Descrição de chapéu The New York Times Rússia

Empresas europeias lutam contra a falência após sanções à Rússia

Empresas europeias que dependiam de clientes russos sofrem danos colaterais da invasão da Ucrânia e das sanções ocidentais

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Liz Alderman
Paris | The New York Times

Os 600 pares de sapatos estavam intocados dentro de um armazém italiano: sandálias vermelhas, saltos agulha e sapatilhas douradas que iriam para butiques russas, estão presos em um limbo de sanções e convulsões econômicas da guerra da Rússia na Ucrânia.

Sergio Amaranti, a empresa italiana de calçados sobrecarregada com a montanha de mercadorias não pagas, está entre os milhares de companhias europeias que lutam contra uma reação cada vez mais ampla do conflito.

"É assustador", afirma Moira Amaranti, que administra a empresa fundada por seu pai e seu tio.

Funcionário da marca italiana Sergio Amaranti produz sapatos que deveriam ir para a Rússia - Clara Vannucci - 18.mar.2022/The New York Times

Ela diz que temia que a perda financeira repentina pudesse desestabilizar a empresa de 47 anos, que sustenta 20 antigos funcionários e suas famílias.

"A Rússia é a metade do nosso negócio", afirma ela. "E agora temos um problema."

A guerra da Rússia contra a Ucrânia, que já dura um mês, está afetando a retomada econômica da Europa da pandemia de Covid-19, ameaçando sua recuperação com grande oferta de empregos. Fabricantes e varejistas que estavam se beneficiando de um crescimento renovado se adaptam às oscilações bruscas nas condições de negócios que injetaram novas incertezas na tomada de decisões econômicas.

As sanções destinadas a punir Moscou pela invasão da Ucrânia estão afetando as empresas de maneiras inesperadas, minando a confiança e sua capacidade de planejamento. Pequenas empresas como a Sergio Amaranti enfrentam um futuro nebuloso quando as exportações para um de seus principais mercados param. Grandes multinacionais que estão se afastando da Rússia avaliam o risco de confisco de ativos ou nacionalização.

As repercussões da guerra no aumento dos preços de energia, alimentos e commodities estão causando problemas ainda maiores, forçando fabricantes de turbinas, fábricas de vidro e usinas de zinco a desacelerar ou pausar a produção. O crescente congestionamento na logística e nas cadeias de suprimentos aumentou as pressões inflacionárias, levando os varejistas a repassar os custos crescentes aos consumidores e a encontrar suprimentos alternativos. A inflação anual na Europa atingiu 7,5% no mês passado, a maior em 40 anos.

Sapatos que iriam para butiques russas, mas não foram enviados após as sanções que o Ocidente impôs ao país que invadiu a Ucrânia - Clara Vannucci - 18.mar.2022/The New York Times

À medida que as interrupções pressionam as empresas europeias e seus trabalhadores, os governos da França, Espanha e países vizinhos estão revendo as prioridades de gastos e prometendo enormes subsídios para compensar os problemas, além das centenas de bilhões já gastos para mantê-las à tona durante a pandemia.

A Comissão Europeia autorizou as empresas afetadas por sanções contra a Rússia a receber até 400 mil euros (R$ 2 milhões) em ajuda estatal. Empresas e consumidores europeus estão recebendo descontos governamentais na bomba de gasolina e em suas contas de energia.

"Quanto mais a guerra durar, maiores serão os custos econômicos e maior a probabilidade de acabarmos em cenários mais adversos", alertou Christine Lagarde, chefe do Banco Central Europeu, na quarta-feira (6).

No mesmo dia, a Alemanha, maior economia da Europa, reduziu sua previsão de crescimento para 2022 em mais da metade, para 1,8%.

A Cogemacoustic, empresa familiar que emprega 50 pessoas em Limoges, no centro-sudoeste da França, não esperava que uma guerra tivesse efeito sobre ela. A empresa, especializada em ventiladores industriais gigantescos usados em túneis e minas, garantiu contratos pela primeira vez na Rússia, no último verão, para ajudar a compensar a desaceleração dos negócios devido aos bloqueios da pandemia, disse Marion Oriez, sua executiva-chefe.

Mapa da Cogemacoustic mostra os países para os quais exporta - James Hill - 8.mar.2022/The New York Times

As vendas russas rapidamente aumentaram para 5% dos negócios e deveriam dobrar este ano –até que a Rússia invadiu a Ucrânia. Os clientes russos não conseguiram pagar 90 mil euros por ventiladores já entregues por causa das sanções aos bancos russos, disse Oriez. Outros 20 ventiladores, do tamanho de caminhões pequenos, destinados à Rússia, estão parados na fábrica –um custo irrecuperável de 350 mil euros.

