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As vidas interrompidas com o surto de Covid em Xangai

Cidade luta para conter surto de Covid e garantir condições básicas a seus 25 milhões de habitantes

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Pequim | Caixin

Xangai está travando uma guerra perdida em duas frentes: a batalha para conter seu pior surto de Covid-19 e a luta para atender às necessidades básicas dos 25 milhões de habitantes da cidade.

A maior cidade da China –um extenso núcleo litorâneo de finanças, tecnologia, manufatura e transporte– está na terceira semana de bloqueio geral, destinado a impedir a propagação da pandemia. No entanto, a furtiva variante ômicron do coronavírus está gerando um recorde de infecções. Xangai registrou mais de 23.500 novos casos no sábado (23), incluindo 19.923 assintomáticos.

Restrições rigorosas para o controle do vírus, que confinam quase todos em suas casas, paralisaram a cidade. Medidas de flexibilização foram implementadas em áreas da cidade na semana passada, mas as movimentações ainda são bastante limitadas.

Residentes de Xangai se enfileram para realizar testes de Covid durante lockdown na cidade - Aly Song - 17.abr.2022/Reuters

Todo mundo está sentindo o aperto. Enquanto os moradores correm para comprar as necessidades diárias online, fornecedores e correios sofrem pressão para entregar os pedidos, e o sistema de logística da cidade vacila. Temores de contágio, restrições de movimento dentro e fora de Xangai e dúvidas sobre quem pode aceitar trabalhos de entrega e que veículos eles podem dirigir deixaram a cidade mal atendida, provocando a indignação pública devido à escassez de alimentos.

Embora as principais plataformas de comércio eletrônico, incluindo Alibaba, JD.com e Meituan, tenham se comprometido a aumentar a mão de obra em Xangai para reforçar os serviços de entrega locais, a agência de notícias Caixin soube que a maioria delas não consegue funcionar em plena capacidade sob as restrições do vírus.

As empresas estão pagando caro. Xangai, com um Produto Interno Bruto anual superior a 4 trilhões de yuans (R$ 3 trilhões), é um centro financeiro e comercial crucial para indústrias como automóveis, semicondutores e outros eletrônicos. Xangai tem o maior porto de contêineres do mundo e serve como um polo para a vasta rede de comércio global da China. As interrupções estão se espalhando pelas cadeias de suprimentos internacionais de mercadorias, de veículos elétricos a iPhones.

Muitas linhas de fabricação de semicondutores e automóveis foram forçadas a suspender ou reduzir a produção em Xangai e nas regiões vizinhas por causa de controles do vírus e da falta de suprimentos.
He Xiaopeng, CEO da fabricante de veículos elétricos Xpeng, avisou em 14 de abril que as montadoras chinesas poderão ter que interromper a produção em maio se as paralisações persistirem na área de Xangai.

Uma paralisação de um mês pode reduzir a renda de Xangai em 61%, cortando a renda nacional em 8,6% devido às interrupções na logística e ao aumento dos custos comerciais, segundo uma pesquisa conduzida por Song Zheng, professor de economia na Universidade Chinesa de Hong Kong. Isso significaria uma perda de 0,7% para o PIB da China, disse Song.

Uma estimativa da Western Securities com base em mudanças nos volumes de frete mostrou que o lockdown em Xangai pode reduzir o PIB chinês em 1 ponto percentual em relação ao do primeiro trimestre, para 4,6%.

O caos logístico desencadeado pelo surto em Xangai reflete diferentes entendimentos políticos e má coordenação entre as regiões sob a estratégia chinesa de "Covid zero". As autoridades implementaram políticas em graus diferentes, disseram analistas.

Em meio à crescente agitação, os departamentos do governo central emitiram uma série de decretos de apoio à logística e suprimentos para regiões atingidas por surtos. Em 11 de abril, o Conselho de Estado emitiu um conjunto de diretrizes destinadas a garantir os fluxos logísticos, seguidas de medidas detalhadas das autoridades rodoviárias, ferroviárias e aeronáuticas.

Em 12 de abril, foram reabertas 162 saídas de rodovias e 81 centros de atendimento que estavam fechados para controle do vírus, mostraram dados do Ministério dos Transportes. As autoridades locais em Zhejiang e Jiangsu estabeleceram centros de transferência para testar formas de os caminhões de carga intermunicipais entregarem mercadorias sem contato direto, para reduzir os riscos de infecção.

Em um fórum em 16 de abril, o vice-ministro da Fazenda Liao Min disse esperar que mais políticas financeiras sejam emitidas para ajudar na recuperação do setor de logística do país.

