 3,2 bilhões de euros em cortes de tributos sobre energia para famílias e empresas.

  • Polônia

    Extensão do valor maior de transferência de renda a famílias vulneráveis, de outubro de 2021 a março de 2022; Tributo zero sobre gás e corte parcial sobre petróleo, diesel e aquecimento; "Escudo anti-inflação 1.0" (dezembro de 2021): desobriga pagamento de imposto especial sobre eletricidade, corte em tributo sobre eletricidade de 23% para 5%, corte em imposto sobre gás de 23% para 8% e menores preços de combustíveis; "Escudo anti-inflação 2.0" (fevereiro de 2022): redução de tributo sobre combustíveis de 23% para 8%, redução adicional no gás de 8% para zero e manutenção dos cortes por mais tempo, até julho de 2022.

  • Portugal

    Nova lei permite ao governo limitar margens de lucro em gás e combustíveis, mas implementação enfrenta dificuldades; Subsídios para consumo de combustíveis: 10 centavos de euro por litro (até 50 litros) até março de 2022, a um custo de 133 milhões de euros; Suporte a transporte de passageiros: 190 euros por táxi licenciado e 1.050 euros por ônibus, até março de 2022, com custo de 14,5 milhões de euros.

  • Reino Unido

    Fundo de 500 milhões de libras para ajudar famílias vulneráveis com pagamentos e descontos na conta de luz; Transferência de 350 libras à maioria das famílias para ajudar a pagar conta de luz; Desconto permanente de 150 euros na conta de luz em abril, beneficiando 80% das famílias; Desconto temporário de 200 euros na conta de luz em outubro de 2022, com devolução parcelada (40 euros por ano a partir de 2023); Redução de tributos sobre combustíveis por 12 meses, a um custo de US$ 6,6 bilhões.

  • República Tcheca

    Tributo zerado sobre eletricidade e gás entre novembro e dezembro de 2021; Assistência focalizada a famílias e empresários afetados significativamente pela alta nos preços de energia; Empréstimo garantido pelo governo, com juro zero, para pequenas e médias empresas que viram conta de luz subir mais de 100%.

  • Romênia

    Subsídios para até 5 milhões de consumidores de gás e eletricidade; Compensações para pagamento de contas de luz e gás de famílias e instituições sociais.

  • Suécia

    Compensação mensal de 195 euros, de dezembro de 2021 a fevereiro de 2022, a 1,8 milhão de famílias que consomem mais energia elétrica.

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