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Sanções econômicas funcionam? O que a história diz sobre o sucesso dessas medidas

Uso de diferentes sanções para punir um governo ou forçá-lo a cumprir determinados objetivos é registrado desde pelo menos a Grécia antiga e foi adotado ao longo de vários séculos

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Alessandra Corrêa
Washington | BBC News Brasil

As sanções impostas à Rússia pelos Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e outros países em resposta à invasão da Ucrânia seguem um longo histórico do uso de penalidades para forçar mudanças de comportamento em determinadas nações.

Mas uma análise de medidas do tipo adotadas no passado demonstra que nem sempre o objetivo é alcançado. Além disso, em certos casos, há o risco de consequências inesperadas e até mesmo de que o resultado seja o oposto do desejado, fortalecendo o governo que pretendem fragilizar e gerando impacto negativo sobre direitos humanos, democracia e outros aspectos.

O rublo despencou em relação ao dólar e outras moedas nos últimos dias
A cotação do rublo russo despencou desde que sanções econômicas foram impostas à Rússia - EPA

"Se você olhar para a história moderna, verá que quase todas as vezes em que um país violou tratados internacionais, ou invadiu outro país, ou sequestrou cidadãos de outro país (entre outros exemplos), sanções foram impostas", diz à BBC News Brasil o economista Paolo Pasquariello, professor de Finanças da Universidade de Michigan, nos EUA.

"Mas o histórico (dos resultados) não é muito bom. Nas últimas décadas, para mencionar apenas alguns exemplos, sanções foram impostas contra Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. Mas, no meu entender, não produziram os resultados desejados", observa Pasquariello.

Estudos calculam que apenas cerca de um terço das sanções costumam ter sucesso e atingir seus objetivos. Uma das análises recentes mais completas sobre o tema foi feita por pesquisadores da Universidade Drexel, com sede na cidade da Filadélfia, e confirma essa estimativa.

Os pesquisadores criaram um banco de dados com informações sobre 1.101 casos de sanções aplicadas por países, grupos de países ou organizações intergovernamentais desde 1950, muitas das quais ainda permanecem em vigor.

As sanções foram classificadas conforme o tipo (comerciais, financeiras, de assistência militar, de armas, de viagens e outros tipos) e objetivos (forçar mudanças em determinadas políticas, desestabilizar regimes, prevenir ou acabar com guerras, proteger direitos humanos, restaurar democracia, combater terrorismo, resolver conflitos territoriais, entre outros).

O próximo passo foi analisar o grau de sucesso, medido de acordo com declarações oficiais dos governos ou "confirmações indiretas em anúncios internacionais de imprensa", e levando em consideração que essas declarações "podem ser subjetivas ou tendenciosas".

Quando incluídas sanções ainda em vigor, calcula-se que cerca de 30% tenham pelo menos sucesso parcial.

"Ao longo do tempo, cada vez mais sanções foram classificadas como parcialmente ou completamente bem-sucedidas, sugerindo assim que as sanções se tornaram mais eficazes em atingir seus objetivos", diz o estudo.

Exemplos históricos

O uso de diferentes sanções para punir um governo ou forçá-lo a cumprir determinados objetivos é registrado desde pelo menos a Grécia antiga e foi adotado ao longo de vários séculos.

A partir de 1950, período englobado pelo banco de dados da Universidade Drexel, o número de sanções "aumentou continuamente, e esse aumento foi acelerado desde 2018", segundo a análise.

"Nós vemos essa tendência como evidência da crescente popularidade de sanções como ferramenta de diplomacia coercitiva", dizem os pesquisadores.

Em média, mais de 35% de todas as sanções entre 1950 e 2019 foram impostas pelos Estados Unidos, país que usou esse tipo de penalidade com mais frequência. A análise também revela um "aumento significativo e contínuo em sanções da União Europeia e da ONU [Organização das Nações Unidas] desde o início dos anos 1990".

Há vários exemplos de países submetidos a essas penalidades no período analisado. A África do Sul foi alvo de sanções internacionais na era do apartheid, o regime de segregação racial que esteve em vigor do fim da década de 1940 até os anos 1990.

Cuba é alvo há 60 anos de um embargo econômico imposto pelos Estados Unidos. O Iraque foi submetido a sanções após a invasão do Kuwait, em 1990. Coreia do Norte e Irã foram alvo de sanções por causa de seus programas nucleares.

A própria Rússia já havia sido punida em 2014, quando invadiu a Crimeia, e muitas das sanções impostas ao país na época ainda permanecem em vigor.

Sofrimento da população

Sanções econômicas e financeiras são as mais comumente usadas, segundo o banco de dados da Universidade Drexel.