"Não importa o que aconteça, a situação está melhorando", disse um funcionário do gigante de comércio eletrônico JD.com. A empresa está alocando recursos e pessoal sob a assistência das autoridades para melhorar o abastecimento do mercado em Xangai, disse a fonte.

Na semana passada, a JD.com disse que despachou mais de cem veículos autônomos para a cidade para cuidar da etapa final das entregas.

Caos logístico


Em 8 de abril, uma semana depois que a maioria dos condomínios residenciais de Xangai entrou em confinamento em grande escala, a gigante do comércio eletrônico JD.com revelou um plano ambicioso para fornecer mais de 16 milhões de itens de necessidade diária e mobilizar 3.000 entregadores para atender às necessidades básicas da cidade no próximo mês.

A JD.com disse estar confiante com o plano para seu centro logístico sem funcionários "Ásia No. 1", no distrito de Jiading, em Xangai, e mais de cem armazéns menores espalhados pela cidade.

Mas a realidade foi dura. O centro Ásia nº 1 suspendeu as operações depois que surgiram infecções entre os funcionários, dias depois, enquanto quase dois terços dos funcionários da JD em Xangai e áreas vizinhas não podiam trabalhar normalmente sob as regras de controle do vírus.

Os moradores de Xangai logo descobriram que precisavam esperar uma semana pelo popular serviço de "entrega no mesmo dia" da JD.

"A JD subestimou a complexidade" da situação de Xangai, disse um executivo de uma empresa de varejo. "Existem bloqueios e postos de controle que impedem o transporte de materiais para Xangai e que os serviços de correio alcancem as comunidades dentro da cidade. Isso não pode ser resolvido por uma única empresa", disse o executivo.

Desde então, muitas autoridades locais em todo o país implementaram restrições de viagem em meio a surtos do vírus, levando ao fechamento de rodovias e bloqueios de estradas. De acordo com dados do Ministério dos Transportes, 678 saídas de rodovias e 364 centros de serviços em toda a China foram fechados em 10 de abril.

Em Xangai, regras rígidas de entrada foram implementadas à medida que a cidade era fechada, permitindo o acesso de veículos especialmente licenciados que fornecem suprimentos básicos.

"O transporte de mercadorias está uma bagunça nas regiões de Zhejiang, Jiangsu e Xangai", disse Chen Shunxiang, administrador de uma pequena empresa de frete de caminhões.

De acordo com Chen, caminhoneiros intermunicipais enfrentam maiores riscos de ficar presos durante dias em regiões atingidas por vírus ou entre destinos devido a restrições locais rígidas. Alguns motoristas precisam ficar em seus veículos durante dias na estrada antes de serem liberados para continuar viagem.

Em muitos lugares, os caminhoneiros são obrigados a apresentar testes de vírus negativos feitos dentro de 48 horas após a chegada, além de outros certificados e comprovantes de saúde. A complexidade do procedimento para obtenção dos certificados e os frequentes congestionamentos causados pelo fechamento das rodovias tornam cada vez mais difícil para os motoristas a manutenção da pontualidade. Além disso, muitos motoristas ficaram confinados em casa sob medidas locais de lockdown.

De acordo com uma fonte do setor de frete em Wuxi, província de Jiangsu, o número de caminhoneiros em operação na região caiu pelo menos 60%. Capacidade reduzida, tempos de transporte mais longos e despesas crescentes com combustível aumentaram os custos de frete em quase 30% no início de abril em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Federação Chinesa de Logística e Compras.

O declínio dos serviços de caminhões atrapalhou o Porto de Xangai, o maior porto de contêineres do mundo. O frete rodoviário representa mais de 50% do volume de transporte de contêineres no porto.

No último surto, o porto conseguiu manter as operações normais usando um sistema de circuito fechado, em que os trabalhadores moram no local e são testados regularmente. Mas a escassez de trabalhadores e serviços de caminhões deixou os navios retidos no mar, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.

Parte do congestionamento está se espalhando para portos próximos, com navios sendo desviados para Ningbo e Zhoushan para evitar a escassez de caminhoneiros e o fechamento de armazéns em Xangai.
Bettina Schoen-Behanzin, vice-presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China, avaliou que a movimentação de mercadorias no porto de Xangai caiu 40% em relação ao normal.

O frete aéreo também diminuiu drasticamente no bloqueio. De acordo com o site de rastreamento de voos VariFlight, mais de 98% dos voos programados nos aeroportos Hongqiao e Pudong, de Xangai, foram cancelados entre 6 e 12 de abril.

