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Como dar emprego para 10 milhões de recém-formados?

Esse é um dos desafios da China, onde o número de graduados bate recordes

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Pequim | Caixin

Enquanto caminhava entre as cabines das 78 empresas que recrutavam recém-formados na Universidade Renmin, em Pequim, em 30 de março, as esperanças de Chen Jun* de encontrar o emprego ideal diminuíam.

"Há muitos poucos empregos adequados", disse Chen. Formado em economia, ele entregou só quatro currículos no evento, que oferecia mais de 500 vagas de emprego.

Yang Yanlin*, pós-graduado em gestão econômica de agricultura, também ficou decepcionado com o evento. "Há opções de trabalho limitadas para minha especialidade, e as coisas não vão bem", disse.

Chen e Yang estão entre os 10,76 milhões de estudantes chineses que deverão deixar os campi de faculdades este ano, o maior grupo de formandos na história da China e 1,67 milhão a mais que no ano passado, segundo o Ministério da Educação.

Técnicos em fábrica em Chengdu, no sudeste da China - Wang Qichang - 9.nov.2021/Xinhua

Eles tentam iniciar carreiras em um dos mais duros mercados de trabalho dos últimos anos. A segunda maior economia do mundo enfrenta crescentes incertezas de crescimento devido à pandemia de Covid-19, os riscos geopolíticos e a reestruturação industrial interna. Inspeções regulatórias e a contração do mercado em setores que incluem internet, imóveis e educação obrigaram os empregadores a cortar custos e reduzir seu tamanho, limitando o recrutamento. Ao mesmo tempo, a inadequação entre as exigências do mercado de trabalho e as qualificações de muitos formandos se torna cada vez mais clara.

Segundo o importante provedor de serviço de recrutamento Zhaopin.com, as vagas de emprego para recém-formados diminuíram 4,5% no primeiro trimestre deste ano, em relação ao ano passado.

Conforme se aproxima a temporada de formaturas, em junho, muitos estudantes ainda não conseguiram uma oferta de emprego. Em uma universidade no polo comercial de Guangdong, no sul da China, só 13,5% dos formandos deste ano tinham encontrado trabalho até 28 de março, segundo a agência de notícias Caixin.

Para deixar a concorrência ainda mais feroz, uma onda crescente de estudantes no exterior volta para casa em meio à pandemia e às incertezas geopolíticas. Dados do Centro de Informações do Estado mostram que o número de estudantes no exterior que retornam à China superou 1 milhão pela primeira vez em 2021. Enquanto isso, as ofertas de empregos de empresas que geralmente preferem estudantes educados no exterior estão encolhendo.

O número de chineses formados em faculdade que buscam emprego deverá continuar aumentando em mais de 1,1 milhão por ano, segundo dados oficiais.

A pressão do emprego sobre os estudantes continuará nos próximos anos, disse Li Qiang, vice-presidente da Zhaopin.com. Mas isso não reflete tanto a oferta insuficiente de empregos quanto um desencontro estrutural entre oferta e demanda, disse Li.

Desencontro estrutural

A lacuna entre as expectativas de formandos em faculdades e as demandas do mercado é visível. Dados do Ministério de Recursos Humanos e Seguridade Social mostram que a indústria manufatureira respondeu pela maior porcentagem, 38,7%, da demanda por talentos na China, seguida pelas do comércio atacadista e do varejo. Mas os empregos mais desejados pelos recém-formados são geralmente em setores que incluem internet e comunicações, imóveis e construção, cultura e mídia e finanças, segundo dados da Zhaopin.com.

Os formandos ou não querem ou não são adequados a empregos em setores que têm a necessidade mais urgente de trabalhadores, dizem analistas.

Os setores de chips de alta tecnologia e manufatura de baixo custo têm escassez de mão de obra, disse um pesquisador do Ministério de RH. De acordo com um relatório de 2016 divulgado pelo Ministério da Educação, os principais setores manufatureiros da China enfrentarão um déficit de 30 milhões de trabalhadores até 2025, com enormes lacunas em tecnologia da informação de nova geração, equipamentos de energia e novos materiais.

