Descrição de chapéu twitter

Ideias de Musk para o Twitter são coisas de dez anos atrás, diz pesquisador de redes sociais

Ethan Zuckerman critica plano de bilionário de só haver perfis reais e defende que redes sociais sejam tratadas como bens públicos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington

Elon Musk está atrasado, diz o professor Ethan Zuckerman. Pesquisador de redes sociais há décadas, ele tem a avaliação de que ideias defendidas pelo bilionário para o Twitter, como a de exigir que cada perfil corresponda a uma pessoa real, já mostraram não funcionar.

Ele dá como exemplo o Facebook, que adotou a prática de buscar ter perfis reais desde o início, mas também foi cenário de muitos problemas.

Ethan Zuckerman é um programador, blogueiro e ativista estadunidense
Ethan Zuckerman é um programador, blogueiro e ativista estadunidense - TED

"É o tipo de coisa que as pessoas falavam talvez dez anos atrás. Como se, caso soubéssemos quem cada pessoa era, poderíamos ter uma liberdade de expressão perfeita, e tudo funcionaria bem. A maioria das pessoas que trabalham com redes sociais hoje em dia não pensa que esse é um modo responsável de gerir comunidades."

Professor na Universidade de Massachusetts em Amherst, Zuckerman defende que os usuários tenham mais poder para atuar na moderação das redes sociais que utilizam, como acontece, de modo informal, em grupos de WhatsApp. E que é preciso criar alternativas de redes sociais que não estejam sob controle de bilionários, mas da sociedade.

Como a compra por Elon Musk pode mudar o Twitter nos próximos meses? Quando uma companhia que era pública se torna privada, passamos a saber menos sobre ela e suas operações. Então, podemos esperar que o Twitter se torne menos transparente. Poderá ser mais difícil entender o que acontece ali.

Uma segunda coisa é que Musk disse várias vezes estar preocupado com o fato de o Twitter estar ficando muito cuidadoso sobre moderar seu conteúdo. E que ele se preocupa que essa moderação está beirando o que ele chama de censura. Musk está meio que prometendo ir em direção oposta à que a maioria das redes sociais está indo. Muitas delas começaram com a noção, muito inocente, de abertura, em que qualquer coisa passa e você pode dizer o que você quiser. E elas então descobriram com o tempo que esse modelo de regras tende a afugentar mulheres, pessoas não brancas e indivíduos que são alvo de intimidação e assédio. Musk parece sugerir que ele quer desfazer isso e ir para um modelo mais antigo de rede social.

O terceiro ponto é que Musk tem dito coisas muitas vagas sobre tornar o Twitter mais aberto. Disse que iria tornar o algoritmo do Twitter um código aberto. Isso é uma declaração sem sentido. A maioria dos algoritmos usados por empresas como o Twitter são algoritmos de aprendizado de máquina muito complexos. Apenas saber as regras do algoritmo não ajuda em nada. Você teria de ver quais os dados em que eles são treinados.

O Twitter já é surpreendentemente aberto sobre seus algoritmos e efeitos. Alguns meses atrás, publicaram um estudo dizendo: "Ei, nós auditamos nosso algoritmo principal, e ele favorece políticos de direita mais que de esquerda. E não sabemos por quê". Esse tipo de algoritmo é treinado pelos dados e pode fazer coisas que surpreendem mesmo quem os criou. Assim, abrir o código provavelmente não ajuda. Ser capaz de auditar e revê-lo seria mais útil.

Como avalia a ideia de banir bots [contas automatizadas] e fazer com que apenas usuários com identidade verificada possam usar o Twitter? Acha viável? Não, especialmente dada a cultura do Twitter. Muitas das contas mais interessantes são de paródia. Uma delas, por exemplo, faz piadas com ideias estúpidas que Elon Musk poderia ter.

Há projetos que criaram bots muito úteis também. O Twitter não tem uma cultura de identidade com nomes reais. E não há muitas evidências de que usar nomes reais torna uma rede social melhor. O Facebook, uma das redes menos legais, tem uma política de nomes reais desde o começo. Você não precisa ser anônimo para ser malvado.

[Adotar nomes reais] É uma ideia muito antiquada. O que Musk vem dizendo que gostaria de fazer com o Twitter é o tipo de coisa que as pessoas falavam talvez dez anos atrás. Como se, caso soubéssemos quem cada pessoa era, poderíamos ter uma liberdade de expressão perfeita, e tudo funcionaria bem. A maioria das pessoas que trabalham com redes sociais hoje em dia não pensa que esse é um modo responsável de gerir comunidades.