Algumas das medidas são projetadas para serem o mais específicas possível, punindo apenas determinados indivíduos. Mas muitas outras, apesar de serem uma alternativa à ação militar, também causam grandes danos e sofrimento à população civil, incluindo aos cidadãos que se opõem ao governo.

No entanto, mesmo com o impacto às vezes devastador, as sanções não atingem seus objetivos em cerca de dois terços dos casos.

"Geralmente, as sanções acabam afetando a maioria das pessoas que vivem nesses países", ressalta Pasquariello, da Universidade de Michigan.

"Acho que, apesar de isso não ser dito explicitamente, o objetivo é mesmo ferir a população do país (alvo)."

Segundo o economista, o propósito é fazer com que o país inteiro entenda que seus governantes estão fazendo algo que as nações impondo as penalidades consideram errado.

As atuais sanções contra a Rússia são consideradas únicas pelo alcance e a rapidez com que foram adotadas, poucos dias após a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro. Além disso, se diferenciam por terem como alvo uma potência nuclear e um país que, apesar de não ser considerado um gigante econômico, tem papel geopolítico crucial.

"As sanções costumam ser impostas a pequenos atores regionais", ressalta Pasquariello, lembrando que esses países não têm tanta importância para a economia global.

"O caso da Rússia é diferente. Tem uma magnitude e um alcance que nunca vi em outras sanções em meus 50 anos de vida."

Entre as penalidades já adotadas, estão sanções a bancos e membros do governo russo e da elite econômica, incluindo o congelamento de ativos, restrições de viagens e exclusão de grandes bancos russos do sistema financeiro e do sistema de comunicação usado para transações internacionais.

Outras medidas incluem restrição de importações de petróleo, gás e carvão da Rússia, proibição da exportação de diversos produtos para o mercado russo, incluindo artigos de luxo, taxação sobre importação de produtos russos e restrições a aeronaves russas no espaço aéreo de diversos países.

Grandes empresas do setor privado, como Coca-Cola, McDonald's, Starbucks e várias outras, suspenderam operações na Rússia.

Estas e outras penalidades não apenas estão abalando e isolando a economia e o sistema financeiro da Rússia e suas elites, mas também afetam a população geral. O rublo, a moeda russa, despencou, e a economia está em colapso.

"São sanções econômicas devastadoras, que estão realmente ferindo cidadãos russos", salienta Pasquariello.

"Estamos falando de 145 milhões de pessoas, muitas das quais não conseguem retirar dinheiro dos bancos."

Os impactos da crise econômica russa devem afetar o resto do mundo, com alta global nos preços do petróleo e reflexos na inflação.

Sucesso ou fracasso

Mas, apesar deste impacto, a Rússia mantém sua ofensiva militar, e não se sabe se as sanções vão ajudar a Ucrânia.

A Rússia proibiu a exportação de alguns produtos em retaliação, impôs sanções contra membros do governo americano e ameaçou nacionalizar os ativos de empresas que se retiraram do país. Há também o temor de que a crise leve a um aprofundamento das relações com a China.

Pasquariello destaca que é sempre muito difícil prever se determinadas sanções irão atingir seus objetivos.

O sucesso ou fracasso depende de uma combinação de diversas circunstâncias e fatores —entre eles, o grau de integração econômica do país que é alvo das medidas com o resto do mundo.

"Alguns podem argumentar que determinadas sanções impostas contra o Irã foram eficazes, ao retardar o progresso do desenvolvimento de armas nucleares e trazer o país para a mesa de negociação", observa, ao citar um exemplo em que as punições podem ter tido sucesso.

Sanções contra o Irã foram revogadas após um acordo nuclear negociado durante o governo de Barack Obama em 2015. Seu sucessor, Donald Trump, abandonou o acordo e retomou as medidas punitivas.

Neste ano, o sucessor de Trump, o atual presidente Joe Biden, anunciou que aliviaria as sanções, em meio a novas negociações sobre um acordo.

Pasquariello compara o Irã com a Coreia do Norte, onde a pressão internacional não teve resultado.

"A Coreia do Norte é um país isolado do resto do mundo há décadas e no qual as sanções não conseguiram impedir o desenvolvimento de armas nucleares", afirma.

No caso da Rússia, Pasquariello ressalta que não se pode analisar apenas um fator isoladamente. Segundo o economista, o possível impacto das sanções deve ser considerado em conjunto com outros aspectos.

"Em combinação com o fato de que a Ucrânia está resistindo melhor do que o antecipado e de que os russos claramente superestimaram sua própria força militar", salienta.

"Acho que tudo isso cria uma situação muito precária para (o presidente Vladimir) Putin e para as pessoas ao seu redor."

Segundo Pasquariello, resta saber qual será a reação russa diante desta situação.

"Será que vai redobrar (sua posição)? Ou virá à mesa de negociação?", questiona.

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