A preferência dos formandos por empregos em setores estatais está crescendo pois eles buscam carreiras mais estáveis. Embora o recrutamento de recém-formados por todos os níveis de governo tenha se expandido ao longo dos anos, a concorrência se intensificou conforme o número de candidatos aumentava. Em 2022, em média, 68 pessoas concorreram para cada cargo no concurso nacional de funcionários públicos, em comparação com uma proporção de 16 para 1 em 2003.

Mesmo em Shantou, na província de Guangdong, onde existe um próspero setor privado, há uma tendência crescente de estudantes fazerem exames para tentar cargos no funcionalismo público, disse Su Junzhi, funcionário da Universidade de Shantou.

"Esta não é só a opção dos alunos, mas também reflete uma mudança de mentalidade de suas famílias", disse Su.

O interesse por empregos no setor público pode ser visto como uma mudança em direção à segurança no trabalho após a pandemia de Covid-19 e a repressão ao setor privado em áreas como aulas particulares e tecnologia. Dezenas de milhares de pessoas perderam o emprego em consequência da reforma forçada pelo governo apenas no setor de educação particular. Os cargos no setor público são vistos como "tigelas de arroz de ferro". Um emprego estatal geralmente significa segurança no emprego vitalício com renda estável e benefícios sociais em áreas como moradia e educação.

Uma pesquisa de 2021 do site de recrutamento 51job.com mostrou que 39% dos estudantes das melhores universidades da China preferiam empresas estatais ao buscar emprego, refletindo aversão ao risco e desejo de estabilidade, de acordo com Feng Lijun, especialista em recursos humanos na 51job.com.

Em comparação com as empresas privadas, as estatais chinesas registraram um crescimento mais estável nos últimos anos. Em 2021, elas relataram um crescimento de 30,1% no lucro líquido, com um aumento de receita de 18,5%.

Mas os critérios para a entrada em grandes empresas públicas geralmente são rígidos, pois os empregadores preferem trabalhadores experientes ou com formação educacional excepcional, disseram fontes de algumas empresas públicas.

Desde 2020, o governo central pressionou as estatais a recrutar mais recém-formados para fortalecer o mercado de trabalho atingido pela pandemia. Mas devido a exigências rígidas e sistemas de gestão, um aumento significativo em curto prazo é improvável, disse um executivo de estatal.

Perdendo vapor

O mercado de trabalho para graduados está esfriando à medida que empresas nos setores de ensino, internet e imóveis, que antes ofereciam um grande número de oportunidades de emprego, estão contendo as contratações após anos de aceleração.

A indústria de educação e aulas particulares contratou mais de 700 mil recém-formados anualmente nos últimos anos, tornando-se um dos mais importantes geradores de empregos, de acordo com Ge Wenwei, sócio da Duojing Capital. Mas esse motor ficou sem gasolina desde o verão de 2021, quando a indústria foi abalada por novas regras –conhecidas como "dupla redução"– para diminuir a carga de tarefas de casa e aulas extras para os alunos.

Um maior escrutínio dos serviços de aulas particulares levou ao fechamento de muitas instituições de pequeno e médio porte e a demissões em massa. Em muitas cidades, o setor encolheu 90% em seis meses, à medida que as empresas se apressavam para sair do mercado. Os principais atores, incluindo New Oriental e TAL Education Group, lutaram para renovar seus negócios e cortaram milhares de empregos para sobreviver.

"Haverá recrutamento de recém-formados, mas o número é marginal em comparação com anos anteriores", disse um executivo de uma empresa de educação online. Os principais atores do ramo em Pequim planejam contratar de 300 a 400 formados este ano para substituir trabalhadores mais velhos ou preencher vagas, em comparação com 3.000 a 5.000 contratados anteriormente, disse o executivo.
O setor imobiliário, que já foi o destino preferido dos recém-formados, também está cortando sua força de trabalho em meio à desaceleração do mercado e à crise de liquidez em todo o setor.

Desde o segundo semestre de 2021, muitos desenvolvedores interromperam novas contratações e começaram a cortar empregos à medida que os negócios diminuíam, disse um funcionário de uma agência de talentos.

