Guerra na Ucrânia ameaça afundar o 'fish and chips' inglês

Rússia costuma fornecer entre 30% e 40% do pescado vendido nas casas do prato britânico

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Brigitte Dusseau
Brighton | AFP

Eles conseguiram escapar do Brexit e da Covid-19 e tentam sobreviver a uma inflação histórica, mas a guerra na Ucrânia ameaça afundar milhares de vendedores do tradicional "fish and chips", símbolo nacional da comida barata e popular no Reino Unido.

Em Brighton, na costa sul da Inglaterra, a proprietária do restaurante Captain’s, Pam Sandhu, não gosta de reclamar. Mas nos grandes refrigeradores do estabelecimento, há muitas prateleiras vazias, quando deveriam estar repletas de bacalhau para ser empanado e servido com batatas fritas, como dita a tradição.

"Com a guerra na Ucrânia, não sobrou pescado, ou resta apenas uma pequena quantidade", ela disse. "E os preços dobraram do ano passado para cá".

Típico prato inglês antes de ser servido em restaurante de Brighton - Adrian Dennis - 25.mar.2022/AFP

Naquela ensolarada sexta-feira de primavera, a preocupação dela era se teria peixe suficiente para atender à demanda do final de semana.

Sandhu trabalha há 30 anos no ramo do "fish and chips", muitas vezes sete dias por semana, e garante que nunca havia enfrentado problemas de abastecimento e nem pressão tão forte de custo.

Ela adquiriu há três anos o restaurante em Brighton, que oferece varandas com vista para o mar, e planejava inaugurá-lo em março de 2020.

A pandemia da Covid-19 impediu que ela cumprisse seu plano inicial. Depois, veio a inflação. Mais recentemente, a guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia.

Pam Sandhu serve o prato em seu estabelecimento - Adrian Dennis - 25.mar.2022/AFP

A Rússia costuma fornecer entre 30% e 40% do pescado (principalmente bacalhau e arenque) vendido nas casas de "fish and chips" britânicas, de acordo com Andrew Crook, presidente da National Federation of Fish Friers (NFFF).

A Ucrânia também é o maior exportador mundial de óleo de girassol, utilizado na fritura. E Sandhu aponta para uma "escassez" de óleo.

Na metade de março, Londres anunciou uma tarifa de 35% sobre o pescado russo, o que aumenta a inquietação em um momento no qual os vendedores do prato já sofrem com a alta dos preços do gás, a outra grande preocupação de Sandhu.

Esse prato popular que nasceu na década de 1860, tradicionalmente servido envolto em folhas de jornal, envolve um filé de peixe branco empanado e servido com batatas fritas, acompanhado por purê de ervilhas e molho tártaro.

Clientes comem prato típico em cidade britância - Adrian Dennis - 25.mar.2022/AFP

Margens caíram a zero

"Nosso produto sempre foi considerado comida barata, e nossas margens sempre foram baixas. Trabalhamos com volume. Infelizmente, com a alta dos preços é muito difícil proteger as margens, que caíram para perto de zero", explicou Crook à AFP.

Ele é dono de um restaurante de "fish and chips" em Lancashire, no noroeste da Inglaterra, e aumentou o preço do produto em 50 pence (R$ 3,4); uma porção agora custa 8,50 libras (R$ 51,66).

Ele garante que o pescado ficou ainda mais caro porque alguns barcos de pesca britânicos não estão saindo por conta do preço alto do combustível.

Também mencionou o retorno do IVA à alíquota de 20%, em março, depois de sua redução temporária a 12,5% durante a pandemia.

Antes que a guerra explodisse na Ucrânia, Crook estimava que cerca de três mil dos 10 mil estabelecimentos de "fish and chips" que existem no Reino Unido poderiam fechar as portas em cinco anos.

Agora, "é provável que esse número de fechamentos aconteça em seis meses", ele afirma.

Sandhu espera que sua reputação e a qualidade de seu produto permitam que ela supere a crise.

Ela não aumentou seus preços, ainda que "esteja de olho para ver o que os outros fazem". Mas não quer perder clientes devido aos preços altos.

Em seus refrigeradores, em lugar do bacalhau que anda escasso, ela agora guarda pães de hambúrguer. No cardápio de seu restaurante, os cachorros-quentes, os hambúrgueres e os bolinhos de salsicha são mais baratos que o "fish and chips".

Pam Sandhu mostra sua geladeira antes de abrir restaurante em Brighton - Adrian Dennis - 25.mar.2022/AFP

Sentada na varanda diante do mar, em companhia de sua mãe octogenária, Sharon Patterson, cliente fiel do restaurante, garante que não quer renunciar a esse prato. "Os preços estão subindo, mas temos que apoiar as empresas locais e, enquanto for possível, virei comer ‘fish and chips’ tantas vezes quanto puder".

"Porque fui criada assim e isso é parte de minha cultura", ela acrescentou.

Tradução de Paulo Migliacci

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