Se o senhor tivesse poder e dinheiro para aprimorar o Twitter, o que faria? Precisamos de redes sociais que sejam tratadas como bens públicos, não apenas negócios privados. Da mesma forma que pagamos impostos para ter estradas, transporte público, sistema de Justiça, deveria haver algumas alternativas de redes sociais mantidas com financiamento público. E que elas deveriam ser governadas pelo público que as usa. Vou explicar isso em duas partes.

Primeiro: o financiamento funcionar como nas emissoras públicas em várias democracias europeias. Não são mídias controladas pelo governo. Seu dinheiro vem dos impostos, mas são mídias de alta qualidade, supervisionadas por reguladores para garantir que elas busquem o interesse público.

Seria muito útil ter alguns espaços de mídias sociais para certas aplicações, discussões ou questões políticas locais. Espaços nos quais poderíamos ter regras muito estritas sobre como tratar as outras pessoas na conversa, de modo que não se torne algo abusivo ou desagradável. Talvez plataformas para tentar te apresentar a vizinhos que você não conhece, te apresentar a toda a diversidade da sociedade. Se você é um paulistano e não conhece ninguém da Amazônia, talvez uma plataforma poderia tentar conectar vocês.

Essas plataformas [públicas] não seriam as únicas, você ainda teria as plataformas comerciais, mas parte delas teria algum interesse público em paralelo.

A segunda coisa é ter mais controle sobre a governança das plataformas. Vemos isso no Reddit. Em diferentes comunidades, há moderadores que decidem o que é um discurso aceitável. Se é um grupo sobre fotos de animais fofos, os moderadores derrubam qualquer conteúdo que não seja de animais fofos. Algumas das comunidades mais saudáveis no Reddit até elegem seus moderadores, têm um sistema democrático, para decidir quais serão as regras e quem ficará responsável por fazer elas serem cumpridas.

E se tivéssemos uma onda de espaços digitais, com algum financiamento público para colocar a tecnologia de pé, onde o foco seja na inclusão da comunidade e em governança, em vez de moderação? Essa seria uma visão muito diferente das mídias sociais do que a que temos agora.

Como vê as redes sociais no futuro próximo? Boa parte do meu trabalho é sobre interoperabilidade. Um modo de pensar sobre isso é: "O que acontece se eu decidir deixar o Twitter?". Tenho muitos seguidores lá. Posso dizer: "Ei, me sigam no Mastodon [rede social de código aberto]", mas nem todos virão. Seria muito bom se meus posts no Mastodon pudessem ser lidos no Twitter. Mas tem talvez 2.000 pessoas que sigo no Twitter. Não quero perdê-las. Eu recebo informações valiosas delas e quero mantê-las. Imagine que temos dois pedaços de software. Uma é muito simples: diz "vou compartilhar alguma coisa neste lugar, mas eu posso compartilhar em outros lugares". Então eu tuíto no Mastodon e isso também vai para o Twitter. Simples.

Agora, a parte difícil. Tenho um software que une todos que sigo no Mastodon, no Twitter, no Reddit, no Facebook. Posso colocar todos no mesmo lugar? Tenho trabalhado em um software assim desde 2017. Liberamos uma versão inicial no MIT, chamada Gobo, que permitia olhar o Twitter, o Mastodon e o Facebook. O Facebook depois decidiu que não queria fazer parte disso. Atualmente, estamos fazendo ele funcionar para o Twitter, Mastodon e Reddit. É difícil tecnicamente e legalmente. Essas plataformas não querem que você use outro software para interagir com elas. Mas ter algum tipo de interoperabilidade e o direito de usar qualquer software para interagir com o Facebook, o LinkedIn ou qualquer outra rede é algo pelo que vale a pena lutar.

Tem sugestões de como lidar com desinformação e fake news, especialmente de caráter eleitoral? É muito difícil para os governos regularem conteúdo. Nos Estados Unidos, temos padrões muito fortes de liberdade de expressão. É muito difícil para o governo dizer: "Você não pode falar isso". Quando a desinformação se torna uma posição política, é uma situação quase impossível. No meu país, agora, o Partido Republicano acredita que a eleição passada foi manipulada. Eles estão errados. É desinformação. Mas se disser "você não pode falar isso", vão falar que estou desafiando um discurso político. É uma situação muito difícil.

