Canadá apresenta projeto de lei exigindo que plataformas online dividam receitas com jornais

Lei visa compensar organizações de notícias em dificuldades e segue medidas semelhantes da Europa e da Austrália

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Ian Austen Vjosa Isai
Ottawa | The New York Times

O governo do primeiro-ministro canadense Justin Trudeau apresentou na terça-feira (5) uma legislação que obriga companhias como Google e Facebook a pagar aos meios de comunicação locais por publicar links para conteúdo noticioso em suas plataformas.

As empresas jornalísticas canadenses, muitas das quais enfrentam dificuldades financeiras, há muito pressionam o governo por essa medida, argumentando que a receita de publicidade, que antes era a base de seus negócios, migrou para as gigantes de internet globais.

Essa pressão aumentou depois que a Austrália aprovou uma medida semelhante em 2021 e a Europa revisou suas leis de direitos autorais para compensar as empresas de jornais e revistas.

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, em coletiva de imprensa em Ottawa, Ontario - Patrick Doyle - 22.mar.2022/Reuters

"O setor no Canadá está em crise", disse o ministro canadense Pablo Rodriguez, em entrevista com jornalistas. "Isso contribui para o aumento da desconfiança pública e o aumento da desinformação prejudicial em nossa sociedade."

Rodriguez disse que 450 meios de comunicação no Canadá fecharam entre 2008 e 2021.

Segundo ele, a lei proposta é amplamente semelhante às medidas da Austrália, mas inclui requisitos de relatórios públicos e dá a um órgão independente, em vez do ministro, o poder de determinar quais operações se qualificam para os subsídios.

Em 2020, o Facebook alertou que impediria seus usuários e organizações de notícias da Austrália de compartilhar notícias em sua rede social e no Instagram se o país aprovasse a legislação na forma proposta na época. No início do ano seguinte, começou a limitar as notícias, mas logo voltou atrás.

O Google também ameaçou cortar a Austrália de seu mecanismo de buscas em 2021, mas depois fechou acordos de compensação voluntária com agências de notícias locais.

Rodriguez disse que ele e as autoridades canadenses consultaram extensamente as principais empresas de tecnologia.

"Elas estavam abertas à regulamentação", disse ele. "Existem coisas com as quais elas concordam ou discordam no projeto de lei? Saberemos em conversas futuras."

A News Media Canada, um grupo de editores jornalísticos, reagiu positivamente ao projeto de lei.

"Notícias reais relatadas por jornalistas reais custam dinheiro real", disse Jamie Irving, presidente do grupo, em comunicado. "Esta legislação nivela o campo de jogo e dá aos editores de notícias do Canadá uma chance justa, sem exigir fundos adicionais dos contribuintes."

Rachel Curran, gerente de políticas públicas da Meta, empresa controladora do Facebook, disse em email que ela está "revendo a legislação proposta em detalhes" e que "espera interagir com as partes interessadas assim que entendermos melhor o que o projeto de lei implica".

O Google não respondeu a um pedido de comentário e o Twitter se recusou a comentar.

A nova lei excluiria do plano de compensação o YouTube, outra filial da Alphabet, empresa controladora do Google. Autoridades disseram a repórteres que o YouTube se enquadra nas leis de rádio e televisão do país. A lei também não se aplica a serviços como o Apple News, que já licenciam artigos de jornais, ou sistemas de mensagens pessoais como o Facebook Messenger e o WhatsApp.

A forma exata que o sistema do Canadá assumirá e quanto dinheiro será canalizado para os veículos de notícias serão determinados em grande parte por meio de negociações entre empresas de tecnologia e publishers, assim como por decisões de reguladores, particularmente sobre quais empresas receberão subsídios.

Os editores poderão se unir para negociar acordos coletivos com as empresas de tecnologia. Eles também poderão continuar com os acordos privados e voluntários com empresas de tecnologia, como os que a Meta fez no outono passado com 18 editoras canadenses.

Se as negociações falharem, um processo de arbitragem compulsório determinará a compensação.

Embora os liberais de Trudeau não controlem a maioria dos votos na Câmara dos Comuns, espera-se que o projeto de lei seja aprovado por causa de sua recente aliança com o Novo Partido Democrata, que há muito pressiona as empresas de tecnologia a pagar pelo uso de notícias.

O projeto é a mais recente de uma série de medidas do governo Trudeau para apoiar a indústria jornalística. Anteriormente, reservou 595 milhões de dólares canadenses (R$ 2,2 bilhões) para subsidiar os salários dos jornalistas e outros 50 milhões de dólares canadenses (R$ 188 milhões) para programas de jornalismo local.

Por causa da pandemia, os editores receberam milhões de dólares em ajuda emergencial do governo, um programa que estava disponível para todas as empresas. Revistas e pequenos jornais também receberam verbas adicionais específicas para o setor para alívio da Covid.

Christopher Waddell, professor emérito de jornalismo na Universidade Carleton, em Ottawa, disse estar preocupado que o texto da nova legislação permita ao regulador federal de rádio e televisão definir quais organizações noticiosas poderiam negociar fundos com empresas de tecnologia.

"Até que ponto, quando você começa nesse caminho, é empurrado para o atoleiro da regulamentação e do controle do governo?", disse ele. "É uma ladeira escorregadia."

Anabel Quan-Haase, professora de estudos de informação e mídia na Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá, disse que a Austrália mostrou que dinheiro extra ajudou empresas de notícias menores a manter funcionários em tempo integral.

"Acho que isso poderia realmente reverter algumas das tendências que vimos nas últimas duas décadas", disse ela.

Mas Waddell afirmou estar cético de que a proposta –ou qualquer um dos programas do Canadá– salve a indústria jornalística.

"O grande problema que os jornais enfrentam, além de não manter a receita publicitária, é que seu público está desaparecendo", disse. "E o público não está desaparecendo porque não há anúncios."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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