Google vai à Justiça contra venda falsa de filhotes de cachorros

Empresa alega que homem enganou possíveis compradores usando o Gmail e outros serviços

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Livia Albeck-Ripka
Califórnia | The New York Times

O gigante da tecnologia Google tomou uma medida sem precedentes ao abrir um processo de proteção a consumidores para proteger pessoas vulneráveis e desprevenidas contra um esquema que a empresa descreveu como "nefário": a venda de filhotinhos adoráveis, mas imaginários.

O processo, aberto na segunda-feira (11) no tribunal distrital federal de San Jose, Califórnia, acusa Nche Noel Ntse, um homem de Camarões, de fraudar potenciais compradores de filhotes usando diversos serviços do Google, entre os quais contas do Gmail, números de telefone do Google Voice e anúncios.

Ntse atraía suas vítimas com fotos "adoráveis" e "encantadoras" de filhotes puro-sangue, acompanhadas por "depoimentos convincentes de compradores supostamente satisfeitos", para explorar a demanda elevada por filhotes que surgiu nos Estados Unidos durante a pandemia de Covid-19, de acordo com documentos judiciais.

Google processou homem que, segundo ele, usou uma variedade de seus serviços para pedir às pessoas que pagassem adiantado por cães que nunca receberam - NYT

O Google afirmou ter gastado mais de US$ 75 mil (R$ 350 mil) para "investigar e remediar" as atividades de Ntse, e está movendo o processo contra ele em busca de indenização financeira, mencionando danos à reputação da companhia e ao seu relacionamento com usuários.

"O que ele fez parece ser um abuso especialmente ultrajante de nossos produtos", disse Michael Trinh, advogado do Google, na segunda-feira.

A empresa informou que impede 100 milhões de emails potencialmente nocivos de chegar a usuários a cada dia, mas Trinh disse esperar que o processo vá além, fazendo de Ntse um exemplo. O Google decidiu não mover acusações criminais contra ele por acreditar que um processo civil seria uma solução mais rápida, acrescentou Trinh. "É uma luta contínua".

O caso representa o primeiro processo aberto pelo Google para proteger consumidores, disse José Castañeda, porta-voz da companhia. Ele acrescentou que, com base na vasta rede de sites operada por Ntse, o Google estimou que as vítimas dele podem ter perdido mais de US$ 1 milhão (R$ 4,7 milhões).

A ação judicial do Google surge depois que a pandemia gerou um aumento na demanda por filhotes, bem como um número cada vez maior de esquemas fraudulentos para tirar vantagem dessa procura.

No ano passado, consumidores reportaram ter perdido mais de US$ 5,8 bilhões (R$ 27 bilhões) em fraudes, um avanço de mais de 70% com relação a 2020, de acordo com dados da FTC (Comissão Federal do Comércio) dos Estados Unidos. Trapaças de comércio online registraram uma alta especialmente forte durante a pandemia, de acordo com o Better Business Bureau [equivalente americano do Procon]. A organização estima que, em 2021, fraudes relacionadas a animais de estimação tenham respondido por 35% das denúncias de fraude no comércio online.

O Google tomou conhecimento das atividades de Ntse pela primeira vez por volta de setembro de 221, depois de receber uma queixa de abuso da AARP, uma organização que defende os americanos idosos.

De acordo com a queixa, uma pessoa que vive na Carolina do Sul e estava em busca de um cachorro contatou Ntse por email depois de visitar um site operado por ele, agora fechado. Depois de se corresponder com Ntse por email e mensagens de texto, a pessoa enviou US$ 700 (R$ 3.253) em cartões eletrônicos de presentes para o fraudador, segundo a queixa, que acrescenta que "a vítima 1 jamais recebeu o cachorro".

De acordo com a documentação do processo, Ntse vive em Douala, uma cidade portuária de mais de dois milhões de habitantes em Camarões. Ele operava outros sites, entre os quais um que supostamente vendia maconha e um xarope contra tosse que contém opiáceos e só deveria ser vendido sob receita, o processo afirma.

"Quando você está interessado em comprar um cachorro, não imagina que haja um criminoso do outro lado da transação" disse Paul Brady, que comanda o site PetScams.com, que rastreia e denuncia sites que afirmam falsamente que vendem animais.

Os fraudadores, muitos dos quais vivem fora dos Estados Unidos, postam fotos e vídeo de filhotes e oferecem vendê-los por preços baixos, exigindo pagamento adiantado e às vezes custos adicionais inventados, como taxas de quarentena animal e taxas de entrega.

Esses esquemas passaram por uma "explosão" nos dois últimos anos, disse Brady, com os fraudadores tirando vantagem da solidão das pessoas e dos lockdowns, que limitavam a capacidade de viajar para recolher um animal.

"As pessoas estavam sozinhas em casa e queriam a companhia de um animal", ele acrescentou, recordando um incidente especialmente chocante no qual uma mulher gastou US$ 25 mil (R$ 116 mil) para tentar adquirir um lulu da Pomerânia.

Uma pessoa enviou ao golpista acusado US$ 700 e “nunca recebeu o filhote”, de acordo com um relatório - NYT

Para Rael Raskovich, 28, a experiência de ser fraudada em um esquema online de compra de animais foi devastadora.

Cerca de um ano atrás, Raskovich, que trabalha em uma instituição hipotecária, tinha acabado de se mudar para a Carolina do Sul e queria comprar o primeiro cachorro de sua vida: um golden retriever.

Ela estudou suas opções e terminou por preencher um formulário online, em um site que já saiu do ar, e incluía perguntas detalhadas sobre seus planos para cuidar do animal, ela disse, o que a levou a acreditar que o procedimento era legítimo.

Ela transferiu US$ 700 ao vendedor, que lhe enviou um vídeo do cachorro que ela imaginou que em breve receberia. Ela comprou brinquedos e uma caminha de cachorro.

Em seguida, contou Raskovich, o vendedor disse que precisava de US$ 1,3 mil (R$ 6.042) adicionais para vacinar o animal contra o coronavírus, e para um receptáculo de transporte com ar condicionado. Raskovich disse que foi informada de que receberia um telefonema da Delta Air Lines, que segundo o vendedor transportaria o animal –mas quando ela ligou para confirmar, a companhia de aviação a informou de que não transporta animais.

"Foi então que eu soube que aquilo com certeza não era legítimo", ela disse, acrescentando que cortou a comunicação com o suposto vendedor, cuja identidade nunca foi determinada.

"Você se prepara para uma coisa nova em sua vida", disse Raskovich. "Foi péssimo".

Tradução de Paulo Migliacci

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