Carro elétrico pesa menos no bolso, mas falta tomada

Infraestrutura caminha mais lentamente que vendas desses veículos no Brasil

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São Paulo

Antes vazias, as tomadas de recarga localizadas em supermercados, shoppings e rodovias de São Paulo já são disputadas. Em geral, estão ocupadas por utilitários esportivos com motorização híbrida plug-in, que custam não menos que R$ 400 mil. São veículos que não dependem dessa energia para se deslocar, já que podem ser abastecidos com gasolina.

Parece um mundo perfeito: além de não emitir poluentes no uso, os jipões de luxo dispõem de eletricidade gratuita. Mas o que irá ocorrer quando modelos mais em conta —e 100% elétricos– chegarem ao mercado? Haverá tomada para todos?

"Vou daqui a Manaus em um carro elétrico? Não, terei dificuldade. A infraestrutura está começando a ficar mais adequada no Sudeste e no Sul, com expansão para o Centro-Oeste e o Nordeste", diz Rodrigo Aguiar, sócio-fundador da Elev, empresa especializada em soluções para fornecimento de energia.

Recarga de carro elétrico em shopping de São Paulo - Ronny Santos - 17.nov.2021/Folhapress

A infraestrutura caminha em passos mais lentos do que as vendas no Brasil. Embora a iniciativa privada esteja investindo em pontos de recarga, as especificidades dos veículos eletrificados exigem mais.

Enquanto um carro compacto a combustão precisa de um ou dois minutos para ter seu tanque cheio, as baterias de um modelo elétrico de mesmo porte podem levar de 30 minutos a 12 horas para estarem a plena carga.

Segundo a Anfavea (associação das montadoras), se o Brasil quiser acompanhar o movimento global de eletrificação, será necessário investir R$ 50 bilhões em infraestrutura até 2035, com a instalação de 150 mil eletropostos. Esses aportes impactariam também os fornecedores e as redes concessionárias.

Ainda que a eletrificação massiva seja algo distante –a própria Anfavea defende que o etanol é a melhor solução "verde" para a mobilidade país–, gargalos começam a surgir devido à concentração da frota de híbridos plug-in e elétricos. As vendas ocorrem em grandes centros urbanos, como São Paulo e Curitiba.

Embora os volumes não sejam relevantes diante dos modelos a combustão (apenas 2.860 carros de passeio elétricos foram vendidos em 2021, ou 0,14% do total), o fato de estarem circulando em ilhas de maior poder aquisitivo cria o problema.

Brenno Cavinato, sócio da consultoria VC One, diz que os carros eletrificados começam a ocupar o espaço dos modelos premium, e isso é um movimento natural da indústria.

"O mercado vai mudar rapidamente, há fábricas nos principais mercados que já viraram para o elétrico", afirma Cavinato.

Por enquanto, os eletropostos oferecem serviço gratuito, mas esse modelo de negócio não será sustentável quando ocorrer a massificação dos carros 100% elétricos.

"Não há expectativa de energia gratuita para sempre, mas os compradores de carros elétricos hoje, por serem pioneiros, estão se beneficiando da estrutura que está sendo criada", diz João Henrique Garbin de Oliveira, diretor-geral de operações e inovação da Volvo Car Brasil.

Por necessidade, a montadora sueca é a que mais investe em pontos de recarga no país. A marca já anunciou que, a partir de 2030, não terá mais veículos com motores a combustão em seu portfólio. Dois modelos já foram lançados no Brasil: os utilitários de luxo XC40 (R$ 400 mil) e o C40 (R$ 410 mil).

A Volvo já instalou mil tomadas em shoppings, concessionárias e mercados Brasil afora, e em dezembro anunciou a criação de 13 corredores elétricos ligando cidades das regiões Sul e Sudeste. Os eletropostos já estão sendo instalados.

Essa primeira fase abrange 3.250 quilômetros de rodovias. A empresa diz que pontos de carga rápida permitirão levar as baterias do zero aos 80% de capacidade em 35 minutos. Os últimos 20% são mais lentos, para preservar o sistema.

Enquanto tais corredores não estiverem disponíveis, viajar de carro 100% será um exercício de paciência. Durante a avaliação dos modelos da Volvo e de outros automóveis do mesmo segmento que passaram pelo teste Folha-Mauá, ficou evidente que a estrutura atual está se tornando insuficiente.

Para que os carros possam retornar da pista da ZF Automotive, em Limeira (a 160 km de São Paulo), onde são realizadas as medições de desempenho, é necessário parar para recarga no eletroposto da empresa de energia EDP.

As tomadas, que foram instaladas em parceria com o grupo Volkswagen, ficam na rodovia Anhanguera (a 24 km do local de testes) e fazem parte da rede de restaurantes Graal.

Entre as opções há uma tomada rápida (150 kW), capaz de encher a bateria do zero aos 80% em aproximadamente 40 minutos. Essa carga é suficiente para percorrer 300 km com o Volvo C40.

No dia 16 de março, o piloto de testes Leandro Abranches chegou ao eletroposto às 11h e encontrou um Nissan Leaf, um Mini Cooper SE e uma van Renault Kangoo ZE ocupando três dos quatro pontos. A opção disponível era de 22 kW. Nesse caso, o tempo para recarga completa sobe para quatro horas.

Três dias depois, em uma viagem de 90 km pelo interior de São Paulo, foi necessário recarregar o Volvo novamente. O local escolhido foi o eletroposto instalado pela CPFL em outra loja da rede Graal, na rodovia dos Bandeirantes, em Jundiaí. Os equipamentos foram fornecidos pela ABB, pioneira no setor de recarga automotiva em rodovias.

Um dos dois pontos estava ocupado por Mini Countryman Hybrid, mas a outra tomada, que fornecia aproximadamente 50 kW (carga completa em duas horas), permanecia livre.