Grandes empresas de tecnologia, incluindo Alibaba, ByteDance, Meituan e JD.com, também desaceleraram as contratações em meio a mudanças nos negócios. No primeiro trimestre deste ano, a oferta de empregos no setor de internet para recém-formados caiu 1,78% em relação a 2021, de acordo com a Zhaopin.com.

Após anos de rápida expansão, desde o final de 2020 as empresas de tecnologia chinesas enfrentaram um escrutínio rigoroso em várias frentes, o que levou a mudanças fundamentais na indústria, segundo analistas.

A maioria das empresas de internet realizou recrutamento nos campi em março. Diz-se que a Meituan fez mais de 10 mil ofertas em seu recrutamento na primavera, segundo apurou a Caixin. A JD.com planejava contratar mais de 20 mil graduados universitários este ano. Ao mesmo tempo, muitos empregadores de tecnologia efetuaram demissões para cortar custos.

Demitir trabalhadores mais velhos e mais bem pagos e contratar novos tem sido uma prática comum das empresas de internet para cortar custos com funcionários, disse uma recrutadora do setor de internet à Caixin. Os universitários são recursos baratos e de alta qualidade, e as grandes empresas de internet não vão desistir deles, disse ela.

Encontrando uma solução

Os desafios para os recém-formados na faculdade encontrarem empregos são constantes desde o início dos anos 2000, quando a China expandiu as matrículas nas universidades. O problema só piorou ao longo dos anos, apesar de todos os tipos de políticas e medidas.

O xis da questão é o número cada vez maior de formandos que não conseguem atender às demandas do mercado, disseram vários especialistas em recursos humanos. Houve um descompasso entre as expectativas dos alunos e as realidades do mercado, segundo eles.

A incompatibilidade do mercado de trabalho reflete o fato de que o sistema educacional chinês está atrasado em relação à transformação industrial do país, disseram especialistas.

As universidades chinesas se concentraram em cultivar a educação generalista, que não pode atender às crescentes demandas das empresas por especialização, disse Zhang Chenggang, especialista em mercado de trabalho na Universidade Capital de Economia e Negócios, em Pequim.

O maior problema do sistema de ensino superior na China é a desconexão das necessidades sociais, disse Xiong Bingqi, presidente do 21st Century Education Research Institute, com sede em Pequim.

Em agosto de 2021, o Conselho de Estado emitiu um plano de desenvolvimento do mercado de trabalho exigindo que as universidades melhorassem seu currículo de disciplinas acadêmicas para responder melhor às demandas do mercado. Mas na prática as universidades hesitam em adotar grandes mudanças devido a preocupações com altos custos e riscos potenciais, disse Zhang.

Especialistas há muito pedem que a China promova a educação vocacional para melhorar a oferta de talentos. Em setembro de 2020, nove departamentos do governo central liderados pelo Ministério da Educação emitiram uma diretriz com o objetivo de ampliar a porcentagem de matrículas em escolas profissionais e estabelecer um sistema de ensino superior para formação profissional.

Para muitas famílias chinesas, porém, as escolas vocacionais não são vistas como uma opção promissora, pois há muito tempo são ridicularizadas como de baixa qualidade e inferiores às universidades.

Para mudar essa mentalidade, os padrões de avaliação educacional devem ser diversificados, disse Chu Zhaohui, pesquisador da Academia Chinesa de Ciências da Educação. Uma das atividades importantes do sistema de educação vocacional moderno é cultivar talentos adequados para o desenvolvimento social modelo, e isso requer o estabelecimento de um sistema de valores sociais que respeite a igualdade de todas as pessoas, disse Chu.

Também é importante para a China modernizar a estrutura industrial, desenvolver a economia regional e formar um círculo virtuoso de educação e desenvolvimento econômico, disseram especialistas.

*Chen Jun e Yang Yanlin são pseudônimos

(Colaboraram Cai Jingyuan, Zhou Luqing, Wang Shihan, Huang Huizhao, Du Zhihang e Guan Cong)

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Fan Qiaojia , Sun Yanran , Bai Yujie , Shen Xinyu , Wang Bowen , Niu Mujiangqu , Qin Min e Han Wei
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