O que você pode fazer é demandar transparência. Se é uma pessoa real dizendo isso, se é um bot, se há uma ação coordenada. Há cem seres humanos repostando a mesma coisa ao mesmo tempo? Podemos rastrear o quão confiável alguém é? Das últimas 100 coisas que ela postou, 70 foram checadas como imprecisas. São coisas que podem ajudar sem você chegar e dizer "você não pode mais falar isso".

Qualquer um que vive em uma democracia entende o quão perigoso seria deixar o governo decidir o que é verdade ou não. Talvez você fique feliz se isso ocorrer sob Lula, mas não estaria feliz se isso ocorresse sob Bolsonaro. Talvez o contrário. Você provavelmente não quer uma situação em que o governo tem poder de veto sobre a expressão. Mas pode fazer algo como dizer: "Ei, Twitter, você tem 150 milhões de usuários no Brasil, se você quer continuar a operar no Brasil, a vender anúncios no Brasil, vamos precisar dessas informações em tempo real. Então podemos analisar como você está lidando com a desinformação". É um bom modo.

Algo realmente grande está acontecendo agora na União Europeia. Há a nova Lei dos Serviços Digitais. Não sabemos exatamente como serão os detalhes, mas parece adotar esta ideia, de como podemos tentar obter mais informações sobre essas plataformas, e como podemos usar isso em nosso modelo de regulação. É potencialmente muito atrativo.

O Brasil pode ajudar a influenciar os rumos das redes sociais em nível global? O Brasil é uma das maiores potências tecnológicas, em termos de ter uma população grande e muito conectada. As pessoas olham para o Brasil, e para a Índia, para ajudar a contrabalançar o poder dos EUA e da UE na questão de como essas redes funcionam.

Não vemos muitas conversas sérias sobre o Brasil atuar como um contrapeso regulatório aos EUA e à UE, mas seria interessante ver o Brasil pensando sobre esses modelos de redes sociais locais. O Brasil tem uma longa tradição de organização social depois da ditadura, como de entidades civis municipais atuando juntas por participação política.

Na minha opinião, Brasil e Índia se moveram para uma veia mais populista e nacionalista, e frequentemente isso significa que os políticos estão sendo muito bons em usar as mídias sociais para mobilizar pessoas.

O que os usuários podem fazer para terem uma relação melhor com as redes? As pessoas deveriam buscar redes que são moderadas e nais quais elas podem ter voz na moderação. E buscar redes sociais locais. Há muitos guias de como construir sua própria pequena rede social, usando ferramentas como o Mastodon. As pessoas deveriam ter redes sociais para suas vizinhanças. Isso se tornou bastante comum em cidades europeias, em várias partes da Ucrânia em razão da guerra. São como grupos de WhatsApp ou Telegram, mas não podem ser desligadas se alguém decidir que não quer mais que você faça isso. Temos o WhatsApp porque um bilionário particular, Mark Zuckerberg, estava com medo de que esse produto iria desbancar o Facebook. E, se ele decidir que não o quer mais, não o teremos mais.

Os grupos de WhatsApp são uma prova de que as pessoas podem tocar suas próprias redes sociais. Muitos desses grupos funcionam muito bem, na maior parte do tempo. Eles têm suas próprias regras. Seria muito bom se tivéssemos uma plataforma desenhada para isso. E ter coisas como um sistema de votação dentro dela, ou caminhos para que as pessoas pudessem eleger moderadores e tomar decisões. Isso é o que deveríamos estar experimentando.

Este é um bom momento para pensarmos como construir alternativas e qual a melhor forma de gerir isso. E estou perguntando isso para as pessoas. Não estou pedindo uma alternativa ao Facebook feita pelo governo brasileiro. O que peço é que todas as nações digitalmente letradas comecem a pensar que talvez possamos taxas as pessoas que estão ganhando dinheiro em nossos ambientes, talvez taxar as grandes empresas americanas, e usar esses impostos para financiar pesquisas e experimentações em redes que possamos possuir e controlar. Estou muito mais interessado nas redes menores do que nas grandes. E buscar oportunidades nas quais você pode governar e não apenas ser moderado é uma boa ideia.


RAIO-X

Ethan Zuckerman, 49

Professor de políticas públicas e comunicação na Universidade de Massachusetts em Amherst, e criador do centro de pesquisas Digital Public Infraestructure. Formado em filosofia, foi pesquisador em Harvard e professor associado no MIT. Também foi cofundador da startup Tripod nos anos 1990 e de duas instituições sem fins lucrativos, a Geekcorps e a Global Voices. Colaborou com projetos no Brasil, incluindo a Rede Nossa São Paulo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.