Logo após plugar o C40, uma motorista encostou um compacto elétrico JAC E-JS1 (R$ 164,9 mil) e ficou à espera de uma vaga para recarregar o carro.

Ou seja, os eletropostos já começam a ser mais disputados tanto nas rodovias como nos shoppings. Nos estabelecimentos comerciais, as tomadas oferecem, em geral, 7kW (carga do zero aos 100% entre 6 e 12 horas, a depender da capacidade das baterias).

Segundo a Anfavea (associação das montadoras), aqueles 2.860 carros elétricos vendidos no ano passado representam alta de 257% na comparação entre 2020 e 2021. As bases ainda são muito rasas, mas mostram o interesse crescente por essa tecnologia –principalmente por parte de empresas que buscam "esverdear" a frota.

Mas quem está ocupando as vagas de recarga são, de fato, os carros híbridos plug-in. Suas baterias permitem percorrer cerca de 50 km com uma carga, o suficiente para o uso cotidiano. Contudo exigem paradas frequentes para que não seja necessário usar o motor a gasolina.

Só a Volvo vendeu cerca de 8.000 unidades desses modelos ao longo de 2021. As marcas BMW, Mini e Porsche também oferecem opções desse tipo, além de modelos 100% elétricos.

Quem não liga para combustão é a Tesla, que oferece o modelo mais caro de sua categoria no Brasil. O Model S Plaid custa R$ 1,7 milhão e tem o equivalente a 1.034 cv de potência. A marca é representada no Brasil pelo grupo Osten.

Compradores de carros elétricos de alto luxo têm todo o suporte das montadoras para instalar um ponto de recarga residencial igual ao oferecido nos shoppings. Nesse caso, é possível instalar painéis solares, por exemplo, para deixar o uso ainda mais verde. É uma solução para quem mora em casas.

Mas ainda são raros os edifícios preparados para receber tomadas nas vagas, cenário que tende a mudar. Desde março de 2021, a lei municipal Nº 17.336 determina que novos prédios residenciais e comerciais registrados na Prefeitura de São Paulo disponibilizem soluções para o carregamento.

Rodrigo Aguiar, da Elev, diz que há muitas dúvidas sobre como instalar tomadas para carros em condomínios antigos, e os questionamentos envolvem pagamento da conta de energia e distribuição das vagas.

"Mas uma discussão que precisa ser feita antes disso é que os pontos de carregamento hoje se tornaram um diferencial, valorizam os imóveis", diz o especialista.

Outra preocupação são as crises hídricas, que criam sobretaxas e podem tornar a recarga mais cara ou restrita a horários de menor consumo de energia. Mas os carros se adequam a situações desse tipo, podendo ter as baterias reabastecidas na madrugada.

Com as tarifas atuais vigentes na cidade de São Paulo, recarregar um carro elétrico em casa custa bem menos do que rodar com um automóvel a combustão. Um Renault Kwid (R$ 59,1 mil), por exemplo, gasta o equivalente a R$ 38,77 para percorrer cem quilômetros com gasolina no trânsito urbano. Já o Fiat 500e (R$ 252,7 mil) precisa de R$ 8,27 para cumprir a mesma distância na cidade.

Os cálculos foram feitos com base no preço médio da gasolina em São Paulo entre os dias 13 e 19 de março, segundo a ANP (agência nacional do petróleo). Os dados de consumo foram aferidos pelo Instituto Mauá de Tecnologia.

Já as recargas fora de casa para percorrer distâncias maiores só serão de fato viáveis quando houver cobrança. Em 2018, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), definiu que os valores deverão ser estipulados pelos prestadores de serviço. Espera-se, portanto, que as próprias redes que hoje vendem combustíveis criem soluções para atender a seus franqueados.

"Os postos de combustível são os melhores pontos de varejo do Brasil, esses empresários são garantidores da mobilidade urbana, por isso tem que ter protagonismo também na mobilidade elétrica", diz Thiago Castilha, sócio da E-Wolf Carregadores.

Castilha explica que esses pontos precisam ser rentáveis para os empresários. "Hoje a maior dúvida dos donos de postos é como irão rentabilizar a recarga."

A Vibra Energia (ex-BR Distribuidora) tem feito investimentos bilionários para oferecer opções de recarga em seus postos, assumindo o controle acionário de empresas do setor energético.

Em janeiro, a Raízen (rede Shell) anunciou o investimento de R$ 10 milhões na Tupinambá Energia, startup focada em infraestrutura para recarga elétrica veicular.

A Tupinambá é também parceira do Carrefour Property. A rede possui cinco pontos de carregamento em supermercados, e existe um estudo para oferecer mais dez pontos em São Paulo neste primeiro semestre e mais 25 pontos no segundo semestre em outras cidades do país.

Ações como essa têm foco na agenda ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês). "O propósito é investir nos temas ambientais, reforçar o pilar de sustentabilidade da empresa", diz Patrícia Lima, gerente comercial do Carrefour Property.

Enquanto as soluções de recarga vão sendo estabelecidas, comerciantes começam a apostar em carros eletrificados. O empresário Alexandre Cassel, diretor-presidente do grupo Casco, diz que há grande procura por modelos híbridos plug-in em Porto Alegre.

"São carros que não gastam nada na cidade, tenho clientes que dizem fazer 900 quilômetros com um tanque de combustível", diz Cassel.

Já a venda dos modelos 100% elétricos é mais lenta. "Temos um grande desafio de infraestrutura e investimento. Hoje é um problema para vender, estou com um Porsche Taycan há 90 dias na loja, e o Volvo XC40 está há 45 dias, enquanto o meu giro médio é de 29 dias", afirma o empresário

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