Saiba como Tupandi, cidade gaúcha, praticamente zerou dependência do Bolsa Família

Município, que é um polo moveleiro, complementou acompanhamento dos jovens com cursos profissionalizantes

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Estudando, sentando em sua cama, Eduardo Baungartem, que era de uma família que recebia o Bolsa Familia em Tupandi

Eduardo Baungartem, que era de uma família que recebia o Bolsa Familia em Tupandi Daniel Marenco/Folhapress

São Paulo

Cursos profissionalizantes para os jovens, incentivo ao esporte e apoio na graduação. Campeã no número de "filhos" do Bolsa Família que saíram do Cadastro Único, com um resultado de 95,7%, segundo estudo inédito do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social), a gaúcha Tupandi tem lições para ensinar.

Com uma população estimada em 5.000 habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ela aproveitou o baixo número de inscritos no Bolsa Família no município —cerca de 35 no último ano— para acompanhar de perto o desenvolvimento das crianças e jovens no programa.

Há mais de uma década, o município tenta ir além da transferência de renda para as famílias. Fora a frequência na escola exigida no programa federal, os jovens podem escolher entre cursos profissionalizantes de curta e média duração, como o de corte e costura, auxiliar de escritório ou de estética.

Um desses jovens é Eduardo Baungartem, 17. Quase se formando no curso de barbeiro, ele se divide entre o trabalho, o último ano do ensino médio e o sonho de cursar odontologia. A prefeitura empregou a mãe dele e os pais conseguiram sair do Bolsa Família, após quase cinco anos sendo beneficiários do programa.

"O programa foi muito importante para nós, ajudava nas despesas principais em momentos em que a gente não estava tão bem e enquanto eu me preparava para o futuro."

A cidade, que fica a 86 km de Porto Alegre, se destaca pelo alto PIB (Produto Interno Bruto) per capita (por pessoa), de R$ 102.777 em 2019, segundo o IBGE. Parte da riqueza vem do campo: da avicultura, suinocultura e da produção de ovos e leite. Mas ela também se tornou um polo da indústria de móveis, o que impactou positivamente na renda e na geração de empregos a partir das últimas décadas.

"Gosto bastante daqui e pretendo ficar na cidade. Como ela não é tão grande, acabamos recebendo bastante apoio. Meu irmão, que hoje tem dez anos, também vai poder ter as mesmas oportunidades que estou tendo", diz Eduardo.

Segundo a secretária de Assistência Social de Tupandi, Márcia Warken, uma etapa posterior dos projetos de acompanhamento dos jovens do município é o incentivo à graduação e a prefeitura oferece apoio e um serviço de transporte gratuito até a universidade, na cidade vizinha. "Como uma forma de retribuição, os estudantes estagiam por três horas semanais em escolas ou centros sociais."

Hoje psicóloga da prefeitura, Vivian Marx, 31, trabalhou em bibliotecas de escolas, na digitalização de notas fiscais e na bilheteria e organização dos eventos públicos do município. "O projeto para graduação, que não é voltado apenas para dependentes do Bolsa Família e do Auxílio Brasil, me auxiliou desde o começo da faculdade."

Ela conta que a vontade da maior parte dos estudantes é ficar no município depois de formados, para retribuir o investimento. "O projeto foi muito importante, em função da redução dos custos. Como não tive bolsa, o município custeava uma disciplina em troca de serviço comunitário."

Para o economista Paulo Tafner, do IMDS, as iniciativas dos municípios complementam o ciclo positivo iniciado pelo Bolsa Família. "A importância do programa federal é nítida, mas ele vai até um certo ponto. O acompanhamento das crianças e jovens das famílias é o que pode definir a transição da situação de vulnerabilidade."

A região Sul é a que tem a mais alta taxa de saída do CadÚnico de dependentes do Bolsa Família, com 74%, seguida de perto pelo Centro-Oeste (72%). Na outra ponta, está o Nordeste, com 58%.

Nesse outro extremo, Milagres do Maranhão (MA), com 28%, Limoeiro do Ajuru (PA), com 29%, e Bela Vista do Piauí (PI), com 30,7%, têm as menores taxas de saída do cadastro do governo para famílias em situação de vulnerabilidade. Por estarem em estados com um mercado de trabalho mais frágil do que a média do país, a dificuldade que essas famílias têm em deixar de receber o benefício é maior.

No quarto trimestre do ano passado, o Maranhão acumulava uma taxa de desocupação de 13,4% —acima dos 11,1% para o Brasil, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua. No Piauí, o desemprego era de 11,9% no período; no Pará, de 11%.

Já no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, onde ficam as cidades com os melhores resultados do CadÚnico, o desemprego ficou em 8,1% e 4,3% no quarto trimestre, respectivamente.

"Muitas vezes, o mercado de trabalho mais estagnado representa um risco tão grande para o futuro das famílias que dependem de programas de transferência de renda, que mesmo com iniciativas locais a melhora na renda dos jovens é difícil", diz o economista Bruno Ottoni, da IDados.

​Tafner pondera que, apesar das dificuldades, os municípios mais pobres podem tentar reforçar a formação e a inclusão dos "filhos" de programas de transferência de renda, por meio de parcerias com cidades maiores daquela região.

"Cidades com economia mais frágil podem se unir aos principais municípios próximos, com programas de estágio e emprego. Os governos estaduais também têm o papel fundamental de coordenar isso. Demanda iniciativa e planejamento, mas é possível", diz.

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