O Aeroporto Internacional de Pudong é o maior polo de carga aérea da China, respondendo por 50% do volume total do comércio aéreo do país.

A ligação de carga aérea doméstica está parcialmente quebrada devido ao surto em Xangai, disse um agente de frete aéreo.

Operadoras internacionais de carga também cancelaram voos em Xangai devido a preocupações com a falta de serviços terrestres, disse um funcionário do Aeroporto de Pudong. O número de aviões de carga operando em Xangai diminuiu mais de 505 em 13 de abril, segundo dados da VariFlight.

Empresas sob pressão


As interrupções logísticas em Xangai e na região circundante do Delta do Rio Yangtze, o principal centro de manufaturas da China, estão repercutindo através das cadeias industriais, agitando as empresas em toda a China e outros países.

Uma pesquisa da Câmara de Comércio da União Europeia na China descobriu que 30% das empresas entrevistadas disseram ter sido atingidas por interrupções no fornecimento. A Câmara Americana de Comércio na China descobriu que 57,3% das empresas pesquisadas foram afetadas pelas interrupções.
Desde que Xangai entrou num bloqueio de duas fases em 28 de março, uma lista crescente de empresas de eletrônica, semicondutores e produção de automóveis reduziram ou suspenderam as operações sob as restrições do vírus.

Xangai hospeda muitos dos principais fabricantes de semicondutores da China, incluindo a maior fundição de chips do país, a Semiconductor Manufacturing International Corp (SMIC). Em 2021, as vendas de circuitos integrados em Xangai aumentaram 24,5% em relação ao ano anterior, para 257,9 bilhões de yuans (R$ 193,42 bilhões), um quarto do total nacional. A cidade também abriga muitos fabricantes de automóveis, incluindo a gigante de carros elétricos Tesla.

Nas proximidades de Kunshan, província de Jiangsu, as restrições do vírus também afetam os negócios a jusante na cadeia de fornecimento de chips. O polo de eletrônicos e sede de muitas empresas taiwanesas está sob o bloqueio geral da cidade desde 6 de abril.

A fabricante de MacBooks Quanta Computer Inc. e a montadora de iPhones Pegatron Corp. anunciaram na semana passada interrupções na produção em suas instalações em Xangai e Kunshan, medidas que afetarão a entrega de dispositivos da Apple, disse a TF International Securities.

A SMIC e a Hua Hong Semiconductor organizaram sistemas de circuito fechado para garantir que alguns de seus funcionários possam continuar trabalhando nas linhas de produção. Mas as empresas de embalagem de chips, que dependem de mão de obra intensiva, são as mais afetadas pelas restrições do vírus, disse a Minsheng Securities em uma nota de pesquisa. Para os fabricantes de chips em Xangai, um desafio mais sério é proteger os caminhões para que seus materiais e produtos sejam entregues.

Os fabricantes de semicondutores em Xangai dependem principalmente do estoque para continuar a produção e enfrentarão escassez de material se as medidas de bloqueio continuarem durante meses, disse a Sinolink Securities.

A indústria automobilística é propensa a falhas de produção devido a suas longas e complexas cadeias de suprimentos e estoques limitados. Desde o início do lockdown em Xangai, várias grandes montadoras interromperam ou reduziram a produção por causa da falta de peças.

A fábrica da Tesla no distrito de Pudong, no leste de Xangai, interrompeu a produção em 28 de março, perdendo 39.900 unidades. A Volkswagen da Alemanha suspendeu as linhas de montagem em Anting em 1º de abril devido à escassez de peças.

A startup de carros elétricos Nio Inc. disse em 9 de abril que interrompeu a produção devido às restrições da Covid-19 que forçaram fornecedores de peças em vários lugares, incluindo Xangai e as províncias de Jilin e Jiangsu, a suspender a fabricação desde março.

"Se Xangai não puder retomar a produção até maio, todos os players de tecnologia e industriais que têm cadeias de suprimentos na área vão parar completamente, especialmente a indústria automotiva", disse Richard Yu Chengdong, chefe da divisão automotiva e de consumo da Huawei Technologies, em uma postagem no WeChat.

"Isso trará consequências graves e prejuízos enormes para toda a indústria", escreveu Yu.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Shen Xinyue , Yu Cong , Bai Yujie , Yang Jinxi , Zhang Erchi , Qu Yunxu , Bao Zhiming e Han Wei
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