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Pequenos produtores se unem para crescer no pós-pandemia

Compras coletivas e seguro contra queda de preço ajudam a enfrentar custos maiores

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São Paulo

Alta dos fertilizantes, diesel caro, paralisação das compras nos meses mais difíceis da pandemia, incerteza sobre plantio e comercialização. Nos dois últimos anos, foi esse o contexto dos agricultores familiares ouvidos pela Folha.

Entre eles, é consenso que fazer parte de uma associação ou cooperativa fez toda a diferença neste período difícil.

Conseguiram descontos nas compras coletivas de insumos ou contratação de prestadores de serviços, bem como garantiram acesso direto a clientes dispostos a pagar mais pelo viés social ou ambiental da produção.

A opção pelo associativismo é importante, dizem, mesmo quando as cotações em alta ganham as manchetes, passando a impressão de que tudo corre bem com os produtores rurais. É o que diz Vânia Lúcia Pereira, presidente da Coopfam (Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo) e produtora de café orgânico.

Retrato de Vânia Lúcia Pereira da Silva, presidente da Coopfam
Retrato de Vânia Lúcia Pereira da Silva, presidente da Coopfam (Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região) - Divulgação

"A gente constatou que era melhor não ter tido a alta porque o impacto [do aumento dos custos] foi muito maior, mais que dobrou no caso dos produtores de café convencional", diz a presidente da Coopfam, hoje com 540 participantes e área média cultivada de 20 hectares.

A associação sentiu o baque dos custos em novembro passado, na hora da última adubação para a safra deste ano.

"Além das compras coletivas, quando conseguimos descontos, melhoramos a margem porque fazemos exportação direta, e antes exportávamos por trading", diz Vânia.

Cerca de 95% das 80 mil sacas produzidas anualmente seguem para fora do país, em um esquema de comercialização conhecido como fair trade (comércio justo).

São clientes da Alemanha, EUA, Austrália, Japão, entre outros países. "O fair trade garante o preço mínimo. Até 2020, os produtores chegaram a ter um prêmio de R$ 100 a R$ 200 por saca, serve como garantia para os períodos em que o preço cai", diz Vânia.

Para ter acesso ao certificado fair trade, é preciso atestar que o café é produzido em condições adequadas para os produtores familiares.

Os cooperados também se beneficiam da assistência técnica e da redução das despesas com armazenagem e insumos. A cooperativa possui uma torrefação, para venda no varejo com marca própria.

Com uma propriedade de dois hectares (20 mil metros quadrados), a 1.300 metros de altitude, em Piatã (BA), na Chapada Diamantina, o casal Deuseni e Giliarde de Oliveira adquirem fertilizantes e sacaria por meio da Coopiatã (Cooperativa de Cafés Especiais e Agropecuária de Piatã).

Agrofolha - café em Piatã
Deuseni de Oliveira cultiva café em uma propriedade de 2 hectares (20 mil metros quadrados), a 1,3 mil metros de altitude, em Piatã (BA), na Chapada Diamantina - Projeto Ato de Comer

Com o apoio, foram premiados em dois concursos. "As premiações foram muito importantes, começaram a vir nos visitar para conhecer o café", diz Deuseni.

Exportaram para Japão e Inglaterra, além de melhorar a rentabilidade ao vender para uma cafeteria de Brasília e a outro parceiro em Salvador.

Mas agora Deuseni se preocupa com a possibilidade de as cotações caírem. "O café subiu muito, mas o fertilizante também. E se cair o café, mas o fertilizante, não?"

Produzindo em São Roque de Minas (MG), Ivair José de Oliveira toca a fabricação de queijo da Canastra com a esposa, Lúcia. Contou também com a filha na pandemia.

Agrofolha - queijo Canastra
Ivair José de Oliveira cuida da fabricação de queijo da Canastra em São Roque de Minas (MG) - Projeto Ato de Comer

No início de 2022, viu as vendas caírem pela metade.

"A margem caiu bastante porque não deu para repassar o aumento dos custos", diz Ivair, que desde janeiro dirige a Aprocan (Associação dos Produtores de Queijo Canastra).

Ele avalia que, como produtor, uma das vantagens da associação é a consultoria veterinária para manter a saúde do rebanho. Outra foi a visibilidade quando seu queijo foi premiado na França, em 2019.

O caminho até Paris, diz ele, só foi possível por causa dos apoios. "A Aprocan ajuda na legalização da produção, além das parcerias com o Sebrae para participar das feiras", diz ele.

Também fez cursos de manejo do gado leiteiro na associação, onde adquire embalagens e coalho.
Hoje com 68 associados e produção de 2.000 peças ao dia, a Aprocan, diz Ivair, ajudou a manter a boa reputação do queijo da Canastra.

No litoral alagoano, a mudança no ambiente de negócios ocorreu com o apoio inicial do governo espanhol, do governo de Alagoas e do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) de Alagoas, em um projeto chamado Ostras Depuradas. O trabalho envolve cerca de cem famílias em cinco comunidades pesqueiras.

Agrofolha - fazenda de ostras em Alagoas
Projeto chamado Ostras Depuradas, envolve cerca de 100 famílias em cinco comunidades pesqueiras de Alagoas - Projeto Ato de Comer

Coordenado pelo IABS (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade), um dos objetivos da iniciativa foi dar condições para os produtores melhorarem a segurança sanitária.

Além de mesas de PVC para cultivo das ostras, iniciativa do Sebrae Alagoas, o IABS coordenou a instalação de uma depuradora para eliminar o risco de infecção.

Participante do projeto, Maria Sebastiana da Conceição, a dona Bastinha da comunidade Palatéia, em Barra de São Miguel (AL), lembra que, sem a depuração, o destino das ostras seria a venda nas praias, a preço menor.

"A situação melhorou quando a nossa associação começou a fazer o cultivo, e depois com o IABS comprando e depurando as nossas ostras", diz Sebastiana. "Com isso, podemos vender em São Paulo e outros lugares porque é uma ostra saudável. A gente precisa dessas parcerias, sem elas fica difícil", avalia.

No caso da produção de algodão orgânico branco e colorido naturalmente, em Remígio (PE), no Assentamento Queimadas, José Sinésio da Silva conta nos últimos anos com compradores franceses.

Hoje 140 produtores produzem em associação, por meio da Rede Borborema de Agroecologia, em oito cidades da região. Exportam para a França a maior parte das 300 toneladas anuais. Desde o fim de 2021, enviam também para uma indústria têxtil paulista.

"Vendemos o algodão orgânico por quase o dobro do preço do convencional, e um pouco mais que isso no caso do orgânico colorido naturalmente", diz Silva.

Desenvolvido pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o algodão colorido naturalmente passou a ser produzido por Silva em 2004, ainda representando parcela pequena da produção.

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