A empresa já estava lidando com a escassez de suprimentos e o aumento dos custos de matérias-primas e energia quando a guerra cortou o aço da Ucrânia necessário para fabricar os ventiladores, exigindo que Oriez encontrasse novas fontes e desacelerando a produção da fábrica.

"Nossa situação ainda é difícil", disse Oriez. "Há muita incerteza para a empresa."

Marion Oriez, chefe-executiva da Cogemacoustic, na sede da companhia em Limoges, França - James Hill - 8.mar.2022/The New York Times

Na Sergio Amaranti, com sede na cidade de Civitanova Marche, entre um grande grupo de fabricantes de calçados com longas ligações com o mercado russo, os gerentes enfrentaram decisões difíceis sobre continuar produzindo apesar da perda de pedidos.

Moira Amaranti disse que se reuniu com sua família e os funcionários para decidir se deveria parar de fabricar mais 500 pares de sapatos de verão que comerciantes russos tinham encomendado. Provavelmente seria impossível entregá-los tão cedo, e sete grandes pedidos do país já haviam sido cancelados.

No final, porém, decidiram prosseguir com a produção porque já haviam comprado o couro e o solado.

"Estou muito preocupada", disse Amaranti, cuja prioridade é encontrar soluções que mantenham seus trabalhadores remunerados. "Um empresário carrega o peso de muitas famílias."

Moira Amaranti, gerente da marca italiana Sergio Amaranti - Clara Vannucci - 6.abr.2022/The New York Times

Para a cervejaria Eichbaum em Mannheim, na Alemanha, perder seu mercado de exportação russo foi apenas o começo dos problemas causados pela guerra.

Terceiro maior exportador de cerveja da Alemanha, a empresa já sofria com dois anos de vendas prejudicadas porque a pandemia fechou bares e cancelou festivais, além dos emaranhados na cadeia de suprimentos. Agora, o preço do lúpulo e de outros grãos usados na fabricação de cerveja mais que dobrou, impulsionado por temores de escassez relacionados à perda esperada das safras deste ano na Ucrânia, conhecida como celeiro da Europa, disse Uwe Aichele, responsável pelas vendas internacionais da cervejaria.

Esses problemas foram agravados pela falta de latas de alumínio e garrafas de vidro –ambas produzidas na Ucrânia–, juntamente com o alto preço da energia que assola a Alemanha.

"Quanto mais isso continuar, pior ficará", disse Aichele.

Os varejistas precisam procurar substitutos menos desejáveis para mercadorias que repentinamente estão em falta, incomodando os clientes. Uma empresa britânica, a Iceland, está entre as inúmeras cadeias de supermercados da Europa que enfrentam a escassez de óleo de girassol da Ucrânia, que, juntamente com a Rússia, responde por 70% da oferta global.

Funcionário na fábrica da Cogemacoustic em Limoges, na França - James Hill - 8.mar.2022/The New York Times

A Iceland teve de começar a usar óleo de palma novamente para fazer vários produtos alimentícios, depois de cortá-lo para cumprir as promessas de sustentabilidade ambiental, disse o diretor administrativo, Richard Walker, em uma mensagem aos clientes no site da Iceland.

A Mercadona, maior operadora de supermercados da Espanha, introduziu um limite de 5 litros de óleo de girassol por consumidor. No San Ginés, um café centenário em Madri famoso pelos churros –uma massa crocante frita em óleo de girassol–, Pablo Sánchez, o gerente, disse que pode ter que repassar um aumento de preço de 20% aos consumidores.

"Acabamos de sair do pesadelo da pandemia e agora estamos enfrentando essa guerra, então são realmente momentos em que você precisa mostrar extrema resiliência para sobreviver como empresa", disse ele.

Na Vetropack, fabricante suíça de recipientes de vidro para armazenamento, com fábricas em toda a Europa, o presidente-executivo, Johann Reiter, se prepara para a possibilidade de que a agressão da Rússia possa ir além da Ucrânia.

Quase 600 trabalhadores da fábrica da empresa perto de Kiev foram forçados a interromper repentinamente a produção quando tanques russos invadiram o país. Cerca de 300 toneladas de vidro fundido foram deixadas para solidificar dentro do forno do local, inutilizando-o.

A fábrica ucraniana produziu 700 milhões de garrafas de cerveja, potes de geleia e outros recipientes no ano passado e, sem isso, a receita da Vetropack deve cair 10%. A empresa não pode compensar a perda de produção porque suas outras fábricas estão trabalhando em capacidade máxima. Os gerentes avaliam se devem mudar seu mix de produtos.

Reiter está de olho na vizinha Moldova, onde opera outra fábrica da Vetropack. A empresa está se preparando para o pior cenário –em que a Rússia estende a guerra para lá–, implementando planos de evacuação e desligamento, bem como geradores de backup e telefones via satélite para os gerentes manterem a comunicação.

​"É provavelmente o período mais difícil do meu tempo como CEO", disse Reiter.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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