Privatização da Eletrobras corre contra o tempo para buscar R$ 25 bi na Bolsa

Operação precisa ser feita antes de a campanha eleitoral esquentar e é vista como oportunidade para pequenos e grandes investidores

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Brasília

Para dimensionar o que é a Eletrobras pense que de cada 10 lâmpadas ligadas no país, ao menos 3 são abastecidas pela energia gerada pela companhia. Maior empresa de energia da América Latina, dona ou sócia das mais importantes hidrelétricas do Brasil, como Belo Monte e Furnas, e responsável por quase 44% do sistema de transmissão do país, a estatal foi colocada numa corrida contra o tempo para ser privatizada.

O processo precisa ser concluído ainda no primeiro semestre, antes de a campanha eleitoral entrar na fase decisiva e afastar investidores. A venda foi modelada para ocorrer por meio de capitalização em Bolsa. Serão emitidas ações e recibos de ações (ADRs), respectivamente no Brasil e Estados Unidos.

Vista Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, no município de Tucuruí, uma das mais potentes do país; controlada pela Eletrobras, está no pacote de privatização - Divulgação

Se vingar, a oferta será uma das maiores operações em Bolsa na história das empresas brasileiras, cerca de R$ 25 bilhões, pelas estimativas. Só vai perder para a icônica emissão da Petrobras em 2009, quando a estatal de petróleo captou US$ 69 bilhões (R$ 353 bilhões pela cotação atual).

A oferta busca diluir a participação da União, que precisa cair de 72% para 45%, arrecadar recursos para pagar outorga ao Estado e transformar a empresa numa corporação. Nenhum acionista poderá ter mais de 10% do total das ações.

Mas a operação também é vista como uma rentável oportunidade de investimento, segundo consultores financeiros. Relatório do banco UBS, por exemplo, estima que o preço da ação, hoje na casa de R$ 35, pode dobrar em um ano, indo a R$ 70, com ganhos de eficiência numa gestão privada.

Estão previstas ofertas prioritárias para já acionistas, empregados e aposentados. Haverá espaço para operadores institucionais e pequenos investidores. Como ocorreu em outras privatizações, será possível usar metade dos recursos depositados no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), via fundos, para participar da oferta.

Analistas de mercado que acompanham o processo oscilam entre a euforia e a descrença pelo tamanho da oferta e o prazo diminuto para a sua conclusão. A maratona burocrática não é fácil, avalia Marcos de Vasconcellos, assessor de investimentos e colunista da Folha.

"Pelo porte da operação e pela dimensão e características da Eletrobras, uma estatal de abrangência nacional, é muito difícil que possa ser concluída num período tão curto, em ano eleitoral", diz Vasconcellos. Ele lembra que bastaria um grupo de funcionários descontentes engavetar um ou dois documentos vitais para retardar o trâmite e inviabilizar a privatização neste ano.

Na terça-feira (22), os acionistas aprovaram a operação numa assembleia extraordinária, etapa vital para dar continuidade ao processo, alimentando o otimismo de quem está de olho nas ações. O momento considerado mais sensível é a próxima reunião do TCU (Tribunal de Contas da União), que deve ocorrer entre final de março e início de abril.

O rito permite que se peça vistas ao processo, ao menos duas vezes, o que, no limite, poderia estender os trabalhos na corte por 60 dias —o que inviabilizaria a oferta no prazo desejado pelo governo e acionistas.

Um dos itens sob análise será o preço mínimo da ação. Os valores, calculados por consultorias contratadas pelo BNDES, são sigilosos. Já houve debates na corte sobre o valor da empresa. O ministro Vital do Rêgo Filho questionou a fórmula de cálculo e disse que a empresa valeria R$ 130 bilhões e não os R$ 67 bilhões definidos. Foi o único voto contra.

"A privatização chegou no apagar das luzes de um ano eleitoral e estamos diante de um quadro dantesco de entrega de um patrimônio já amortizado, pago, que teremos de pagar outra vez para continuar usando", diz o ministro. "Quem vai fazer a festa é o mercado financeiro."

O PT jogou mais uma bola para o TCU. Ajuizou na terça-feira (22), no STF (Supremo Tribunal Federal), mandado de segurança, em caráter liminar, para que a corte analise questionamento, sobre o valor da empresa, que foi enviado pelo Congresso.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas para a eleição à presidente, já declarou que o PT é contra a operação. "Nós entendemos que a empresa é de capital aberto, mas a Eletrobras também é uma empresa com o papel de garantir o abastecimento, o desenvolvimento e a soberania do Brasil –deve ter controle do Estado", diz a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT.

"Nossa expectativa é que a privatização não ocorra neste ano", diz a deputada. Se ocorrer, e o PT ganhar a eleição, Gleisi avalia que há como reverter o processo. "Foi uma operação em Bolsa, podemos fazer outra, e até recomprar as ações."

No último balanço financeiro anual, referente a 2020, a Eletrobras teve lucro de R$ 6,4 bilhões, uma queda de 42,6% em relação aos R$ 11 bilhões do ano anterior. O próximo resultado está previsto para ser divulgado em 14 de março.

Resultados dos últimos anos oscilaram muito. Em 2016, comemorou um lucro de R$ 3,4 bilhões, após quatro anos de prejuízos. Em 2017, nova queda, com prejuízo de R$ 1,7 bilhão. Desde 2018, vem apresentando resultados positivos, em parte atribuídos a processos pontuais de reestruturações, incluindo a venda de distribuidoras deficitárias.

Privatização da Eletrobras não garante redução da conta de luz

Privatizações sempre foram polêmicas e ruidosas, acompanhadas por batalhas judiciais e mobilizações de funcionários. Mas a forma como a privatização da Eletrobras foi conduzida pelo governo e capturada no Congresso atraiu questionamentos até de históricos defensores da desestatização.

Os parlamentares incluíram na MP (medida provisória) da privatização emendas que impuseram despesas futuras bilionárias para a nova Eletrobras, e que vão elevar a conta de luz, quando a meta da privatização era reduzir. No jargão político, essas emendas estranhas são chamadas jabutis.

A nova empresa terá que subsidiar térmicas a carvão —na contramão do mundo, que investe em fontes verdes. Terá de bancar térmicas a gás no interior do país, onde não há produção de gás. Então, ainda terá de arcar com a construção de gasodutos para abastecer essas térmicas, e fazer as linhas de transmissão para levar a energia do interior para as cidades maiores.

Por mais 20 anos, vai continuar mantendo o Proinfa, programa de incentivo a energias alternativas, que já não são tão alternativas. Tudo isso vai para a conta de luz.

"Empresa estatal quando privatizada ganha produtividade apenas por se livrar das amarras do controle público, Tribunais de Contas, Ministério Público. Mesmo sem mudar diretores e funcionários, funcionará melhor apenas pela eliminação da paralisia das canetas", diz Jerson Kelman, ex-diretor das agências que monitoram os setores de energia e água, Aneel e Ana.

"Mas os jabutis inseridos no projeto de privatização da Eletrobras constituem lamentável captura do processo de planejamento energético por parte de um Congresso dominado por interesses paroquiais e fisiológicos."

Como essas medidas atendem a interesses políticos, alguns especialistas em energia as consideraram uma espécie de preço extra a pagar para garantir o apoio dos parlamentares e fazer a privatização andar.

Também ajudou a reduzir a resistência dos políticos incluir na privatização que a nova Eletrobras fará repasses regulares para fundos regionais voltados à manutenção da estrutura hidrológica, vital para a geração de energia.

Na prática, eles poderão anunciar em suas bases os repasses que vão beneficiar rios como o São Francisco, os da Amazônia e bacias que sustentam o sistema de Furnas.

Há dois procedimentos definidos na regra da privatização que tentam aliviar a conta de luz.

O primeiro é o compromisso de a nova empresa repassar, durante 30 anos, recursos para a chamada CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), que serão usados para abater a tarifa do consumidor residencial ligado a uma distribuidora.

No primeiro ano da privatização, a regra prevê repasse de R$ 5 bilhões para ir direto ao abatimento da tarifa residencial. Haveria uma queda de 2,5% na conta de luz pelas estimativas. Como o governo corre para concluir a operação neste ano, antes das eleições, a medida, mesmo sendo bem-vinda, é considerada eleitoreira.

A privatização também vai acabar com a chamada cota, nome dado a um tipo de contrato de energia criado no governo de Dilma Rousseff. Esse contrato garantiu um pagamento fixo para o gerador e passou para o consumidor as despesas variáveis.

Desde lá, quando chove, não tem despesa extra e é ótimo para o consumidor. Mas em caso de seca, a produção da hidrelétrica cai, o dono da usina produz menos e precisa comprar energia mais cara no mercado para entregar o que prometeu —e essa despesa vai para conta de luz.

Como os últimos anos foram de seca, com elevados gastos excepcionais para geradores, a conta de luz explodiu. O processo de descotização, como é chamado o fim das cotas, também foi alvo de críticas por ser gradual e ter os benefícios diluídos para o consumidor.

Em relatório divulgado em julho de 2021, a Fiesp avaliou que o modelo de descotização e os jabutis dos parlamentares levariam a um aumento no custo da energia entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões.

O modelo de privatização tem ainda dois problemas que comprometem a redução do custo da energia, segundo especialistas.

Primeiro, não oferece nenhum mecanismo para aliviar o peso de energia para a indústria, que chega ao consumidor embutido no preço final dos produtos. O gasto com energia representa 48% do custo do leite, 25% do cimento, 32% do frango, 10% do custo do açúcar e de materiais de construção da casa popular, apurou um levantamento da Abrace, entidade dos grandes consumidores industriais de energia.

A energia elétrica responde, em média, por 12% do custo mensal familiar. Na cesta de consumo de 16,7 milhões de famílias com renda de até dois salários, essa despesa sobe para cerca de 15% dos gastos mensais.

"O custo invisível da energia vai continuar no preço dos produtos", diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.

Outro risco para a redução no preço da energia, avaliam especialistas, é o porte final da nova empresa. Mesmo sem Itaipu, que será transferida para outra estatal, a Eletrobras vai ter 26% da geração. Será um gigante. A segunda no ranking, a Engie tem menos de 6% do mercado.

Inicialmente, as usinas de Tucuruí e Mascarenhas, que são grandes geradores, seriam privatizadas em separado, reduzindo o peso da nova companhia e incentivando a concorrência. Sem uma discussão mais ampla, porém, elas foram incluídas no pacote da privatização.

"Minha opinião é que, a essa altura, não dá para parar o processo, pois o prejuízo seria alto, mas a oferta da Eletrobras vai entrar para história como a pior privatização já feita", diz Elena Landau, economista e sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes.

Elena foi diretora de Desestatização do BNDES e avalia que, pelo porte da Eletrobras, sua privatização permitiria a reorganização estrutural da área de energia no Brasil, após um amplo debate com diferentes agentes do setor. Foi o que ocorreu na privatização do sistema Telebras, lembra ela, o que levou à popularização e a queda no preço do telefone.

Entre os defensores da desestatização, o que se espera agora é que, se for transferida à iniciativa privada, livre da ingerência política, a Eletrobras se torne mais eficiente e consiga, com o tempo, oferecer produtos e serviços mais modernos a preços competitivos.

"A privatização é por natureza controversa. Você pode dizer que se a estatal é tão boa porque o Estado não fica com ela e rentabiliza os seus benefícios —é um debate legítimo", diz Luiz Augusto Barroso, diretor-presidente da consultoria PSR e ex-presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), responsável pelo planejamento do setor elétrico no Brasil.

"A questão é que o Estado não consegue manter a empresa competitiva, dentro de uma indústria em transformação, então, por que não vender e cuidar daquelas atribuições características do Estado, como educação, saúde e segurança pública?"

A reportagem procurou o BNDES e o Ministério das Minas e Energia para contrapor as críticas. Ambos responderam que estão cumprindo o período de silêncio. Esse prazo, estabelecido em lei, normalmente ocorre 60 dias antes da data fixada para uma operação em Bolsa. A data da oferta da Eletrobras ainda não foi definida.

Vista da Usina de Itaipu, que será transferida para nova uma estatal - Caio Coronel / Divulgação

Colaborou Lucas Bombana

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